“Ajudar os outros é o que me motiva. Mas eu ficava podando a minha ‘megalomania’, levei anos para entender que eu podia ter ambição”

Marina Audi - 12 maio 2022
Gustavo Fuga, empreendedor da 4YOU2.
Marina Audi - 12 maio 2022
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Em inglês, 4YOU2 pode ser lido como For you too, “para você também”. Um nome, portanto, sob medida para uma escola inclusiva, em modelo low cost, com o propósito de democratizar o ensino da língua inglesa.

Fundada em 2012, a 4YOU2 Idiomas começou no Capão Redondo, zona sul da capital paulista, bairro conhecido por ser o berço dos Racionais MC’s. Hoje, são 19 unidades próprias em sete estados (Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo), pelas quais já passaram 15 mil alunos.

À frente desse negócio de impacto está Gustavo Fuga. Se a 4YOU2 está completando sua primeira década, o empreendedor nem sequer chegou aos 30 anos – tem 29. Quando fundou a empresa ele cursava economia na USP. Levou sete anos para concluir a faculdade: sua dedicação empreendedora o fez perder muitas aulas e quase ser jubilado.

O grande diferencial da 4YOU2 é recrutar estrangeiros (em geral universitários em intercâmbio no Brasil, mas não só) para ensinarem o idioma, promovendo assim uma troca cultural entre professores – foram mais de 400 até aqui – e alunos.

A metodologia engloba blended learning – misto de ensino off e online, no qual os exercícios de gramática são feitos no aplicativo 4YOU2 Study, e as aulas presenciais, com foco em conversação. Os planos custam a partir de 79 reais por mês, isentos de matrícula (há uma taxa de material de 300 reais). Em paralelo, no B2B, a 4YOU2 mantém um curso in company que já atingiu mais de mil alunos.

O plano agora é acelerar a expansão através de um modelo de franquia de impacto. Já existem nove unidades franqueadas, cinco delas em capitais: Cuiabá, João Pessoa, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Luís; as demais ficam nos estados de Minas Gerais (Patrocínio e Pedro Leopoldo) e São Paulo (Limeira e Ribeirão Preto).

Dez anos atrás, ninguém dava “um real” por uma ideia como a de Gustavo. Hoje, ele acumula 11 prêmios, incluindo o de Global Shaper – concedido pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017 – e captou três rodadas de investimento, de valores não divulgados.

Desde 2020, Gustavo também dá aulas de empreendedorismo no Centro Universitário FEI. E, através da FugaWork, presta consultoria, dá palestras, mentoria e vende cursos como o Negócio de Impacto (por dez parcelas de R$ 122,13), no qual traça o caminho das pedras para captar dinheiro de venture capital. 

Leia a seguir o papo de Gustavo Fuga com o Draft:

 

Você já disse que seus valores empreendedores foram aprendidos com seus pais. O que dois professores puderam ensinar aos filhos Carolina e Gustavo sobre empreender, numa época em que isso nem era moda?
Costumo falar que empreender não requer CNPJ… acho que para ser empresário, sim, é preciso e isso qualquer pessoa pode abrir. Mas ser empreendedor, para mim, é a forma de encarar a vida, de resolver problema. 

São pessoas que encaram os desafios da vida e do dia a dia de uma forma diferente, que não é completamente pessimista, desalentada ou desanimada, pelo contrário… “Se não dá desse jeito, vamos desse outro; se não dá nesse outro, vamos nesse outro daqui”. [O empreendedor] é quase um incansável em busca de resolver problemas. 

Isso eu não aprendi na faculdade de Economia na USP, no mestrado e nem viajando o mundo. Aprendi não só com meus pais, mas olhando para o lado, para as pessoas mais próximas, para a minha família, que é muito grande. De todos os lados, tive inspirações. 

Outra afirmação marcante sua é a de que o inconformismo com a  desigualdade brasileira alimentou o seu ímpeto empreendedor… Você se mudou do Rio de Janeiro para Porto Alegre, depois para Mogi Guaçu, no interior paulista. Como essa vivência te abasteceu?
Eu não vi nada que qualquer brasileiro não tenha visto ou não veja, porque está escancarado. Não foi uma realidade muito peculiar, de um momento que eu vivi. 

