Quando você pensa em um batom, que imagem te vem à cabeça? Provavelmente um bastão de plástico, que você rosqueia até encontrar, de fato, o produto que serve para colorir a boca.
A AmoKarité busca eliminar o plástico dessa equação e está por trás de uma linha de maquiagens sólidas naturais, veganas e sustentáveis, que inclui batons, bases e iluminadores. Os produtos não têm embalagens. Pelo menos não como as convencionais: em formato de frutinhas, eles vêm envoltos em celofane vegetal biodegradável dentro de uma caixinha de papel compostável.
Depois do sucesso das maquiagens, a empresa lançou outras linhas e produtos, como xampu, desodorante e hidratante facial. Hoje, são 100 itens no catálogo, a maioria deles sólidos, em pó ou cremosos, acomodados em latinhas de alumínio 100% recicláveis ou em embalagens de papel certificado pela Forest Stewardship Council — parecem um potinho — que, após o descarte, se degradam em até seis meses.
A produção da AmoKarité acontece em Gonçalves (MG), na Serra da Mantiqueira, em uma fábrica própria de 300 metros quadrados. Para se ter uma ideia de valores, os batons custam 39 reais, e as bases, 53 reais. Segundo Clara Klabin, que toca o negócio junto com Estephanie Gustavson Rosa, 37, a marca espera faturar 3 milhões de reais em 2025.
O VEGANISMO LEVOU ESTEPHANIE A PRODUZIR SUAS PRÓPRIAS MAQUIAGENS. E O QUE ERA SÓ UM HOBBY VIROU UM NEGÓCIO
Formada em publicidade, Estephanie chegou a trabalhar em agências, mas foi no empreendedorismo que descobriu seu propósito. Ela teve uma marca de joias, mas ao se tornar vegana, em 2019, começou a produzir cosméticos com a ajuda da mãe, cosmetóloga. E depois, de forma independente.
Na época, a ideia era confeccionar os produtos para uso próprio, mas ela resolveu oferecer o excedente para os clientes que já comprovam seus acessórios. E a aceitação foi ótima.
“A Esté percebeu que aquele segmento era mais interessante do que de joias e começou a investir nisso. Mas cada vez que ela montava uma produção, comprava mais embalagem de plástico, em sites chineses. Tudo isso ia em completo desacordo com tudo que ela acreditava”, lembra Clara. E continua:
“Então, ela teve o insight de produzir maquiagens sólidas para tentar se livrar do plástico. E começou a fazer misturas e testá-las em forminhas de doce até conseguir chegar a uma consistência suficientemente dura para não desmanchar no manuseio e mole o suficiente para ter espalhabilidade na pele”
Estephanie investiu 500 reais e passou então a vender essas novas criações em feirinhas. Na pandemia, em 2020, lançou um site para divulgar a marca. Só que ainda faltava uma embalagem inovadora por trás desse produto. Quer dizer: faltava, até Clara entrar em cena.
Formada em administração e jornalismo, Clara faz parte da família Klabin e sempre esteve conectada à área de sustentabilidade. Há mais de 20 anos, quando o tema ainda nem era popular, ela chegou a fazer uma pós-graduação no assunto. E atuou com reflorestamento durante anos, junto com seu pai, Leonardo Klabin.
Ao engravidar, no entanto, Clara decidiu dar uma pausa na carreira. Depois do segundo filho, já estava ansiosa para voltar ao mercado. E foi aí que surgiu um convite de sua dermatologista, Grace Marzano, para desenvolver embalagens sustentáveis para uma linha de cosméticos naturais que ela iria lançar. “Eu nunca tinha trabalhado com embalagens, mas a doutora Grace brincou que eu tinha até nome de embalagem e me confiou essa missão.”
Clara foi estudar o tema e teve ajuda da Klabin nesta empreitada, até chegar ao protótipo de embalagens primárias de papel compostável. Mas a dermatologista não conseguiu adequar suas criações a esse invólucro e Clara foi em busca de algum produto que servisse para esse fim.
“Digitei no Google ‘cosméticos sólidos ou cremosos’ e a primeira menção que apareceu foi o site da AmoKarité”
Clara ligou para Estephanie e no mês seguinte elas se encontraram. “Na hora, a Esté me perguntou como eu adivinhei que ela estava buscando este tipo de embalagem. Dois meses depois, viramos sócias.”
Clara conta que ficou encantada com as maquiagens criadas por Estephanie. Mais do que isso, ela entendeu que aquele produto era algo novo, que precisava de uma patente.
“Quando enviei a proposta para o escritório de marcas e patentes, em 2021, na hora eles disseram que era válido, mas que precisavam fazer uma pesquisa de anterioridade para verificar no mundo inteiro essa invenção”
Quando a AmoKarité já estava prestes a conquistar a patente, uma multinacional pediu esse reconhecimento. “Só que no processo existe uma etapa na qual eles avaliam se sua patente está ligada a uma tendência ou se, de fato, já é um produto comercializável. E neste quesito a gente ganhou da empresa multinacional porque já estávamos em 10 mil vendas.”
