Nasci em uma pequena comunidade rural, distante dos grandes centros urbanos, onde o tempo parecia seguir o ritmo do sol.
Nossa vida era simples, mas profundamente organizada. As tarefas diárias começavam antes do amanhecer e se estendiam até o cair da noite, quando nos reuníamos em rodas de conversa para ouvir os mais velhos. Eles contavam histórias, muitas delas de assombração, mas todas traziam uma “moral”, um ensinamento que nos convidava à reflexão.
Essas histórias falavam sobre respeito aos mais velhos, a importância de honrar a palavra dada, o valor do trabalho árduo e, sobretudo, a necessidade de estudar para conquistar um futuro diferente do pesado trabalho da roça.
Nessas rodas, aprendi que a escuta era mais do que um ato de apenas ouvir; era uma possibilidade para construir uma vida mais feliz e organizada
Assim, sem perceber, formávamos uma comunidade de escutadores amadores, pessoas que se ouviam mutuamente, compartilhavam dores e aprendiam com o passado para desenhar um futuro melhor.
Nunca imaginei, naquela época, que essas lições moldariam meu caminho de forma tão decisiva até eu me tornar um escutador profissional. Sim, me tornei um; continua aqui para saber o que é isso na prática!
A vida é cíclica, e os movimentos do destino me trouxeram para Goiânia, a maior cidade do meu estado.
A mudança foi espantosa: de um lugar onde todos se conheciam pelo nome para um mar de gente anônima, onde as interações eram breves e funcionais.
As praças, que no interior eram espaços de convivência, aqui estavam vazias ou ocupadas por pessoas que, mesmo em meio a muitas outras pessoas, pareciam profundamente solitárias
Percebi que muitas daquelas pessoas estavam em sofrimento. Viviam isoladas em meio à agitação, com agendas sobrecarregadas e passos apressados.
A falta de tempo para conversar, para ser ouvido, transformava angústias silenciosas em sofrimento visível. E, sem espaço para a escuta, essas pessoas iam adoecendo emocional e fisicamente.
Nesse ponto da história, eu já havia me tornado um escutador profissional: um psicanalista! E comecei a me perguntar: se a escuta era capaz de organizar a vida em uma comunidade rural, por que não tentar o mesmo nos espaços urbanos?
Tem muito mais dessa história, mas esse é um pouquinho de como nasceu, em fevereiro de 2012, o projeto Psicanálise na Praça.
A proposta era simples e transformadora: levar sessões de terapia para espaços públicos, democratizar o acesso à escuta psicanalítica e, quem sabe, formar uma comunidade de escutadores: pessoas que escutam a dor e acolhe quem precisa ser ouvido
Não se tratava apenas de oferecer atendimento gratuito em espaço público, mas de resgatar algo que a vida urbana tem apagado: a possibilidade de ser ouvido, de compartilhar histórias e de encontrar, na fala do outro, um reflexo de nossa própria história e condição humana.
A cada quinze dias, durante uma hora, nos encontramos em uma praça. Pessoas de todas as idades e origens podem chegar, algumas por curiosidade, outras por necessidade urgente.
E ali, sob o céu aberto, entre o barulho da cidade, acontece um pequeno milagre: a escuta como resgate das nossas singularidades.
O projeto cresceu. O que começou como uma iniciativa solitária transformou-se em um movimento maior tendo necessidade de agendar horários e entrar em fila de espera para ter acesso às sessões de terapia.
Sim, e essa é a nossa maior dificuldade: ter profissionais em número suficiente para atender todas as pessoas que precisam de ajuda.
A solidão, essa pandemia silenciosa das cidades contemporâneas, começa a ser dissolvida pelo poder da escuta ativa compartilhada voluntariamente
Ao longo dos anos, outros psicanalistas participaram, mas não estão mais no projeto. Porque muitos buscavam tomar parte como uma fonte de captação de cliente, porém é proibido atender pacientes que vai ao consultório em função do projeto. O Psicanálise na Praça é absolutamente gratuito.
Não é por acaso que a escuta deve ser voluntária: romper o obstáculo financeiro (sim, terapia custa caro no Brasil), dissolver o estigma que pesa sobre quem decide buscar ajuda e enfrentar o pensamento de Donald Winnicott que diz: “Nunca existirão psicoterapeutas suficientes para tratar todos aqueles que precisam de tratamento”.
Eu até concordo com ele, mas é preciso fazer algo com o pouco que temos e o meu gesto por um mundo melhor é este… Espero que te ajude a pensar numa maneira de colaborar com a sua comunidade também!
Atualmente, o projeto ocorre na Praça do Sol, no Setor Oeste, em Goiânia. Também faço atendimento social fora da praça na região periférica da cidade.
Entre sessões, rodas de conversa e atendimentos online, já foram atendidas 180 pessoas, em mais de 2 mil horas de terapia gratuita.
Hoje, sonho com algo maior: uma comunidade onde a escuta não seja um item de consumo luxuoso ou exclusiva para pessoas doentes, mas um fundamento para um futuro mais humano e solidário.
Um futuro onde as praças voltem a ser lugares de encontro, não apenas de passagem. Onde a psicanálise e, mais que ela, a capacidade de ouvir e ser ouvido ajude a criar uma comunidade mais solidária, inclusiva e profundamente humana
Não esqueço da minha ancestralidade por isso relembro meu passado rural para transformar o meu presente urbano numa dança de esperança que une a memória das rodas de conversa e a realidade das sessões ao ar livre.
Assim, poderemos continuar desenhando, acima do concreto das construções e dos passos apressados das multidões anônimas, um céu de possibilidades.
Jorge Cordeiro é psicanalista e criador do projeto Psicanálise na Praça.
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