Infelizmente, esse é o nosso dia a dia. A desigualdade está tão entranhada que a gente não precisa passar por vários estados, como foi o meu caso, para perceber e se chocar. O que acaba acontecendo é que aprendemos a lidar com isso, porque afinal, é triste, é uma realidade difícil. A gente aprende a ver e a não sentir… é um mecanismo importante para sobreviver. 

Ter passado pelos lugares por onde passei só me salientou algo que, durante um tempo, eu traduzia como revolta. “Não sei o que fazer, não tenho ideia do que alguém pode fazer, mas está errado. Tem que mudar!”

Eu realmente acredito no poder de mudar as coisas pelo amor, levo isso na minha vida. Mas também acredito que a raiva, quando bem canalizada, tem um potencial de mudança enorme 

Eu não fiz absolutamente nada sozinho. Sou fruto do meu meio, de várias oportunidades e privilégios que eu tive, mesmo tendo nascido em Santa Cruz [subúrbio no extremo da Zona Oeste carioca]. Muito mais do que se esconder nesses privilégios, é: o que a gente vai fazer com esses privilégios? 

Quando consegui entender que podia fazer alguma coisa, encontrei o meu caminho de vida. Essas vivências contribuem muito, porque te marcam, principalmente na infância.

Como você escolheu a faculdade de Economia da USP, para a qual fez cursinho por alguns meses?
O que eu queria ao fazer economia era entender por que há tanta desigualdade. Eu tinha muita curiosidade desde as minhas leituras juvenis – mas, óbvio, sem o refinamento do conhecimento. Me lembro de assistir ao noticiário, ouvir os comentaristas falando de economia e não entender nada.

Minha mãe brinca que a primeira palavra que a minha irmã falou – ela é um ano mais velha – foi impeachment, de que se falava muito em 1991 [Fernando Collor de Mello foi impedido de exercer a presidência em 1992].  

A forma como eu olhava a economia não era para o mercado financeiro, bolsa de valores. Eu tinha curiosidade sobre essas coisas todas, mas era muito mais entender o setor público, a macroeconomia – como o dólar influi na inflação? E a crise mundial de 2008, que me pegou no Ensino Médio, reforçou essa vontade. 

Eu não sabia o que era negócio social quando entrei na faculdade, em 2011. Muhammad Yunus [pioneiro do microcrédito e dos negócios sociais] ganhou o Nobel da Paz em 2006, e eu montei a 4YOU2, em 2012, sem nem conhecer o conceito

Aí, por estar no ambiente universitário – a USP é muito vanguarda em vários pontos e em negócios sociais e de impacto também –, alguém falou que tinha uma organização falando sobre aquilo, um cara chamado Yunus, e eu fiquei atento. 

Embora pouca gente saiba, minha primeira experiência empreendedora aconteceu na escola, na época do Orkut. Junto com um amigo, montei um site para download de músicas. A gente usava o computador da escola… era maluquice, durou alguns meses e foi muito legal.

Enfim, não existia [a ideia de] “a melhor faculdade para virar empreendedor”… tanto que no primeiro dia de aula, a professora perguntou aos alunos quais eram as pretensões e respondi algo relacionado ao setor público, política.

É verdade que você demorou para se formar e quase foi jubilado? Se tivesse de descrever o Gustavo aluno, que palavras usaria?
Sim, é verdade (risos). Eu me lembro da minha mãe contando – até me emociona, porque descobri isso depois de velho – que ela chegou a se inscrever para a Fuvest, mas não teve coragem de fazer a prova. 

No dia em que entrei na USP, completamente emocionado, cabelo raspado… a minha mãe [que estava junto] disse: “Nossa, isso aqui é a Disney!”. Eu senti a mesma coisa, aquilo para mim era a Disney… 

Então, eu estava curioso, queria experimentar tudo. Fiz desde aula de forró, tênis, ioga, meditação, participei do movimento estudantil, ocupações, projetos acadêmicos.  

