Gostaria de contar a você um pouquinho de uma história que começou há 40 anos e mudou minha vida para sempre…
Em meados de 1985, estava caminhando pela rua Direita, no centro da cidade de São Paulo, quando me deparei com uma senhorinha sentada em um pequeno caixote pedindo esmolas para sobreviver a mais um dia. Era tão magra e frágil, lembrava minha saudosa bisavó, que na época ainda era viva.
Eu tinha apenas 14 anos e até hoje não sei responder muito bem por que aquela cena mexeu tanto comigo. Naquele momento, coloquei em minha mente de que um dia teria um projeto social para mudar um pouco daquela triste realidade
Eu não tinha a menor ideia do que faria, mas já sabia que pouparia parte de meu salário para realizar este sonho. Venho de uma família muito simples; apenas na vida adulta eu compreendi melhor as dificuldades financeiras que enfrentávamos, pois em minha infância jamais faltou o necessário para que eu fosse feliz.
No entanto, existe uma diferença muito grande entre pobreza e miséria. Dom Helder Câmara sempre dizia que miséria é um acinte à natureza humana. E aquela senhorinha era um quadro de extrema miséria.
Passadas quatro décadas, hoje compreendo melhor o que aconteceu comigo.
Naquele momento, eu tive empatia por aquela idosa, me coloquei no lugar dela; melhor dizendo, coloquei minha bisavó em seu lugar. E assim, aquela dor, aquele abandono, aquela tristeza passaram a me pertencer.
Sempre digo que a empatia é capaz de mudar o mundo para melhor. Precisamos nos colocar – mais e mais vezes – no lugar do outro.
Imagine se líderes mundiais tivessem empatia por seus semelhantes? Independentemente da nacionalidade, credo, cor, orientação sexual… Tenho certeza de que já teríamos dado um largo passo em direção a um mundo melhor
Além disso, sempre acreditei em uma máxima do inesquecível Albert Einstein em que ele dizia que ninguém pode aprisionar a nossa mente sem o nosso consentimento.
Este é um mantra que carrego desde a minha adolescência. O mundo doente, opressor e indiferente que me cerca jamais contaminou meus princípios e sonhos.
Retornando a 1985, além de dar início a uma poupança para criação de minha organização, tentei ser voluntário em duas casas de assistência social: uma que cuida de crianças retiradas de seus lares devido a violência doméstica e outra que cuida de idosos sem lar.
Em minhas palestras, digo que naquela época fui o pior voluntário do mundo, pois não sabia (e não sei) lidar com a dor do próximo, e aquelas situações me faziam sofrer demais
Dessa experiência tirei uma grande lição: para fazer o bem existem muitos caminhos – e aquele não era o meu.
Com o passar dos anos, descobri minha afinidade para conscientizar e motivar as pessoas a fazerem o bem. Faço isso através de ações, projetos sociais e grandes exemplos de vida de outras pessoas, a quem chamo de “grandes sonhadores”, e associando-os a virtudes distintas, como a coragem de Martin Luther King, a cidadania de Betinho e assim por diante.
Consegui também definir a missão principal de meu trabalho: possibilitar que todo cidadão torne-se um agente de transformação na sociedade através de uma cultura de empatia e paz
É isso que eu faço até hoje, e de uma forma inovadora, livre, independente – e sem pedir nada em troca. A ONG “Meu sonho não tem fim” não comercializa nada, não tem política de patrocínio e não aceita doações, além de ser laica e apolítica.
Essa é uma característica importante deste trabalho, pois assim eu mostro que não precisamos nos tornar ricos (ou ganhar na Mega-Sena) para fazer o bem ao próximo. Quem escolhe um caminho como este, precisa compreender que a riqueza material, na maioria das vezes, passa longe.
Outro ponto importante é: se eu encontrei uma forma de ser independente, sem necessitar de doações, por que deveria concorrer por uma verba que pode ser muito mais útil para outras organizações?
Há iniciativas que combatem a fome ou tratam de crianças com câncer, por exemplo. E que necessitam destes recursos muito mais do que eu.
Atualmente, minha organização tem oito projetos sociais distintos e estou sempre buscando uma forma de divulgá-los.
Com quatro décadas de caminhada o que não faltam são histórias interessantes. Deixem-me contar então algumas delas.
