por Niels Kjærgaard-Jensen
Gosto de pensar esse fenômeno como algo inevitável no mercado. A expressão Experience Economy foi criada pelos autores Pine & Gilmore em 1998, na Harvard Business Review, e se define como a modalidade da economia onde a experiência do consumidor constitui a totalidade ou parte do valor criado para o cliente — ou seja, ela pode ser um produto primário ou um bi-product. A economia da experiência também é descrita como a quarta fase da economia global — após a agrária, a industrial e, mais recentemente, a economia de serviço.
As origens do que viria a ser a economia de experiência começam a aparecer desde os anos 1980, no início da crise das instituições como as conhecíamos. Nos anos 1960 e 1970, os Estados de bem-estar social ocidentais geraram um boom no consumo de massa. Carros e mais carros, eletrodomésticos e tudo mais que você pudesse comprar para colocar na casa. Depois da explosão dessas nações de bem-estar social, começamos a assistir ao começo da crise das instituições tradicionais: a religião começou a perder força, o conceito de família tradicional passa a ser questionado com o aumento do número de divórcios e de outros arranjos familiares. Todas aquelas instituições sólidas — o governo, a igreja, a família — de certa forma ficam mais vulneráveis, enfraquecendo a nossa sensação de pertencimento e aumentando o foco no indivíduo.
Esse cenário tem duas facetas. Por um lado, nos libertou dos modelos pré-estabelecidos impostos pela sociedade e nos deu a oportunidade de repensar o mundo: fez com que alguns buscassem outras fontes de conhecimento, empoderou a mulher para entrarem com mais força no mercado de trabalho, entre várias transformações positivas. Por outro, deixou as pessoas mais inseguras. À medida em que começamos questionar as instituições e modelos tradicionais, é difícil descobrir para que lado ir, como criar nossos próprios métodos e aproveitar as oportunidades proporcionadas pela liberdade.
No começo dos anos 1980, algumas marcas como Nike e Apple começam a perceber esse cenário e substituir a comunicação focada em informações sobre preços e produtos por universos mentais e narrativas que passam a ativar valores e inspirar o consumidor. Essa é a primeira onda da Experience Economy.
Entre os anos 1980 e 1990, o valor da experiência passou a ficar cada vez mais claro. Houve uma explosão de eventos e festivais de música ao redor do mundo, parques temáticos, companhias aéreas mais econômicas na Europa, cidades em todos os países explorando o potencial turístico de suas regiões. As marcas passaram a entender o valor que experiências transformadoras podem ter, e viram a necessidade de ajudar a criá-las.
Mas em um contexto de hiperconexão e crescimento do awareness para problemas globais e o crescimento da individualidade em contraponto ao senso de comunidade mudou um pouco as regras do jogo. Se antes o foco era na experiência individual, agora ela precisa coexistir com um novo senso de comunidade. Para mim, a segunda onda da Experience Economy vai trazer histórias e experiências que ativem valores coletivos e toquem em questões de interesse comum – aquecimento global, envelhecimento da população, questões sociais, entre outros.
Acredito que essa transição e a conexão entre experiências individuais com causas globais já está acontecendo. Os consumidores estão cada vez mais conscientes e demandando transparência, e nós já vemos que isso é cada vez mais inevitável na relação entre pessoas e marcas. Fenômenos como a Primavera Árabe, Occupy Wall Street e até marchas contra empresas específicas como a Monsanto estão fazendo com que as empresas fiquem com medo de não serem transparentes em seus processos. No futuro, as empresas precisarão aprender a pedir perdão por decisões de negócios ruins e tomar responsabilidade. Nós já começamos a consumir por valores como transparência e autenticidade, e as empresas vão precisar responder a isso — não apenas resolvendo problemas, mas envolvendo o consumidor para encontrar novos problemas e ajudar a resolvê-los.
O impacto da Experience Economy diretamente nos consumidores vai se dando quando estes passam a decidir quais empresas vão sobreviver no futuro. Já sabemos que o consumidor quer, cada vez mais, se sentir ativo na sua relação com as instituições e empresas.
