por Tiago Mattos
Adoro o Projeto Draft. Para mim, é uma das melhores curadorias sobre a indústria criativa brasileira.
Me considero parte desse movimento. Não apenas pelo alinhamento filosófico. Mas, também, pelas iniciativas que já ajudei a co-fundar.
Em educação e aprendizagem, estou envolvido com a Perestroika, a Sputnik e a Scholé. Em tecnologia, com o Mission Control e a Aeroli.to. Há iniciativas ainda em fase beta, como a Area 51 e a Whatever School. Y otras cositas más.
Por isso, não pensei duas vezes quando o Draft abriu espaço para que eu divulgasse meu novo projeto: o livro VLEF – Vai lá e faz. Coisas que aprendi planejando menos e fazendo mais. O livro, que foi viabilizado por crowdfunding (e terminou como um dos recordistas do Catarse), reúne várias ideias que meus sócios e eu desenvolvemos ao longo dos últimos anos. Você pode fazer download do conteúdo completo em www.vlef.me. Nesse mesmo endereço, é possível encomendar a sua cópia em papel.
Um dos pontos principais da obra é apresentar as diferenças entre o jeito de pensar do não empreendedor, do empreendedor tradicional e empreendedor contemporâneo.
Se você se interessa pelo assunto, talvez as 10 reflexões que reuni abaixo possam ser úteis.
Disclaimer: Tive que resumir as ideias neste post e corro o sério risco da superficialidade. Se você quiser entender o raciocínio completo, sugiro acompanhar pelo livro.
1. Empreendedores planejam pouco.
Planejar é, obviamente, uma etapa importante do processo. Mas ela é exageradamente glorificada por não empreendedores (diretores, gerentes e supervisores).
Todo mundo sabe: os planejamentos tradicionais demoram. Meses se passam e, quando estão prontos, o cenário já é outro. O mercado já é outro. A concorrência já é outra. E, aí, temos duas opções. Ou colocar em prática um planejamento obsoleto. Ou fazer tudo de novo.
Negócios não saem do papel por excesso de cuidado no planejamento. É justamente o contrário: negócios saem do papel quando, contraintuitivamente, há coragem para tornar essa etapa mais enxuta.
2. Empreendedores têm foco no aprendizado.
Há três grandes grupos de profissionais. Os com foco no resultado (o importante são as metas), os com foco no desempenho (o importante é dar o máximo) e os com foco no aprendizado (o importante é tirar lições do que aconteceu – seja bom, seja ruim). Gerentes e executivos do mundo corporativo estão muito direcionados aos dois primeiros. Empreendedores costumam estar no terceiro grupo.
Certa vez, ouvi da Monja Cohen: “A gente não aprende com o erro, a gente aprende corrigindo o erro”. Empreendedores têm essa ideia muito clara. Sabem que a perfeição é utopia. E sabem que o problema não é errar. O problema é não aprender com o erro – para corrigi-lo o mais rápido possível.
3. Empreendedores estão seguros nos quesitos competência, dinheiro e afeto.
Ao lado da empresa de pesquisas Postal Inc., fizemos um grande estudo com várias pessoas, de perfis empreendedores bastante distintos, em quatro estados brasileiros. O estudo mostrou que, para enxergar oportunidades empreendedoras, você precisa estar seguro em três itens: competência, afeto e dinheiro.
a) Competência: não empreendedores sempre acham que não estão prontos. Precisam fazer mais um curso. Precisam ficar mais um tempo no emprego. Com o empreendedor é o contrário: ele sabe que vai aprender no dia a dia do negócio. Por isso, não tem medo de começar.
b) Dinheiro: aqui, é muito mais uma relação simbólica do que concreta. Não empreendedores sempre acham que um investimento é uma possibilidade de perda. Já os empreendedores entendem melhor os mecanismos de risco-retorno. E veem o empreendedorismo como uma possibilidade de ganho.
c) Afeto: pais encorajadores criam seus filhos com a ideia de que eles podem se arriscar. (“Faça do seu jeito. Se você errar, nós estaremos aqui para ajudar”). Dessas famílias nascem futuros empreendedores. Pais superprotetores (“Faça o seguro, assim você não vai errar”) e pais indiferentes (“Faça o que quiser: se você errar, a culpa é sua”) também querem o melhor para o seus filhos. Mas, sem se dar conta, desestimulam o empreendedorismo.
