Ok, você decidiu largar o emprego e abrir seu próprio negócio. Agora leia este artigo e saiba o que ninguém te conta sobre empreender

Roberta Simões - 10 maio 2022
Roberta Simões foi responsável pela concepção e gestão do Braskem Labs e hoje dá treinamento para startups e intraempreendedores.
Roberta Simões - 10 maio 2022
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A reflexão sobre deixar uma vida estável para empreender é importante. Que me lembre, já passei por isso quatro vezes.

Saí de um estágio na maior agência de digital do país para empreender na música. Depois saí da maior petroquímica das Américas para empreender em um blog de culinária e por aí vai…

Foram muitas noites sem dormir e uma ansiedade que me consumia 24/7

Se você está vivendo este momento, essa é uma decisão que vai marcar para sempre uma passagem da sua vida.

Será tão importante que você irá contá-la aos seus filhos e sobrinhos, independente do caminho que siga: não empreender e se arrepender ou não; empreender e se arrepender ou não.

Normalmente este momento não acontece uma vez — e não é curto. Ele vai e volta, nos traz ansiedade e inquietude. Nos tira o sono e o tesão pelo trabalho que estamos fazendo na empresa que paga nosso salário. Porque temos um sonho. E queremos viver esse sonho.

Mas, às vezes, a realidade é um pouco (senão completamente) diferente do que imaginamos.

Em comparação ao mundo corporativo, empreender é outro bicho. Não dá para imaginar o que é empreender enquanto se é CLT. Mesmo que te contem, não dá para entender

Por isso, se você está nessa fase, sugiro que reflita sobre alguns pontos que podem te ajudar a tomar uma decisão mais consciente.

Mas, antes de entrar nesses pontos, saiba que possivelmente você tem alguns preconceitos em relação a você mesmo e não sabe do que é capaz.

Me tomando como exemplo, eu nunca fui vista como uma pessoa boa de vendas. Pelo contrário. Essa era uma função que ninguém me daria.

Sempre fui tímida, introspectiva e muito sincera. Até o dia que eu precisei vender. Entendi as regras do jogo bem rápido e hoje sou uma excelente vendedora.

Outro exemplo: eu sempre gostei muito de escrever, mas trabalhei em um lugar onde as pessoas achavam o contrário — por uma divergência de estilo.

A opinião deles nunca me fez achar que eu não tinha boa escrita. Mas eu poderia facilmente ter acreditado neles.

Não é porque seus colegas de trabalho e seu chefe não enxergam potencial em você que você não é bom naquilo. Leve isso em consideração

Quando colocamos as caras no desafio, descobrimos coisas sobre nós que não sabíamos. Então, não se limite a fazer essa reflexão com o que você sabe sobre você hoje. Enxergue seu potencial.

Se lembre que no corporativo te colocaram numa caixinha. Financeiro. Jurídico. Marketing. Comercial. Mas é só isso que você sabe fazer?

Tentei elencar aqui as dez primeiras pancadas que o empreendedor toma no seu day one, no seu primeiro dia em casa, empreendendo, depois de anos trabalhando em empresas.

ESSAS SÃO ALGUMAS DORES QUE NINGUÉM TE CONTA:

1) A solidão será sua companhia

O empreendedor é solitário. São muitos pratos para uma só pessoa rodar.

Por isso, sócios são importantes. Mas, mesmo assim, quando eles se dividem e cada um cuida de uma caixinha, aquela caixinha é sua. E você tem que resolver ela

Não tem time para baixo, muito menos para cima.

2) A lei de fazer e não ter retorno

O retorno de um negócio pode demorar a vir. Esse início pode ser angustiante. Mas não deveria ser tanto assim.

O Thiago Oliveira, empreendedor que admiro, ficou os seis primeiros meses de sua empresa de logística sem clientes e depois passou por inúmeros contratempos até fazer um exit de muito sucesso. Foram anos.

O empreendedor é aquele cara que faz, faz, faz, e quando todos já desistiram, ele continua. E é nessa linha de quebra que o retorno começa a vir.

3) Você está preparado para não ter chefe?

Muita gente reclama do chefe. Mas você saberia o que fazer se não tivesse ele para te dizer o que fazer?

É preciso ter muita disciplina para executar algo sem que ninguém te peça, criar uma rotina e setar metas.

4) É preciso ter estômago para o risco

A depender do tipo de empresa que você abra, o investimento será importante ou irrisório.

Mas começar a empreender faturando, com clientes, é bem difícil.

Por isso, pergunto: você tem estômago para perder capital? Ficar meses sem receber, só gastando?

E não só gastando para viver, mas com a empresa também? Queimando seu patrimônio? E correndo o risco de dar tudo errado e você perder tudo?

5) Acabou o ramal da TI

Se seu computador quebrar, não tem o ramal de TI para pedir ajuda.

Você vai entrar no Google e ficar seis horas tentando consertar sozinho.

Se não der certo, vai levar numa assistência.

O mesmo acontece com apoio jurídico, de comunicação etc.

6) Vivendo a depressão da caixa de entrada vazia

Depois que sair da empresa, a partir do dia seguinte, você não vai receber mais nenhum e-mail e ligação profissional.

Algum parente vai ligar para saber como você está. E só.

Muita gente vai pensar “que maravilha não receber 120 e-mails por dia!”.  Mas, na vida real, isso pode trazer um enorme vazio

Eu nunca me senti assim, mas já ouvi algumas pessoas dizendo que se sentiram completamente inúteis.

