A morte da minha mãe mudou minha vida para sempre

Paulo Al Assal - 2 abr 2015Paulo Al Assal em família. Caroline, a Cacá, 13, Gabriele, a Bibi, 10, e Christine (sua namorada há 28 anos)
Paulo Al-Assal em assão, ops, ação, na Academia Draft: “Como fazer um projeto de branding sem ouvir o responsável pelo SAC – que é quem mais entende dos problemas da marca? Como criar uma campanha sem ter à mão um linguista e um semioticista?”
Paulo Al Assal - 2 abr 2015
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Por Paulo Al Assal

Em 2008, eu estava numa reunião super importante para definir o futuro da Voltage, a minha agência de tendências e pesquisa de inovação. No início da reunião, que duraria o dia todo, meu pai me ligava insistentemente. Depois da terceira tentativa, pedi licença aos meus novos sócios para atender.

Sou filho único de uma família muito unida. Meus pais, juntos há mais de 50 anos, sempre me ensinaram que a família é o que temos de mais importante. Apesar de querer mais filhos, minha mãe não pôde ter outros além de mim.

Atendi a ligação e do outro lado da linha meu pai estava em prantos. Nunca tinha visto sequer uma lágrima sair dos olhos do meu pai. Descendente de libaneses, ele sempre foi um homem muito forte, chefe de família do tipo sério, correto. Jamais demonstrara qualquer sinal de fraqueza diante da família.

Pensei: “Meu deus, o que aconteceu?” Antes que eu enunciasse a pergunta, veio a resposta do outro lado da linha: “Sua mãe foi diagnosticada com câncer de pulmão”.

São ocasiões na vida em que o chão some debaixo de você. Não sabia exatamente o que pensar. Muito menos que atitude tomar. Ligo para a minha mãe? Vou encontrá-la? Trato de amparar meu pai?

Então me dei conta de que estava no meio de uma apresentação fundamental. Estava do lado de fora da sala de reuniões e ali dentro meus novos sócios aguardavam a minha volta para continuarmos. Era uma reunião que tinha sido marcada e remarcada várias vezes. Eu não podia simplesmente ir embora. Mas a minha cabeça e o meu coração já não estavam mais ali.

O médico me disse: “Sua mãe tem seis meses de vida. E esses seis meses não serão fáceis nem para ela nem para vocês.”

Voltei e concluí a apresentação. Não falei com ninguém o que tinha acontecido. Me mantive forte, tentando ser profissional e concluir o que eu tinha que fazer ali. A reunião durou praticamente o dia todo. Segui ali, firme. Mas com o pensamento e o sentimento noutro lugar.

Quando cheguei na casa dos meus pais, desabei. Não consegui segurar. Abracei minha mãe com todas as forças que tinha, mas não consegui permanecer forte. E ela precisava da minha força naquele momento. Falhei com ela. Nunca mais me esqueço desse dia.

Quando fomos à primeira consulta juntos, no melhor hospital de São Paulo, o médico, depois de conversar com meus pais e comigo, pediu para que eu ficasse, para falar com ele. Foi quando ele me disse: “sua mãe tem seis meses de vida”. E acrescentou: “e esses seis meses não serão fáceis nem para ela nem para vocês.”

A partir daí, até o seu falecimento, minha mãe nunca mais teve um dia de paz. Foi operada diversas vezes, fez quimioterapia, fez radioterapia. Sofreu todas as consequências horríveis que o câncer (e que o tratamento do câncer) traz consigo: perda de cabelo, dentes mais fracos, palidez, abandono dos amigos, depressão etc.

Tenho duas filhas, que na época tinham 7 e 4 anos, que eram a vida da minha mãe. Acho que minha mãe lutou por elas, e pela família, mais até do que por si mesma, prolongando aquele calvário. Aqueles seis meses que o médico nos deu viraram cinco anos.

Nesses cinco anos nunca vi a minha mãe reclamar de qualquer coisa. Não só não reclamava, como mantinha um bom humor e um astral inexplicáveis. Onde ela chegava, trazia alegria. Do porteiro até as enfermeiras e os médicos, todos ficavam cativados pela energia e simpatia dela. E a doença avançando.