4. Empreendedores sabem escapar das oito armadilhas.
Há oito comportamentos que são as maiores armadilhas para pessoas que querem tirar ideias do papel: o Vale das Ideias, A Teoria da Última Cerveja, o Pensamento de Cofre, o Fator Multiplicador, o Brainstorm Desestruturado, Ignorar a Emergência, o Gênio Incompreendido e a Confusão do Trio.
Eu descrevo todas no livro, mas menciono aqui, como exemplo, o Vale das Ideias (do livro Making Ideas Happen). Trata-se daquele hábito de criar muita coisa mas não colocar nada em prática. Funciona assim: você tem uma ideia e fica, num primeiro momento, fascinado. Fica com aquele sentimento de que é o rei do mundo. Mas alguns dias se passam e você percebe que será muito difícil colocá-la em prática. Aí você murcha. Vai do céu ao inferno. Para sair da fossa, você tem uma nova ideia. E você volta a se sentir onipotente. Você volta a ser o cara. O ciclo se repete infinitamente, como uma drogadição. Pior: os amigos, na melhor das intenções, o chamam de criativo – criando um reforço negativo e dando motivos para que você continue nesse círculo vicioso.
5. Empreendedores sabem exatamente onde estão na jornada empreendedora.
A jornada tem oito etapas:
Inspiração — é o marco zero. Quando você sai da inércia e ganha motivação para fazer.
Vontade — é quando a energia cresce e você começa a esboçar ideias.
Ideia — é quando você preenche os oito campos da Matriz da Ideia (mais detalhes no livro).
Protótipo ou MVP — é quando você roda três ciclos no mundo real.
Projeto — é quando os ciclos se tornam recorrentes.
Negócio — é quando dá lucro.
Empresa — é quando a operação prescinde do empreendedor.
Organismo distribuído e auto-organizado — é quando se desmonta a hierarquia e todos são empreendedores.
Não empreendedores têm um entendimento equivocado dessa jornada. Sempre acham que estão um passo à frente do que de fato estão. Quando têm vontade, acham que já tem uma ideia. Quando têm um projeto, acham que já tem um negócio.
6. Empreendedores entendem a Regra dos 5%.
Uma das maiores descobertas que fiz ao longo da minha carreira é a Regra dos 5%. Ela é muito simples e implica em perceber que os processos de planejamento e ideação (os três primeiros da jornada: Inspiração, Vontade e Ideia) e os processos de execução (os quatro seguintes: Protótipo ou MVP, Projeto, Negócio e Empresa) têm uma relação de proporcionalidade.
O planejamento e ideação respondem a, no máximo, 5% do processo total. Portanto, quanto mais recursos você usar na ideação, mais recursos precisará lá na frente. Quanto mais energia, tempo, dinheiro, pessoas e contatos você mobilizar durante esses 5% iniciais, mais energia, tempo, dinheiro, pessoas e contatos você vai precisar na hora da execução. E isso tudo a ver com o primeiro item dessa lista (o planejamento).
7. O empreendedor contemporâneo é não linear, conectado, multidisciplinar e exponencialmente imprevisível.
A lógica industrial é linear, segmentada, repetitiva e previsível.
Linear porque o arquétipo da indústria é a linha de montagem. A matéria-prima entra na fábrica e vai sendo transformada até virar um produto pronto para a prateleira. Segmentada porque cada etapa da linha de montagem é feita por departamentos independentes: grupos de pessoas que ficam responsáveis apenas por uma determinada transformação da matéria-prima.
Repetitiva porque essas pessoas repetem a sua atividade diariamente, oito horas por dia, cinco dias por semana. Com isso, se tornam especialistas (o que é muito bom para o dono da fábrica – menos tempo de execução, maior ganho de escala). Por fim, é previsível porque todos sabem exatamente como a matéria-prima estará em cada uma das etapas da fábrica.
Não é difícil perceber essa herança secular nos dias de hoje. A maioria das empresas (mesmo as da indústria criativa, inclusive muitas startups de tecnologia) ainda trabalha num sistema industrial – tem fluxos lineares, departamentos, especialistas dentro dos departamentos que repetem as mesmas atividades diariamente, e altíssima previsibilidade nas etapas que se sucedem.
Com isso, fica a pergunta: será que este é o melhor jeito para operarmos em 2015?
O mundo que nos cerca já é digital. E a lógica digital é o contrário da industrial: é não linear, conectada, multidisciplinar e exponencialmente imprevisível
Uma empresa verdadeiramente digital tem fluxos não-lineares, departamentos fluidos e altamente conectados entre si. Tem profissionais multidisciplinares, que flutuam pelas diferentes áreas – e que fazem, a cada dia, uma operação diferente, tornando o processo verdadeiramente inovador, verdadeiramente imprevisível.