Ele precisa participar da definição de pautas globais e vai demandar ser envolvido na discussão sempre que uma empresa tomar uma decisão de negócio que impacte a sua vida, a sua cidade, a sua comunidade. No seu próprio processo de busca por identidade e propósito, também vai começar a questionar a estrutura interna das empresas que consome: como é a estrutura de trabalho dessas empresas? E a liderança? Os funcionários dessa empresa estão sendo bem tratados? Como a experiência dos funcionários é pensada?
Como diferenciar a economia da experiência da economia de serviços
Um serviço responde a uma necessidade prática a ser resolvida, seja um serviço público ou privado. Já a economia de experiência está mais relacionada com a ativação de valores e histórias e ideias transformadoras. Também é importante que o design dessas experiências tenha um canal de feedback aberto com os consumidores, que devem ser colocados como protagonistas, de forma ativa no processo. Temos milhões de casos ao redor do mundo em que pessoas tem experiências ruins com determinados serviços, e ao invés de ouví-las e pedir desculpas, boa parte das empresas insiste em inventar desculpas e colocar a responsabilidade no consumidor.
Minha própria definição de experiência se resume em ativar e trazer, pela vivência de algo, valores fundamentais, compartilhados e positivos para toda a vida de uma pessoa — que é muito mais do que um consumidor. Há muitas maneiras de sentir isso: através de comunicação, produtos, serviços, eventos e todos os pontos de contato possíveis on/off line. O serviço é um dos touchpoints possíveis da experiência.
Ouvir pessoas e entender o que é relevante para o consumidor
Claro que a segmentação como modelo para definir quem é o seu público ainda é bastante utilizada e, de certa forma, faz sentido. Mas antes de desenhar um modelo de segmentação, acredito que precisamos encarar alguns valores universais no processo de comunicação e empatia com o consumidor. Entender o “porquê”; o propósito do que se está fazendo, encontrar autenticidade, garantir transparência, mostrar à pessoas o impacto do que se fez para em seguida ouvir o feedback é um bom começo. Uma tendência que percebo por aqui é que muitas das ações de marketing e publicidade tradicional estão sendo substituídas por eventos presenciais em torno de uma experiência, que é uma maneira de conhecer o consumidor em pessoa, observá-lo, ouvi-lo, interagir com ele.
E também há um nível de profundidade a ser atingido. Se você vende tinta em uma loja de tintas e ajuda o consumidor na escolha das cores e na entrega das latas, ok. Mas, às vezes, o problema dele é mais profundo do que este: está relacionado com todo o projeto de reforma da casa (por exemplo, em como arrumar tempo para se dedicar a isso, onde deixar os filhos etc). Quando você consegue ir além dos desafios superficiais e encontrar soluções para ouvir e ajudar o seu consumidor com problemas mais profundos, você está criando uma experiência transformadora.
Presente e perspectivas futuras
Pensando em bons exemplos, há esse projeto incrível de uma escola de idiomas em que crianças brasileiras aprendem inglês via Skype com idosos norte-americanos solitários. Outro, de uma universidade holandesa permite que estudantes morem de graça, sem pagar aluguel, em quartos de casas de repouso e abrigos para idosos, desde que dediquem uma parte do seu tempo para fazer companhia a eles.
Uma coisa que acredito que as empresas vão começar a fazer em curto prazo: ativar seus consumidores a encontrar problemas e desafios a serem resolvidos em comunidades locais ao redor do mundo. Desafios simples como limpar as ruas de uma comunidade, engajar os jovens que moram lá, prevenção de crimes com atividades culturais etc.
Ao ativar experiências como estas, alguns valores como empatia, envolvimento, pensamento holístico e generosidade também passam a ser ativados, que são exatamente algumas das palavras-chave para o que mundo precisa hoje.
Niels Kjærgaard-Jensen é expert em experience design na escola dinamarquesa Kaospilot e criador da consultoria In Good Company, onde auxilia empresas a criarem experiências que sejam inesquecíveis. A FLAGCX e CLAN trazem para São Paulo o FLAGCX Experience Design, um curso de três dias focado na co-criação de experiências relevantes entre pessoas e empresas, que acontece de 1 a 3 julho de 2015. Mais informações aqui.