Vivemos um momento estranho na nossa sociedade. Pessoas pensando só nos seus próprios umbigos, grande intolerância coletiva, inversão de valores básicos, banimento da gentileza, ausência de amor. Não consigo ajudar tanto quanto gostaria. Mas faço o que posso. Penso que solidariedade é isso – ajude como puder. Isso já é muito.

Ela foi um exemplo até perto da sua morte. Depois de tudo que passamos (vou lhe poupar dos detalhes, que são tristes e cruéis – ah, como eu queria ter podido poupar minha mãe também daquela dolorosa espiral descendente imposta pela doença…), ela já quase sem conseguir falar direito, um dia me chamou para perto dela e me fez prometer que eu iria ajudar de alguma forma outras pessoas e famílias a não passarem por tudo aquilo que estávamos enfrentando. Eu cumpro essa promessa até hoje que lhe fiz no leito de morte com muito prazer e com muito orgulho.

Minha mãe morreu em 27 de junho de 2012. (Tenho um bloqueio com a data do seu falecimento. Tenho que perguntar para a minha esposa sempre que tenho que lembrar. Acabei de fazer isso para escrever essa data aqui. Aliás: minha mulher se chama Christine. Estamos juntos há 28 anos. Casados há 17. O apoio que ela me deu ao longo desse processo não pode ser traduzido em palavras. Sem ela não teria conseguido.)

Meu primeiro passo foi procurar alguma ONG que tivesse algum trabalho bacana relacionado ao câncer. Como eu tinha a Voltage, que garimpava tendências, não foi difícil encontrar o trabalho de uma ONG canadense chamada FUCK CANCER, cujo trabalho era fazer com que os jovens, que normalmente se consideram invencíveis, fizessem exames para detectar algum problema logo no início. Se um tumor é descoberto no estágio 1, as chances de cura são geralmente muito altas.

Virei embaixador do FUCK CANCER no Brasil. Eles têm uma marca muito forte e fizeram disso uma vantagem competitiva na ponta da captação. Ao vender produtos licenciados com a marca FUCK CANCER, a ONG consegue divulgar a importância da detecção precoce da doença.

Durante dois anos, ajudei a divulgar a causa para jovens aqui no Brasil. Foi um trabalho bem bacana. Ocorre que tudo que captávamos tinha que ser revertido lá para o Canadá. E eu queria poder ajudar mais aqui no Brasil.

Dona Ruth

Dona Ruth

Foi quando conheci a Luciana Holtz, fundadora e presidente do Instituto Oncoguia, uma ONG brasileira que dá apoio total ao paciente com câncer. Me apaixonei pelo trabalho deles e me tornei diretor de marketing voluntário da ONG. Minha função é ajudar na estratégia de branding da marca e ajudar a trazer parcerias estratégicas. Fizemos este vídeo institucional para o Oncoguia, cujo mote é “Você não está sozinho.”

É um trabalho que amo fazer. Não consigo ajudar tanto quanto gostaria. Mas faço o que posso. Penso que solidariedade é isso – ajude como puder. Isso já é muito.

O câncer é uma epidemia. Só no Brasil, são mais de 600 mil novos casos por ano. Todo mundo tem, ou, infelizmente, terá, um caso na família ou no seu círculo de amigos.

Vivemos um momento estranho na nossa sociedade. Pessoas pensando só nos seus próprios umbigos, grande intolerância coletiva, inversão de valores básicos, banimento da gentileza, ausência de amor.

Estou com 45 anos e isso posso dizer que aprendi: é preciso ter um propósito maior. É preciso exercitar a sua humanidade. Minha mãe me pegou pela mão e me mostrou isso. E me deixou isso como legado. A última lição da dona Ruthinha.

Que eu espero estar seguindo a contento. Meu. E dela.

 

Paulo Al Assal, 45, é fundador e sócio da BR Culture, agência de estratégia de marca e inovação. Foi sócio fundador da Voltage, agência de tendências e pesquisa de comportamento humano e é diretor de marketing voluntário do Instituto Oncoguia. Foi palestrante do TEDxCampos.

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