Em 2003, idealizei o projeto “Passageiros da Esperança”. A ideia era aproveitar o tempo em trânsito, no transporte público, para divulgar minhas ações sociais. Criei diversos folhetos com mensagens da organização e frases dos “grandes sonhadores”, deixando-os em bancos vazios do metrô e dos ônibus
(Atualmente, em vez dos folhetos, deixo nestes espaços os livros da organização com uma dedicatória a um passageiro anônimo – pois nunca sei quem vai ficar com aquele exemplar).
Em 2007, começaram a instalar TVs nos trens do metrô e consegui incluir em sua programação frases dos “grandes sonhadores”. Ficamos com esta campanha no ar durante três anos.
Nesse período, alguém do Projeto Guri viu a campanha e me convidou para dar uma palestra do projeto “Vinha de Sonhos”, para os internos da unidade Fazenda do Carmo, da Fundação Casa.
Não foi fácil entrar naquele local e falar de amor, caridade e humanidade para jovens que só viram o outro lado de nossa sociedade: a violência, o abandono, a opressão… Mas esta era minha missão
A palestra foi um sucesso e teve um grande impacto naqueles jovens. A ponto de eles pedirem que, após as oficinas de música, os assistentes sociais passassem a ler uma das parábolas de meu livro As reflexões de um sonho que não tem fim. Para que eles pudessem “compreender como melhorar como seres humanos”.
Essa reação daqueles jovens me impactou muito e fez com que eu comprovasse a força do meu livro. Assim, criei uma nova obra, intitulada Um sonho que não tem fim, com mais de 300 parábolas e reflexões.
A mesma unidade da Fundação Casa recebeu o primeiro exemplar; em retribuição, eles criaram uma feira cultural, onde cada grupo de três jovens escreveu um texto sobre um dos “grandes sonhadores”. E também encenaram uma peça com os legados de Mahatma Gandhi, Martin Luther King e Betinho, dentre outros.
A experiência na Fundação Casa mostrou-me qual é o caminho que devemos tomar se quisermos mudar a realidade desses jovens.
O arcebispo sul-africano Desmond Tutu, prêmio Nobel da Paz em 1984, dizia: “Não somos amados por sermos bons, somos bons porque somos amados”. Este exemplo serve para qualquer pessoa: seja um interno da Fundação Casa ou o CEO de uma grande empresa
Aliás, existe na minha trajetória uma passagem muito interessante envolvendo o presidente de uma das maiores empresas do Brasil, que, gentilmente, aceitou me receber para conhecer um pouco de minha caminhada.
Nosso encontro estava marcado para um dia após a maior premiação nacional de líderes empresariais, da qual ele tinha sido o ganhador na categoria principal. Devido a este fato, entrei em contato com sua secretária, na manhã do dia de nosso encontro, para confirmar se ainda iria acontecer – e fui informado que sim, ele me receberia.
Assim que cheguei, perguntei quanto tempo teríamos e ele me disse que 30 minutos. Um tempo curto para apresentar a rica e complexa história da organização. Porém, eu teria que me adequar.
Acabamos conversando por pouco mais de uma hora. E na segunda vez em que a secretária veio informar que já tínhamos estourado o tempo, ele pediu que ela se sentasse ao seu lado e também ouvisse um pouco da minha história… Aquilo me impactou bastante.
No final do nosso encontro, o presidente da empresa me olhou por alguns segundos e perguntou se poderia me pedir algo. Eu disse que sim. Então ele se levantou e me disse: “Posso te dar um abraço?”
Lembrei-me então de uma frase de Martin Luther King, meu maior mentor nesta caminhada de quatro décadas. Ele dizia que pouca coisa é necessária para transformar inteiramente uma vida: amor no coração e sorriso nos lábios.
Naquele encontro, constatei a força do meu trabalho social. E também, mais uma vez, a importância de uma cultura de empatia e paz, para construirmos juntos uma sociedade melhor: mais justa, ética e fraterna para todos nós.
Alex Cardoso de Melo é fundador da ONG “Meu sonho não tem fim”.
Privilégios à parte, a identidade como homem gay sempre fez Eduardo Moura questionar a sua capacidade de se expor. Ele superou essa e outras barreiras para liderar a Pulse Mais, ONG que conecta jovens talentos ao mercado de tecnologia.
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