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Ela criou um salão que une ética e estética ao oferecer serviços de corte, coloração e terapia capilar com produtos veganos

Dani Rosolen - 8 dez 2025 Juliana Santana, fundadora do Salão Vegano (foto: André Silvério).
Juliana Santana, fundadora do Salão Vegano (foto: André Silvério).
Dani Rosolen - 8 dez 2025
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No universo dos salões de beleza, em que o resultado sempre foi mais importante do que saber o que é usado nos procedimentos, a paulistana Juliana Santana, 39, decidiu seguir outro caminho. À frente do Salão Vegano, em São Paulo, ela criou uma opção onde estética e ética se entrelaçam.

O estabelecimento é pioneiro em São Paulo (e quiçá, no Brasil) ao oferecer coloração, corte e tratamentos capilares terapêuticos apenas com produtos sem ingredientes ou testes em animais. 

Vale dizer que produtos veganos não são necessariamente sinônimo de naturais ou orgânicos. O diferencial do negócio de Juliana é justamente o foco nos princípios do veganismo, filosofia de vida que vai muito além das escolhas alimentares:

“É um salão que atende todo mundo, mas que acolhe pessoas que estão no mesmo propósito que eu e que antes se sentiam um peixe fora d’água em estabelecimentos sem esse tipo de opção”

Prestes a completar uma década, o empreendimento, na Galeria Ouro Velho (Rua Augusta, 1371, sobreloja 214), nasceu de uma mudança de carreira, da evolução de seu ativismo e da ressignificação do legado materno.

ELA CONSTRUIU SUA CARREIRA NA TV, MAS NÃO SE SENTIA FELIZ

Formada em Rádio e TV, Juliana construiu sua trajetória profissional em uma grande emissora. Nascida em São Mateus, Zona Leste, ela começou no SBT em 2004, como estagiária.

“Me sentia deslumbrada por trabalhar numa empresa grande, que tinha tudo a ver com o que eu estava estudando, fora todo o glamour de estar na TV, então queria muito ficar ali.”

E ficou. Ela foi efetivada na área administrativa, mas sentiu que as tarefas burocráticas não combinavam com o que havia sonhado para sua carreira. Juliana chegou até a buscar oportunidades internas, fazendo estágios não remunerados em áreas na qual sonhava atuar, mas acabou permanecendo no administrativo — e a sua infelicidade só aumentou.

Então, chegou um momento em que ela resolveu avisar colegas que atuavam em outras emissoras sobre sua busca por novos caminhos. Em pouco tempo, foi indicada para uma vaga de edição na Record News. A aprovação parecia certa.

“Fiz provas de português, de matemática, de lógica e passei em todas, mas no exame admissional, descobri uma perda auditiva em uma audiometria…”

Ela recebeu a notícia como um choque, já que até então não sabia do problema. Sem conseguir a vaga e emocionalmente abalada, Juliana se sentiu em uma espécie de limbo e tirou férias para refletir como seguir em frente. “Naquela época eu não fui diagnosticada, mas acredito que vivi uma depressão.”

A PASSAGEM PARA O UNIVERSO DOS SITES E DO VEGETARIANISMO

De volta ao trabalho, Juliana foi surpreendida por mais uma promoção, mas novamente em uma área burocrática. O que era para ser uma boa notícia trouxe mais desespero:

“Acho que quem cresce na periferia sabe que ter um emprego, ainda mais numa empresa grande, é uma coisa muito importante. Você simplesmente não pode pedir as contas…”

Ao mesmo tempo, ela fez amizade com um funcionário do SBT que mantinha, paralelamente, uma produtora e o site vegetarianos.com.br (hoje extinto). Ele lhe ofereceu um frila não remunerado e, de pronto, ela aceitou a oportunidade para expandir seus horizontes.

A experiência aproximou Juliana do universo vegetariano e do audiovisual. Ali, também conheceu pessoas que hoje são referência no veganismo. “Fizemos a cobertura, por exemplo, do lançamento da campanha Segunda sem Carne no Brasil.”

