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Desde pequena eu sentia que havia algo diferente em mim. Não era algo que eu soubesse explicar, mas uma sensação de desalinhamento em relação ao esperado.
Enquanto outras crianças pareciam caber em moldes claros, eu vivia inquieta, como se marchasse em um ritmo só meu.
Só por volta dos 50 anos esse “mistério” ganhou nome: descobri que tenho Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH)
A ficha caiu de forma quase irônica, quando investigávamos as dificuldades da minha filha mais nova na escola. Meu marido, brincando, criou uma coluna “extra alto” nos questionários do médico e marcou quase todos os sintomas no meu nome.
Ali, diante de quinze perguntas, eu me vi inteira.
De repente, memórias antigas fizeram sentido: os apelidos cruéis, a inquietação sem fim, a sensação de estar sempre pulando de uma atividade para outra.
Na escola, permanecer quieta parecia tortura. Meus boletins eram uma montanha-russa: notas baixíssimas no começo e depois, em um esforço de sobrevivência, notas altas que me salvavam da reprovação.
Naquela época, não havia diagnósticos. Só rótulos: inteligente, burro ou vagabundo. Eu não aceitava nenhuma dessas gavetas, mas sentia o peso delas
Então, desenvolvi uma estratégia: se não me destacava em exatas, buscava espaço em educação artística, física e teatro. Foi ali que encontrei uma ferramenta vital: a criatividade.
Tudo que envolvia movimento e invenção me fascinava. Eu pintava camisetas, desenhava cartazes da escola, entrava em grupos de teatro.
Criamos até uma “TV Dante Alighieri”, projeto de alunos que me fazia passar o dia inteiro na escola.
Sem perceber, eu inventava métodos próprios de estudo, criando estratégias para sobreviver. Intuitivamente, aprendi a transformar limites em potência
A necessidade me obrigou a ser criativa, e a criatividade se tornou minha forma de existir.
Durante o primário, fui alvo de bullying. Era chamada de “menininha feia” e “burrinha”. Mas, em vez de me esmagar, esse peso virou combustível.
Na adolescência, já não era retraída: conquistei amigos e respeito pela espontaneidade.
Aprendi cedo a virar dor em força, a não desistir mesmo quando parecia mais fácil.
Meu pai sonhava que eu fosse engenheira. Para ele, esse era o caminho seguro. Para mim, parecia uma sentença. Nunca me encaixei nas exatas, e a frustração abalou nossa relação.
Só muitos anos depois, já com carreira construída na arte e no design, ele conseguiu enxergar valor no meu caminho
Essa experiência me ensinou algo que carrego até hoje: não devemos forçar filhos a se moldarem em expectativas.
O verdadeiro sucesso nasce de descobrir quem somos de verdade.
A inquietação que parecia problema virou ativo. No trabalho, a capacidade de improvisar e inventar soluções me destacou. Aprendi que criatividade não está só na arte: pode estar em educar os filhos, administrar a casa ou reaproveitar comida.
Houve momentos difíceis. Em busca de foco, recorri a medicamentos. No início funcionou, mas logo percebi o preço: junto com a produtividade, minha criatividade se apagava
Decidi viver com as dificuldades, mas sem perder minha essência. Foi a forma de permanecer inteira.
Escrever este texto foi um desafio. Minha expressão sempre foi visual, por meio do desenho, da pintura e da escultura. Mas aprendi que não é a perfeição que importa, e sim a prática de expandir a mente.
Sou uma TDAH otimista, criativa e resiliente, mas também ansiosa, impulsiva e muitas vezes interrompo as pessoas sem perceber. Luto contra isso diariamente. Aprendi a me acolher, sem negar minhas imperfeições
Minha trajetória me ensinou verdades que guardo como mantras. Oito lições sobre criatividade, que compartilho a seguir:
1) Errar é essencial, pois a falha pode ser o início da inovação.
2) Procure onde ninguém olha.
3) Valorize sua vivência, ela é única.
4) Aprenda a descartar, pois criar também é abrir mão.
5) Restrições podem estimular originalidade.
6) Aprofunde-se, porque a voz criativa nasce da experiência real.
7) Seja única, o risco maior é se diluir na multidão.
8) Observe sua vida, ela é a maior fonte de inspiração.
Claudia Issa, 57, é designer e artista plástica formada pela FAAP. Depois de anos como diretora de arte em grandes agências, fundou sua empresa de design e, mais tarde, encontrou na cerâmica uma nova forma de expressão criativa. Com a marca Konsepta, já participou de exposições como SPArte, CasaCor, Design Week Milão e Bienal de Veneza. Seu trabalho foi publicado em revistas como Vogue Itália, AD Germany e Marie Claire Itália. Hoje, divide seu tempo entre arte, cerâmica e pintura.
Sobrinha de profissionais da saúde, Ana Beatriz Araújo viu como a pandemia afetou quem estava na linha de frente. Ela então fundou, aos 17 anos, o Juventude pelo SUS, movimento para ampliar as vozes de quem vive a saúde pública no dia a dia.
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A cada seis brasileiros, um já pensou em se matar. Neste Setembro Amarelo, João Lovise, head de criação da F/Malta, fala sobre a campanha #UmEmCadaSeis, que engaja artistas e celebridades pela causa da prevenção ao suicídio.