O primeiro ano de faculdade foi de curiosidade e dedicação 100%. Só que ao final desse ano, já comecei com a ideia da 4YOU2; no início de 2012, já estava com aquilo na cabeça.

A inspiração para a 4YOU2 veio de uma dor sua – não saber inglês e se ver em desvantagem, já que a bibliografia na faculdade incluía materiais no idioma – e do convívio estimulante com estudantes estrangeiros, que vinham ao Brasil pela AIESEC. Como você acabou conectando esses dois pontos?
Gosto de lembrar uma coisa que minha irmã me falou, muitos anos atrás. Ela colocou a questão de uma forma bonita, por um lado mais holístico que ela traz forte: “Quando a gente está aberto, canaliza algo que estava no universo, no Zeitgeist”. 

Eu estava ali envolvido, convivendo com muitos estrangeiros, sempre tive o sonho de fazer um intercâmbio, sempre tive vontade de conhecer todos os países do mundo…, então adorava conviver com estrangeiros. Acho que foi uma série de combinações. E claro que teve muita gente que me ajudou no início, incontáveis pessoas que ajudaram a compor o conceito.

A ideia-base de ser uma escola para periferia, muito barata e acessível, com professores estrangeiros foi a “ideia um”. Mas para construir o que hoje é a 4YOU2 foram tantas pessoas que seria injusto citar só algumas. 

Eu não acredito no que chamo nos meus cursos de “Síndrome de Leonardo da Vinci” – a genialidade absurda fará de você uma excelente empreendedora ou empreendedor, então espere a “ideia perfeita” vir… Esse é um dos principais mitos do empreendedorismo

Comigo não foi assim. No dia que tive a ideia da 4YOU2 e falei para as pessoas, não teve ninguém que achou a ideia razoável! Das 12 pessoas que me ajudaram quando era um projeto voluntário e ainda estávamos de certa forma dentro da AIESEC, nenhuma quis, de fato, abrir o negócio comigo. 

A ideia não era genial. A gente transformou aquilo, provou que podia ser viável, sustentável e que dava para trazer estrangeiros. Foi muita construção.

Foi difícil convencer os estudantes estrangeiros a embarcarem nessa jornada e irem para o Capão Redondo, onde a primeira unidade da escola foi aberta em 2012, dentro da ONG Fábrica de Criatividade?
Foi a ONG que realmente abriu as portas para a gente fazer os nossos pilotos, testar. A nossa sede é lá até hoje, com muito orgulho de ser uma empresa e ter o nosso CNPJ lá. Fizemos captação, abrimos uma S.A., criamos conselho, ganhamos prêmios… Não é Faria Lima e eu acho isso potente, importante. 

Essa parte de trazer os estrangeiros… Como eu era membro da AIESEC, cheguei a pagar taxas para fazer um intercâmbio para a Costa do Marfim, para trabalhar com intermediação de conflitos, na época era até uma situação de guerra – eu nem cheguei a ir porque a empresa começou a acontecer. 

No fundo, esse meu desejo de ir para a Costa do Marfim é o desejo do jovem de viver uma aventura, ajudar, apoiar… viver outras realidades, aprender, conhecer e ensinar também. E isso não é só meu, é mundial. Um dos sonhos do jovem é viajar, fazer intercâmbio – tanto no Brasil, quanto nos demais países, que já estão até mais acostumados com isso. 

Foi uma leitura geracional mesmo. Não é tão difícil quanto parece, porque é uma experiência absurdamente legal e completamente transformadora. Vai ter seus desafios? Sim, mas essa geração busca mais experiências do que bens materiais – isso já se sabe

Na prática, o que a gente fez na 4YOU2 foi formatar uma maneira mais fácil e simples para viabilizar um sonho que já está no consciente coletivo de uma geração inteira… eu diria que até de várias gerações.

E por que o Capão Redondo? Claro que é um bairro com tradição no hip hop, que tem várias ONGs, mas em termos de logística, fica longe da USP, onde você estudava na época…
Ter a relação com a Fábrica de Criatividade, com o espaço, sim, foi importante. E também se encaixava exatamente no nosso conceito: uma região que tem uma população em situação de vulnerabilidade social, tem uma questão do potencial que a educação pode trazer para o bairro, então fazia todo sentido. E continua a fazer sentido nossa expansão ser para regiões parecidas no país todo. 