Maquiagem sólida da AmoKarité.
Foi assim que em 2023 a AmoKarité conseguiu a patente brasileira da maquiagem sólida sem embalagem no Brasil, que pode ser explorada pelos próximos 20 anos.
Mas apesar de ser um produto inovador (ou exatamente por isso), Clara diz que o público ainda pena um pouco para assimilar esse conceito. “Sempre brinco que as pessoas têm dificuldade de mudar a cadeira de lugar, imagina mudar a maneira como vão se maquiar.”
Segundo ela, as pessoas entendem o contexto de sustentabilidade por trás, a importância de se eliminar o uso do plástico… Mas ainda assim, a resistência persiste, reconhece a empreendedora:
“É uma luta enorme: a gente não vende maquiagem nem cosméticos, a gente educa. E as pessoas têm zero abertura para mudar, elas querem a solução mais fácil, prática, barata e rápida… A AmoKarité consegue ser disruptiva por isso, porque a gente gera uma curiosidade e coloca nossos produtos na vida das pessoas, apesar da resistência inicial”
Como ouvir a demanda do público nesse processo também é fundamental, Estephanie e Clara decidiram criar uma case para as clientes que não se adaptaram em manusear as suas maquiagens sólidas diretamente na mão.
E aí você pode estar pensando: “Mas então vai entrar plástico nesta história?”. Não. Ou melhor, não do jeito que você imagina.
A dupla foi atrás de um bioplástico compostável, feito de cana de açúcar, e desenvolveram uma embalagem que pode ser adquirida de forma avulsa, no formato de uma redoma ou ovinho transparente. Clara afirma:
“O mais bonito quando se faz uma invenção é fazer a invenção da invenção. E foi o que a gente fez ao criar essa case”
Hoje, dos 100 produtos do catálogo da AmoKarité, apenas dois levam plástico comum: o rímel e a base líquida. Porém, Clara afirma que em 2026 a empresa pretende zerar essa marca, relançando os dois itens, agora com bioplástico compostável (outro lançamento previsto para 2026 é um protetor solar).
Enquanto esses dois produtos não são reformulados, há uma alternativa: “Fizemos uma parceria com a Soneda, que é a maior rede de produtos de beleza no Brasil, e as nossas clientes, que estão majoritariamente em São Paulo, podem entregar essas embalagens usadas nas unidades da avenida Paulista e da rua Augusta”, afirma Clara.
Maquiagens da marca em cases com bioplástico de cana de açúcar.
“Nessas lojas, existem pontos de coleta gerenciados pela startup Reciclo Beleza. Com isso, garantimos que o material descartado seja reaproveitado da melhor forma.” Segundo cálculos da própria AmoKarité, desde sua fundação, a marca já evitou o descarte de cerca de 200 mil embalagens cosméticas (o equivalente a mais de 3,3 toneladas de plástico a menos no planeta).
Em julho de 2025, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei 15.183, proibindo o uso de animais em testes de cosméticos, produtos de higiene pessoal e perfumes. Apesar de reconhecer o avanço, Clara afirma:
“A minha impressão é que a legislação está sempre um passo atrás, pois já existem milhares de empresas que não fazem testes em animais há anos… A gente [da AmoKarité] nunca considerou isso como uma possibilidade”
Segundo a empreendedora, existe um grupo de 60 voluntários, a maioria ativistas, que testam os produtos da empresa antes de eles chegarem ao mercado. “Nunca tivemos uma reação alérgica porque usamos ingredientes do bem.”
O catálogo da AmoKarité inclui batons, bases, iluminadores, entre outros produtos.
Entre esses ingredientes benéficos, ela cita a manteiga de karité, que empresta o nome à marca, argila rosa, manteiga de manga e óleo de abacate. Justamente por serem insumos naturais, as maquiagens são multifuncionais, dá para usar cada produto para mais de uma função. O batom, por exemplo, pode ser aplicado como blush, sombra e delineador.
“Uma marca vende muito mais se mostrar um batom e falar que ele fica maravilhoso se usado com esse blush e com aquela sombra, e que essa base precisa daquele corretivo para funcionar… Mas nossa ideia vai totalmente contra essa proposta”
Ou seja, vender sustentabilidade em forma de maquiagens sólidas não faria muito sentido se a marca insistisse em estimular o consumismo desenfreado. Esse não é o caso da AmoKarité.
“Como as criações da AmoKarité são naturais, o que você usa no lábio também pode ser aplicado no rosto e nos olhos”, diz Clara. “Além de ser algo seguro, é prático. Você não precisa de 20 produtos para fazer uma maquiagem, pode fazer com dois ou três.”
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