Daí eu volto ao ponto 3: você consegue ter disciplina sem que tenha alguém te dizendo o que fazer?

Nesse momento, essa skill será bastante importante.

7) Como lidar com os pitacos nos almoços de família

Os almoços de domingo na casa da avó são matadores. Não quero generalizar, mas isso acontece em boa parte das famílias.

“Porque você largou seu emprego tão maravilhoso?” ou “O que você vai fazer agora?” ou “Como vai o negócio novo?”. Estas serão algumas perguntas com as quais você terá que lidar.

O negócio novo tem uma semana e ainda não tem resultados. E é possível que você não tenha resultados financeiros positivos por um bom tempo.

É possível que demore de três a cinco anos para atingir break-even. E pode ser que dê tudo errado e você tenha que pivotar. E tudo bem. Empreender é isso mesmo.

Mas a família muitas vezes não vai entender, e nem os amigos. E você vai ser motivo de piada e olhares desconfiados das pessoas que mais ama. Por meses ou anos

Até as coisas começarem a dar certo. Essa barra pode ser bem difícil de aguentar.

Por isso, mantenha perto de você aquelas pessoas que te apoiam, que entendem o momento e sabem que sucesso não vem do dia para a noite.

Tente fazer essa energia não te atrapalhar ou te atrapalhar o mínimo possível.

8) Aceite: as burocracias no nosso país muitas vezes são incompreensíveis

Eu sou publicitária e musicista. De repente abri um CNPJ, tive de contratar um contador e entender sobre zilhões de coisas muito chatas e incompreensíveis.

Sim, as burocracias do nosso país são incompreensíveis. Algumas coisas você simplesmente tem que aceitar.

Para algumas pessoas isso é a morte. O pior momento do dia delas.

Para mim, apesar de ser muito chato, é parte do meu negócio que quero que dê certo.

Precisei ressignificar certas coisas. A burocracia foi uma delas

Quando meu contador me ligava, eu sentia frio na barriga, não queria atender. Ressignifiquei.

9) Você não terá a chancela de uma grande empresa para te abrir as portas

Esse talvez seja a maior rasteira para quem fez uma carreira no corporativo.

Essa pessoa só não se sente assim se tem uma reputação muito boa e excelentes contatos para abrir portas com seu próprio nome.

Eu senti isso ao contrário: me matava para abrir caminhos quando trabalhava com entretenimento e, quando fui para uma grande empresa, fiquei impressionada de ver como as portas se abrem quando se tem uma marca assinando sua presença.

Basta falar de onde você vem e a reunião é marcada para a semana seguinte.

Já o novo empreendedor…

10) O balanço precisa deixar de ser mensal e passar a ser anual

Há pessoas autônomas que têm essa dificuldade. Imagine que você saiu do corporativo, onde tinha salário garantido todo mês desde que começou a trabalhar, para ficar meses sem receber e depois pingar alguma coisa e no outro ficar sem receber e então receber uma quantia mais legal e por aí vai.

O balanço financeiro da sua vida tem que mudar, de mensal para anual. Para algumas pessoas essa é uma lógica difícil de absorver.

É IMPORTANTE CRIAR CONSCIÊNCIA SOBRE AS MUDANÇAS QUE ESTÃO POR VIR — E NÃO SE APAVORAR

Todos esses pontos fazem parte de uma fase inicial, que vai passar, mas que necessita da sua mudança de mindset, perseverança e resiliência.

O importante de ter essa consciência é minimizar o impacto emocional que essa fase pode lhe causar.

Precisamos empreender (ou não) pelos motivos certos. Precisamos ter uma reserva de grana para nos aguentar por um tempo, pelo menos um ano, sem receber.

Se você puder levar seu projeto dos sonhos em paralelo ao seu trabalho atual, ao menos no início, pode ser uma boa opção. Pelo menos para testar

Algumas pessoas esperam ter clientes pagantes para fazer essa virada. Mas isso depende muito da pessoa e da natureza do negócio ou se, por acaso, algum dos sócios já está se dedicando full time ao business. São muitas variáveis.

O que não é mesmo recomendado é ter uma ideia, se apaixonar por ela e largar tudo para viver o sonho. As chances de dar errado são enormes.

A dica que eu dou a quem está passando por esse processo é: medite. Escute seu coração. Converse com pessoas que passaram pela mesma situação.

Frequente ambientes de empreendedorismo (dos bons). Vá a eventos. Estude. Escute podcasts com jornadas empreendedoras.

Somando todas essas coisas você vai se fortalecer e aumentar repertório para tomar uma decisão mais assertiva.

E, claro, teste um MVP antes, com clientes reais, para mapear qual é sua real dor e como você pode atendê-la.

Ter o apoio do seu cônjuge nessas horas é fundamental. É uma mudança radical de vida. Ele precisa embarcar com você nesse sonho porque irá impactar a dinâmica familiar como um todo.

Não existe decisão correta. Existe a decisão correta para você, naquele momento. Portanto, empreenda (ou não) pelos motivos certos.

Roberta Simões trabalha há quase uma década com inovação corporativa. Foi responsável pela concepção, gestão e expansão do Braskem Labs, plataforma de Corporate Venture da Braskem. Hoje, empreende em inovação, dando treinamento de pitch para startups e intraempreendedores. É autora do framework Funil da Jornada e trabalha em parceria com a Innoscience, apoiando grandes empresas fazer inovação em diversos formatos. Formada em Publicidade e Propaganda e pós-graduada em Gestão e Marketing Digital pela ESPM, compartilha aprendizados e reflexões no seu perfil do Instagram.

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