Esse era o nosso atrativo, então a gente não escondia: pelo contrário, colocávamos como um atrativo para trazer o perfil certo de pessoas, mais aventureiro — principalmente no início, quando, de fato, estávamos aprendendo, tateando

Amadurecemos a área de International Talents – a área de professores – e, uns cinco ou seis anos atrás, entendemos que continua a ser uma experiência com um pouco de aventura, oportunidade de conhecer um outro país, mas ela já provê um outro nível de apoio e suporte. 

Hoje, não temos mais só o perfil muito aventureiro. Temos várias pessoas casadas, com filhos, com perfis bem diversos. 

Pode dar um exemplo do que amadureceu nesse processo de acolhimento aos estrangeiros? O que vocês implementaram nesses anos para atrair professores de fora?
Já faz muitos anos que desenvolvemos essa área própria e a gente toca todo o processo – desde a busca, seleção, treinamento, apoio, suporte, até eventualmente buscar no aeroporto, hospedagem.

Toda essa área é nova, não existe isso em outras empresas, do jeito que a gente faz. Então, tivemos que desenvolver e amadurecer os processos, por exemplo, a duração da estadia. 

Bem no início, 10 anos atrás, os professores ficavam dois ou três meses. Era pontual. Depois, entendemos que se a gente queria um perfil um pouco mais sênior e comprometido, ficar mais tempo era importante. Então, aumentamos para um ou dois anos. 

Fizemos várias mudanças, afinal, desenvolver é o DNA de startup. A gente entende que inovação não é só montar o próximo aplicativo com tecnologia disruptiva, há também a inovação social como essa – trazer estrangeiros para cá e como fazer isso de forma escalável.

Um ponto importante é deixar claro que a nossa visão não é de que “o estrangeiro é melhor”, nada dessa coisa meio colonizadora. Pelo contrário, é uma lógica de trocas: não sei a sua língua, você não sabe a minha, então vem e a gente aprende junto, se diverte, faz isso de uma forma legal 

Isso sempre foi um requisito – deixar as coisas leves. Entendemos que o lugar da formalidade é outro. 

A sala de aula é um espaço para fazermos encontros improváveis, entre pessoas que provavelmente não se conheceriam – conectar uma russa com o moleque do Capão Redondo; um garoto do Jardim Ângela e uma pessoa que vem da África.

Hoje, você fala muito sobre a 4YOU2 ter coração de ONG e cabeça 100% startup, fala em desmistificar o empreendedor social ao mesmo tempo que acha que só ganhar dinheiro não basta… Mas naquela época, qual era seu objetivo imediato? E o que significou, no começo, essa experiência de empreender a 4YOU2?
Com certeza era um aprendizado. Isso eu falo para os meus alunos. Na minha visão, o que a gente tem que buscar – quando se tem condições – é o lugar onde você vai aprender mais e conhecer mais gente.

Tenho a convicção de que nada que eu fizesse na universidade, nos primeiros dois anos, me daria o networking e nem o nível de conhecimento que eu tenho.

Empreender me trouxe tudo. Imagino que se eu tivesse feito estágio em algum banco, provavelmente demoraria mais tempo para ter tomado decisões. E no geral, você aprende tomando decisões. Ali a curva de aprendizado vem de uma outra forma – nem melhor, nem pior

Essa consciência sobre empreender eu já tinha, porque percebi isso rápido. Em vários momentos, eu via a progressão da carreira de outros colegas indo num ritmo financeiro muito mais rápido — mas isso nunca me moveu. 

Não é por ser “errado” ou “ruim” ganhar dinheiro. É porque eu acho pouco. É fácil para quem teve acesso à educação de qualidade como eu tive, para quem teve pai e mãe juntos, dando amor e carinho, como eu tive… Quantas pessoas tiveram isso? Minha obrigação é resolver a questão da grana e muito mais, é ajudar as outras pessoas — é isso que me motiva. 