O site já contava com uma pessoa contratada para fazer os vídeos da plataforma, mas quando esse profissional precisou sair, Juliana se ofereceu para a vaga, mesmo sem saber o salário. A remuneração era maior que a do SBT, e ela pediu demissão da emissora em 2009. 

No site, foi aprendendo novas funções, como a captação de recursos e, no mesmo período, tornou-se vegetariana. Ela conta como isso aconteceu: “O dono do site queria fazer um documentário sobre veganismo e pediu que eu assistisse A carne é fraca, para me inspirar. Depois disso, parei de comer carne”.

A MORTE DA MÃE FEZ COM QUE ELA REAJUSTASSE A ROTA (DE NOVO)

Juliana trabalhava de forma remota para o site — algo raro na época —, o que lhe deu mais flexibilidade para acompanhar o tratamento da mãe, dona Cida, diagnosticada com leucemia em 2010.

“Eu levava o notebook para trabalhar no hospital, mas tudo era muito sofrido e dolorido”

Com o contrato próximo do fim (a renovação era anual) e sem condições emocionais naquele momento, ela pediu demissão. A mãe conseguiu realizar o transplante de medula, mas depois contraiu uma bactéria no hospital e não resistiu.

Dona Cida era cabeleireira e dona de um salão em São Mateus desde que Juliana era criança. O L’arte Cabeleireiros vinha sendo administrado pelo irmão nesse período. Quando a mãe morreu, eles precisaram decidir o futuro do estabelecimento.

A ideia inicial era passar o salão adiante, mas ao sentir o risco de perder o legado materno, Juliana vendeu seu carro e comprou a parte da família. “Foi meu pai, que era bancário, que estipulou o valor”, afirma. “Paguei meu irmão e o combinado era arrematar a parte do meu pai um dia, mas isso nunca aconteceu.”

ELA SE ESPECIALIZOU NA ÁREA E CONSEGUIU MANTER E CONQUISTAR NOVAS CLIENTES

O salão já contava com uma manicure e uma assistente. Juliana anunciou a vaga de cabeleireira, com a intenção de administrar o negócio à distância. Depois de dois meses, ninguém se candidatou… Então, num rompante, ela decidiu assumir a função. Para isso, foi em busca de capacitação e se inscreveu em um curso básico ali mesmo em São Mateus.

“A gente aprendia nessa escola na prática cortando o cabelo de clientes por 2 reais, com a professora do nosso lado orientando. No geral, eram cortes simples, masculinos. E em um mês eu já sabia como fazer”

Para realizar cortes em cabelos longos, a novata pediu ajuda a Andreia, uma cabeleireira que era amiga de sua mãe e que também tem um salão em São Mateus. “Ela sempre me deu muito apoio, me ensinou a fazer o corte repicado, a segurar a tesoura da forma correta. Foi com ela que aprendi os trejeitos de cabeleireira”, lembra. 

Depois, Juliana fez especializações em colorimetria, área que virou sua preferida, e diversas outras formações. Graças ao rápido aprendizado e ao vínculo com a comunidade local, conseguiu ampliar a clientela do L’arte Cabeleireiros.

COMO VEGANIZAR O SALÃO E ATRAIR CLIENTES COM O MESMO PROPÓSITO

No fim de 2015, inspirada pelas postagens de uma colega do período em que trabalhou no site vegetariano e pelo grupo Ogros Veganos, no Facebook, Juliana começou a adotar o veganismo.

“Essa comunidade na rede social não trazia só receitas veganas, rolava toda uma troca de ideias entre os membros e eu me identifiquei com aquelas conversas.” A nova visão de mundo impactou o trabalho no salão, que na época já caminhava bem:

“Percebi que ser vegana era um enfrentamento de normas, costumes e culturas. E entendi que não tinha como continuar usando marcas para tingir e cuidar do cabelo das clientes sabendo que elas testam seus produtos em animais”

Sem alarde, Juliana fez uma transição no salão, começando por adquirir produtos veganos de alta performance no exterior. Depois, fez uma curadoria no mercado brasileiro e optou por trabalhar com marcas pequenas, mas que tivessem grandes estoques. Hoje, ela usa em seus atendimentos produtos de empresas como Avora, Acquaflora, Keune e Previa.