Isso é fácil? Evidente que não. Mas é, cada vez mais, necessário. Porque as novas empresas – as realmente novas, as que ainda nem nasceram – não estão dispostas a operar no contexto industrial. E o abismo entre os atuais gestores (de pensamento linear e previsível) e a futura concorrência (com pensamento não-linear e imprevisível) já pode ser notado nas concordatas ao redor do mundo.
8. Empreendedores contemporâneos transformam empresas em organismos distribuídos e auto organizados.
Empresas contemporâneas costumam criar mecanismos para o derretimento das suas hierarquias. Existem muitos movimentos nascendo ao redor do mundo. Os mais conhecidos talvez sejam os da Zappos, da Morning Star e da Valve. Em todos eles, o princípio é de lideranças circunstanciais, rotativas, com alto grau de interação e alinhamento filosófico.
Na Perestroika, nós estamos experimentando um jeito, que vem dando muito certo, e que tem chamado a atenção de algumas empresas mais tradicionais. Chamamos de PCC: Plano de Ciclos de Crescimento, no qual todo mundo que entra em um dos nossos organismos é um potencial sócio.
Ao longo de cinco ciclos (que costumam durar três anos) essa pessoa recebe uma mentoria empreendedora. Ao final do processo, ela abre uma iniciativa própria.
A partir daí, ela decide se administra o novo negócio por conta ou se mantém no conjunto de organismos da Perestroika. Nosso princípio é: não queremos pessoas trabalhando para a gente. Queremos pessoas trabalhando com a gente.
9. Empreendedores contemporâneos não fazem nada sem considerar impacto positivo.
No livro, eu discorro por algumas páginas sobre o conceito de impacto positivo (não é o mesmo de negócios sociais – e não é tão simples quanto parece). Nesse contexto, existem quatro dimensões que um empreendedor deve avaliar: o público, a equipe, a sociedade e os sócios.
Se você ignorar as três primeiras, estará olhando apenas para si. Se você ignorar a última, inviabilizará a sustentabilidade da sua iniciativa. Esse equilíbrio é simples na teoria e complexo na prática.
10. Empreendedores contemporâneos não simplificam a escolha profissional com a frase “faça o que ama e você nunca mais terá que trabalhar”.
Nossos pais tiveram a melhor das intenções ao dizer: “Encontre algo que você ama. Assim, você nunca mais terá que trabalhar”. Esse raciocínio, apesar de verdadeiro, é incompleto porque parte do pressuposto que nós, seres humanos, temos apenas uma única paixão quando, na verdade, a maioria das pessoas que conheço tem muitas.
Por isso, no longo prazo, mais importante do que encontrar uma paixão é encontrar o seu propósito. Ele será o Norte
Com o seu propósito bem definido, você pode escolher uma das suas inúmeras paixões. Afinal de contas, fica muito mais divertido trabalhar com algo que a gente gosta. E, só então, você vai tentar encontrar uma oportunidade de negócio.
Inclusive, com o tempo, você pode mudar de paixão e encontrar novas oportunidades. Faz até sentido: por que passar a vida inteira dentro do raciocínio hiperespecialista da Revolução Industrial?
Em resumo, é isso. Como eu comento na página 13, o meu livro é “um retrato da minha visão empreendedora no dia 22 de março de 2015. A partir deste momento, tudo pode mudar. E sinceramente, espero que mude. Trocar de ideia é um recurso necessário para a evolução. Trocar de ideia não é uma fraqueza. É uma grandeza”.
Nada do que escrevi é definitivo. E estou bastante aberto a qualquer tipo de feedback. Meu email é [email protected] ou [email protected].
Entretanto, realmente acredito que o tsunami já se formou. E que pouca gente terá coragem de surfá-lo. Meu conselho (se é que meu conselho serve para alguma coisa) é: pense sobre isso.
Como diz aquele velho ditado: todos gostam de mudanças, mas poucos gostam de mudar.
Tiago Mattos, 36, é educador, empreendedor, futurista, palestrante e autor. Ajudou a co-fundar a escola Perestroika e mais de quinze iniciativas. É formado em futurismo pelo GSP12 da Singularity University. Em 2015, foi o único brasileiro selecionado para outro programa da área, o Trans-disciplinary Innovation Program, em Jerusalém.
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