Bia Granja, da YOUPIX: “Mais da metade dos creators trans nunca foi contratada para um job. O que a sua empresa faz a respeito?”

Bia Granja - 20 out 2021Bia Granja, fundadora da YOUPIX.
Bia Granja, fundadora da YOUPIX.
Bia Granja - 20 out 2021
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Trinta e cinco anos. Segundo o IBGE, essa é a expectativa de vida de pessoas trans aqui no Brasil. O mesmo que viviam as pessoas lá na Idade Média. Chocante, né?

A primeira vez que ouvi essa estatística foi em 2018 quando, em um dos nossos programas de aceleração de criadores de conteúdo digital, eu conheci a Rosa Luz.

Foi ela também que, sendo mulher trans, negra, artista, rapper, youtuber e comunicadora, me ensinou sobre interseccionalidade e que, com tudo isso, só o fato de ela existir já era um ato de resistência. 

Acho que a Rosa nem imagina o impacto que aquela semana que passamos juntas teve na minha vida.

Eu nunca havia convivido com uma pessoa trans antes, assim, no dia a dia. Me conectar com ela e ouvir sua história, seus medos e anseios, foi extremamente impactante, porque colocou rosto, nome, carne e osso àquela estatística

Nunca mais deixei de pensar no assunto.

COM A YOUPIX, PERCEBI QUE INCLUSÃO DIGITAL VAI ALÉM DO ACESSO À INTERNET

O tema da diversidade e inclusão sempre foi pauta por aqui e está intrinsecamente ligado à própria existência da YOUPIX.

Quando lançamos a empresa em 2006, enxergamos que a inclusão digital do povo brasileiro representava muito mais que apenas uma conexão à rede mundial de computadores.

A lógica distribuída e horizontal da rede deu voz e visibilidade para o Brasil real, para grupos que antes estavam à margem e eram invisibilizados por estruturas midiáticas que sempre reforçaram o status quo

O fato de qualquer pessoa poder criar conteúdo, ter uma audiência e criar movimentos que impactam e alteram essas estruturas de poder é, na minha opinião, uma das coisas mais importantes que a rede nos deu.

Portanto, desde sempre estamos olhando para isso e pensando em como podemos usar a liderança que construímos no mercado para puxar esses assuntos e promover mudanças. O que, na verdade, é só o básico, né?

DIVERSIDADE NÃO PODE SER MODINHA OU GANHAR DESTAQUE APENAS EM DATAS COMEMORATIVAS

Além das nossas várias pesquisas que dão luz aos temas de diversidade, inclusão ou representatividade no mercado, promovemos iniciativas que impactam a forma como o dinheiro do Marketing de Influência e da Creator Economy circula.

Neste ano, junto com a agência Mosaico e a TransEmpregos, apoiamos a realização e divulgação da primeira pesquisa sobre Creators Trans no Brasil.

De acordo com a pesquisa, mais da metade dos creators trans no Brasil nunca foi contratada para um job, 45% deles não tiveram jobs nos últimos seis meses e 53% foram procurados apenas durante o Mês do Orgulho LGBTQIA+ ou da Visibilidade Trans

O que percebo, trabalhando e estudando a comunicação das marcas, é que os temas de diversidade, como mostra a pesquisa, não são encarados como uma plataforma real ou um compromisso ético da empresa.

Na maioria das vezes, esses temas surgem como a tendência de marketing do momento, uma onda que precisa ser surfada nesse “quarter” para a marca se sentir fazendo parte das conversas culturais relevantes que estão rolando.

Pauta de diversidade não é tendência de marketing. É um compromisso alicerçado por necessidades urgentes de mudança na forma como a sociedade funciona e em suas estruturas. Não é algo que se resolve no nível da comunicação. 

AS EMPRESAS NÃO PRECISAM ABRAÇAR TODAS AS CAUSAS. MAS NÃO ACOLHER NENHUMA É UM MAU SINAL

Faz tempo que se fala que marcas precisam ter propósito e atuar mais como agentes de transformação da sociedade. Mas se isso antes era “opcional”, agora se tornou inegociável.

Não à toa, hoje as corporações mais inovadoras e conscientes estão obcecadas com a sigla ESG. Ser uma empresa que olha para esses assuntos não é mais uma questão de boa imagem e reputação. É uma questão de negócio 

A Geração Z, que hoje representa 32% da população mundial, deseja ter um impacto positivo no mundo em relação aos quesitos sociais e climáticos, e 94% desses jovens esperam que as empresas tenham um papel ativo nesse impacto. 

As marcas precisam se posicionar sobre todas as causas existentes? Certamente não! Mas aquelas que não lutam por nenhuma causa além da sua própria provavelmente perderão relevância…

Para não deixar as causas apenas ali nos vídeos e posts das redes sociais, é preciso que a empresa promova ações reais, para dentro e para fora.

DÊ O PRIMEIRO PASSO SAINDO DA BOLHA NA HORA DE CONTRATAR UM CASTING PARA A SUA CAMPANHA

Do ponto de vista de comunicação, lembre que a influência parte cada vez mais de espaços descentralizados.

Então, aquela estética “hétero-cis-branca-sudestina”, que sempre foi tida como o padrão, faz cada vez menos sentido para uma estratégia de marca efetiva e relevante.

Os castings ou squads das campanhas precisam apresentar proporcionalidade e trazer uma representação real da sociedade em que a gente vive, com diversidade de corpos, regiões do país, sexualidade, raça, gênero e histórias de vida

O dinheiro tem muito poder e onde ele circula é fundamental para que a gente mude as estruturas. Pague, contrate, dê job para essas pessoas!

Contrate creators diversos, contrate pessoas diversas para trabalhar na empresa, faça com que elas cheguem à liderança, promova ações afirmativas para garantir que isso aconteça.

Enxergue a causa como uma missão da empresa e não como uma tendência de marketing. Seja intencional!

Pode ser que muitas dessas coisas que eu falei soem meio genéricas para você. Mas, se você sentiu o chamado, como aconteceu comigo lá em 2018, a dica que eu daria é: comece pelas pequenas coisas.

Se você está em alguma cadeira de liderança, veja o que de mais próximo é possível fazer. É um bom ponto de partida. Com o tempo, essas pequenas coisas vão crescendo e podem gerar uma mudança real.

Bora começar?

 

Bia Granja é cofundadora e CCO da YOUPIX, hub de negócios para a indústria de influência e entretenimento digital.

 

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