Demorei alguns anos para descobrir e entender que eu podia ter ambição social. Eu ficava podando essa minha megalomania, essa ambição que eu tenho, porque isso é visto como algo ruim, errado. 

De fato, se é só para você e por você, é só mais um. No fundo, precisa ser ambicioso porque não dá para só pensar em pequenas mudanças. Precisamos tentar mudar bastante coisa no mundo

Não é que eu saiba quais são os caminhos. Não é que o empreendedorismo social seja o único ou o melhor caminho – é um dentre várias frentes. E a gente precisa de todas, porque o problema é muito grande.

Quando vocês decidiram usar a tecnologia no processo de ensino para fazer blended learning, sala de aula invertida e deixar de lado livros e cadernos? Quais foram as dificuldades para implementar isso e engajar uma população, desacostumada a ter ensino de qualidade, a usar um aplicativo para estudar inglês?
É interessante que grandes instituições de educação tiveram que fazer essa transição por conta da pandemia. A gente fez isso bem antes, cerca de seis anos atrás. 

Os quatro primeiros anos da 4YOU2 foram de aprendizado e validação das inovações mais humanas e do modelo low cost – o público, atuar na periferia, trazer professores estrangeiros. São pilares de inovação mais óbvia, que a gente traz e são mais explícitos. E acho que foi até bem rápido para validar o modelo.

Essa transição aconteceu a partir de setembro de 2015, quando ganhamos um prêmio da Slush [movimento sem fins lucrativos liderado por estudantes com a missão de ajudar fundadores que mudam o mundo] na Finlândia. Fui para lá fazer uma aceleração [Slush Global Impact Accelerator]. Aquilo mexeu comigo, porque comecei a pegar outras referências. 

Antes, o meu referencial aqui eram instituições de ensino legais, organizações do terceiro setor e algumas empresas que faziam um trabalho legal em educação. Quando fui para lá [Finlândia], vi que o meu referencial tinha de ser aquele mundo de tecnologia 

Uma coisa é falar dessa ambição, mas não conhecer mais nada. Quando eu conheci, vi que a galera levantava dinheiro com fundos de venture capital, acessava outro tipo de capital. 

Entendi que o mundo investia em outras coisas e a Finlândia – que é referência em educação – olhava para tecnologia.

Quando voltei, ainda no avião, desenhei a 4YOU2 2.0! Ali entendi que, para dar o salto nacional – que tem acontecido nesses últimos meses –, a gente precisava começar um trabalho no mesmo sentido para onde o mundo estava indo. 

Precisávamos ter tecnologia dentro. Não era somente ter um app ou usar um software. Era desenvolver uma metodologia própria, porque não existia um produto feito para o nosso público – esses milhões de brasileiros que, muitas vezes, têm um déficit na formação e não gostam de estudar porque tiveram experiências traumáticas com escolas

Só que, para desenvolver, tem uma série de outras decisões que você precisa tomar em relação à escala, a pensar o capital de uma forma diferente. 

Foi um trabalho de a gente quase se refundar como uma startup. É o que temos feito nos últimos seis anos. 

Desde quando vocês trouxeram o modelo chamado franquia de impacto, apoiado por Muhammad Yunus? O formato prevê que uma pessoa empreendedora seja selecionada e que o dinheiro investido saia de uma espécie de fundo da própria 4YOU2?
A gente vem trabalhando e estruturando esse modelo de franquia há dois anos. Até então, a gente abria e gerenciava as nossas escolas. 

Entendemos que nosso impacto podia ir além. Não só poderíamos crescer mais rápido com o modelo de franquia, mas ampliar o nosso impacto para além dos alunos, professores e comunidade, chegando ao franqueado também. 

A grande maioria dos brasileiros e brasileiras quer empreender. O jovem quer empreender, e propósito não é mais um assunto de apenas 10% do tempo, como um hobby ou trabalho voluntário. O desejo de grande parte das pessoas é que isso [o propósito] seja o seu trabalho

Fizemos isso com as mais de 100 pessoas do time da 4YOU2. Então, por que não estimular isso? Já que falamos tanto de empreendedorismo social e apoiamos outros empreendedores, vamos pegar as pessoas empreendedoras que talvez não queiram montar um negócio do zero. E existe um modelo de franquia muito popular e validado no Brasil que podia ser uma forma. 