A PANDEMIA DEU UMA FREADA NO NEGÓCIO

Quando tudo já funcionava como ela imaginava, a empreendedora anunciou oficialmente a mudança e rebatizou o estabelecimento para Salão Vegano. As clientes antigas não se importaram e se mantiveram fiéis.

Mas Juliana queria atrair um novo público alinhado com os seus princípios. Passou a frequentar e participar como expositora de eventos da área. Em 2019, esteve mais de uma vez na Feira das Vegs e no Encontro Vegano.

“Isso foi importante para que a proposta do salão não fosse relevante apenas para mim, mas alcançasse quem pensa da mesma forma”

Pouco a pouco, ela conquistou uma nova clientela nos eventos, mas a chegada da pandemia interrompeu seus planos. Juliana precisou manter as portas do salão fechadas por quatro meses. Quando o governo liberou a retomada, ela chegou a gravar um vídeo incentivando as clientes a virem cortar o cabelo na Zona Leste. 

“Meu interesse era de que o salão continuasse em São Mateus para descentralizar o veganismo, mostrar que ele existe na periferia”

Sentiu, no entanto, a resistência no deslocamento e passou a atender como Salão Vegano também num coworking na Consolação.

FECHAR O ESPAÇO NA ZONA LESTE FOI UMA DECISÃO DOLOROSA, MAS NECESSÁRIA PARA A SOBREVIVÊNCIA DO SEU IDEAL

Quando as coisas começavam a fluir, uma nova fase vermelha de controle à pandemia foi decretada. Juliana percebeu que precisasse fechar as portas do estabelecimento de novo, quebraria. Decidiu que a única solução seria fechá-lo. Assim que pôde retomar os atendimentos, alugou um espaço no salão de Andreia, a amiga e cabeleireira de longa data.

“Foi uma decisão muito difícil, sofri absurdamente em fechar o local que foi da minha mãe e depois meu por dez anos, mas entendi que isso era necessário para a sobrevivência do negócio”

Em 2021, ela já não estava mais no coworking, mas começou a atender um dia da semana em um espaço na Rua Augusta que funcionava como galeria de arte e salão. A demanda cresceu, e Juliana inverteu os turnos: mais dias nesse local, menos na Zona Leste no estabelecimento da amiga.

Em 2023, 90% das suas clientes estavam no Centro e eram veganas, então Juliana decidiu que era hora de se mudar de vez. E em novembro, inaugurou o espaço atual, na Galeria Ouro Velho.

PIONEIRISMO, EQUILÍBRIO E AUTENTICIDADE: A FÓRMULA DO SUCESSO

Apesar de tantos desafios ao longo dos anos, Juliana diz que nunca ficou com a agenda vazia. Cresceu degrau por degrau e mantém essa lógica até hoje, sempre pensando na sustentabilidade financeira do negócio. Outro princípio que adotou foi só focar no que faz com excelência sozinha, por isso ela não pensa em oferecer outro serviços além do corte, coloração e tratamentos terapêuticos, nem criar uma equipe.

“Acredito no atendimento personalizado, uma pessoa por vez, conseguindo trocar ideias, conhecer a cliente para poder sugerir um corte ou uma coloração que combina com ela para além do que é tendência”

Como precisa organizar o tempo entre atender, limpar o espaço, fazer compras e gerenciar o negócio, a empreendedora adotou a semana de quatro dias. Se antes gastava a segunda-feira, sua folga, com tarefas administrativas e “invisíveis” para a maioria dos clientes, hoje ela concentra essas missões na terça-feira e atende de quarta a sábado.

Sobre o ineditismo de sua iniciativa, Juliana acredita que seu empreendimento ajudou a moldar o mercado. Ela se lembra da época em que ia a feiras de beleza e não encontrava produtos profissionais veganos. Hoje, o cenário é outro. E finaliza:

“Tenho consciência de que sou pioneira e gosto de me afirmar como vegana e feminista, pois vejo alguns negócios se posicionarem dessa maneira para abocanhar um mercado no qual não estão ideologicamente inseridos.”

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