A gente tinha estudado muito isso, mas faltava uma peça – o impacto. Não existia esse conceito de franquia de impacto. Existia franquia social e outras coisas mais voltadas para ONGs. 

Para nós, se impacto não for core, não funciona. O modelo de franquia de impacto é esse entendimento! Aí começamos a expandir e o resultado tem acontecido de uma forma muito, muito legal. 

Basicamente, transformamos essa franquia num preço bem mais acessível do que outras, deixando o modelo de negócio muito escalável e enxuto para que, mesmo em cidades bem pequenas do Brasil, a franquia possa funcionar e ser rentável financeiramente

Saímos da época em que o setor ainda tinha aquela visão: “ou se ganha dinheiro, ou se gera impacto”. Gente, um negócio não dura dez anos se não for sustentável! Também não vai durar 100, impactar o Brasil e o mundo com doação… Aqui tem aluno pagando, é um negócio com cabeça de startup.

A gente provou e validou isso com as nossas próprias escolas e, agora, estamos apoiando empreendedores que queiram abrir franquias. 

A novidade é que entendemos que havia empreendedores e empreendedoras que tinham perfil 100% perfeito, mas não tinham o recurso, mesmo o investimento sendo menor… Aí estamos estruturando uma maneira de financiar esses franqueados, assim como estruturamos um programa de bolsas na 4YOU2, mesmo ela sendo muito barata. 

Se queremos democratizar, é preciso pensar em todas as frentes. Então, fizemos isso com as franquias também.

Você falou em cidades pequenas. Os municípios que recebem uma unidade da 4YOU2 precisam ter uma universidade ou uma faculdade à qual o professor estrangeiro esteja ligado?
Não precisam. Uma das nossas escolas é em Patrocínio (MG), uma cidade com 82 mil habitantes, fundamentalmente rural, e funciona superbem. E tem outras ainda para abrir em cidades pequenas, porque é um modelo que cabe. 

Nesses casos, depende mais da seleção do professor estrangeiro que virá e se o sonho dele se encaixa?
Esse é um trabalho nosso, não fica com franqueado. Eu te diria que essa é a parte fácil! 

O Brasil é incrível – essa é a verdade. Estar em São Paulo é superlegal, mas tem gente que vai se amarrar em estar perto de uma fazenda de leite ou de café, com aquela hospitalidade do interior de Minas ou nos cantões do país. É tão diferente que realmente não temos enfrentado tantos desafios assim nesse ponto.

Depois de quatro anos numa lógica de bootstrapping, o prêmio na Finlândia tornou real a possibilidade de fundraising. O que você aprendeu sobre captação de rodadas para negócio de impacto? É um processo diferente daquele com startups sem um propósito social? Em que sentido?
Eu diria que o preparo tem elementos muito parecidos, entre um e outro, mas tem alguns elementos diferentes, a saber a própria questão do impacto.

Se você vai levantar dinheiro com investidores de impacto, a forma como comunicar o impacto social, detalhar e aprofundar isso deveria ser uma pauta central

O ecossistema ainda está amadurecendo no Brasil. Ele cresceu muito rápido nos últimos anos, mas comparado a outros, em termos de impact investing, ainda está se formando.

Você está falando em trazer números, como, por exemplo, quantos dólares são gerados a partir de cada dólar investido?
O importante é mensurar esse impacto. Pode ser através de índice monetário, podem ser outras coisas… aqui a gente entra num universo bem amplo de mensuração de impacto, de como fazer e demonstrar isso. Essa é uma preocupação que, para um negócio ou startup “mais tradicional” talvez fique em segundo lugar ou nem vá existir.

E do lado dos empreendedores de impacto, houve avanços?
Do lado dos empreendedores está faltando o entendimento sobre a parte [de fundraising] que é igual a da startup. É esse gap que eu tento preencher com meus cursos.

Tem empreendedores sociais incríveis, mas que não entenderam ainda como funciona o jogo, o game do venture capital, o game de captação de recursos desse outro jeito 

Muitas pessoas e organizações que vêm da lógica da doação, da filantropia, estão olhando para esse outro universo, estão tentando aprender. 

E às vezes até grandes empresários – que sabiam captar montantes grandes, mas num outro mundo – vêm pedir ajuda, dicas ou formação para aprender um pouco como funciona isso. 

Você se refere ao curso online Negócio de Impacto, estruturado em 2021? Ou está falando de palestras, cursos sob medida, consultorias e mentorias na FugaWork?
Sempre fui muito chamado para conversar como benchmarking, ajudar, dar mentorias. Aí o tempo foi ficando mais escasso e comecei a estruturar isso de forma que não tomasse tanto do meu tempo. 

Comecei algumas turmas para colegas empreendedores. Eu nem divulgava porque elas enchiam. A gente se juntava em videochamadas e eu passava [conhecimento].

Na minha visão, grande parte do sucesso do Vale do Silício é esse compartilhamento de aprendizado. Isso era – acho que ainda é – muito forte lá, nesse espírito de devolver, retribuir para a molecada

Precisei ir à Finlândia para aprender esse tipo de coisa… e nem aprendi lá. Depois, tive que ler um monte de livros em inglês, um monte de coisas para aprofundar, porque não se ensina isso na faculdade, nem em pós-graduação ou no MBA.

Aprendi fazendo, falando com fundos de venture capital, conversando, lendo e estudando. Então, organizei esse aprendizado para passar aos colegas.

Daí, ano passado resolvi montar formalmente uma turma aberta para além dos meus amigos empreendedores, mas já é algo que faço há anos. Gosto muito porque a gente se ajuda, eu aprendo pra caramba, aumento o networking… coisa que os fundos já fazem há anos entre eles — e nós, empreendedores, precisamos fazer também. 

No ecossistema de empreendedorismo social eu fui ajudado por muitas pessoas. É simplesmente uma relação de retribuir, o que gera sinergia. No final, quem ganha mais, com certeza sou eu, porque aprendo mais, conheço mais pessoas… Para o trabalho, isso tem feito toda a diferença, assim como dar aula na universidade.

Você fala sobre o desgaste psicológico de empreender. Como você lida com isso? E como ajudar a melhorar essa conversa entre os fundadores e CEOs que, muitas vezes, remam sozinhos à frente do negócio… Será que essa solidão, no caso, é boa para a saúde?
Na minha visão, com certeza não! A forma como entendi isso foi pela metáfora.

A gente acha normal e necessário um atleta profissional ter, no mínimo, treinador, fisioterapeuta e nutricionista, e um empreendedor ou uma empreendedora não fazer terapia — ou [sequer] encontrar de outra forma esse espaço de troca, seja através da espiritualidade, voluntariado ou religião… 

Se a pessoa tem condição [financeira], a terapia é algo que recomendo, principalmente para quem está pensando em entrar nessa jornada empreendedora, por esses pontos que você trouxe: a solidão e a quantidade de tomadas de decisão. 

Em média, uma pessoa já toma milhões de decisões todos os dias. Um empreendedor ou uma empreendedora vai ter isso elevado a algumas potências, então isso com certeza pode ter uma influência [negativa para a saúde] grande.

Tem estudos científicos sobre a prevalência de doenças psiquiátricas na população empreendedora — isso é um assunto pouco falado, infelizmente, porque existe esse mito da alta performance, da superioridade do empreendedor, que ocupa a figura do herói, do salvador e do visionário 

Então, não há espaço para desafios humanos e mundanos. E isso só distancia a população do sonho de empreender! Chega de ficar dourando essa pílula, pintando um mundo fantástico, porque ele não existe! 

Parte dessas doenças são sociais e, claro, tem o fato de estarmos vivendo num mundo completamente desigual.

Tudo isso vai fazer parte e é preciso arrumar formas inteligentes de lidar. Há várias, como associações e grupos de apoio a empreendedores, em que as pessoas se juntam e criam um espaço aberto para falar.

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