“Plataformas de IA generativa não foram desenvolvidas para te ajudar, mas para te substituir. E se você as usa com frequência, está ajudando a treiná-las e acelerando a sua própria derrota”. Este é um trecho do manifesto escrito pelo ilustrador mineiro Danilo Aroeira, intitulado “Artistas vs. Inteligência Artificial”.
No texto, ele diz, ainda, que “tudo não passa de um eufemismo para plágio high-tech: cópia em larguíssima escala de textos e imagens alheios escavados da internet”, e responde de maneira crítica aos principais argumentos de quem é favorável ao uso de plataformas como o ChatGPT (da OpenAI) e Midjourney.
Danilo ilustra desde criança, por influência familiar – o avô materno, apesar de ser engenheiro, costumava fazer charges. Na adolescência, desenhava quadrinhos para o jornal da escola. Formou-se publicitário e trabalhou em boa parte da carreira como diretor de arte em agências de propaganda.
Atualmente, é professor de Artes Visuais na PUC-MG, em Belo Horizonte, e faz HQs de forma independente, a exemplo da webcomic autoral Samurai Boy. Os alunos dele já conhecem a regra: não utilizar inteligência artificial em hipótese alguma.
Em entrevista ao Draft, Danilo fala sobre a preocupação com a disseminação desenfreada das plataformas e a expectativa de regulação:
Qual foi a primeira vez em que você se deu conta do impacto da Inteligência Artificial na sua área?
Eu tinha o hábito de desabafar no Facebook sobre alguns hábitos dos alunos, porque costumava identificar plágio em alguns trabalhos deles. No final de 2022, comentei sobre isso com um amigo, que me disse: “Agora, com o ChatGPT, não vai dar para pegar [plágio] mais, não…”. A ficha da gravidade da situação caiu.
De lá para cá, minha preocupação foi aumentando, comecei a pesquisar mais. Naquela época começaram a aparecer plataformas de IA generativa, para geração de imagem, que já eram capazes de oferecer alguma precisão.
Vi que se tratava de plágio em larga escala, com dados utilizados de maneira não consensual. Então, tive o seguinte insight: no ritmo em que essas plataformas estão indo, vamos chegar a um ponto em que todo conteúdo disponível será gerado artificialmente
Quando voltei da CCXP, produzi uma ilustração em que um artista, “armado” com caneta de um lado e uma pena do outro, vai enfrentar uma máquina muito mais poderosa que ele.
Em 2023, recebi o convite para participar de uma coletânea da Casa dos Quadrinhos, para desenhar histórias inspiradas em músicas de artistas mineiros. Eu precisava ilustrar a partir da música “Machines Must Die”, do DJ Anderson Noise, cujo videoclipe mostra o próprio Anderson de capacete, com um porrete. Escrevi uma HQ inspirado por essa luta contra as máquinas.
Fala-se muito no uso de IA como forma de otimizar o tempo, na medida em que os softwares dão suporte para automatizar tarefas repetitivas. O que você pensa sobre isso?
Considero essa tal economia de tempo algo ilusório, porque, para produzir alguma coisa que, de fato, seja de algo nível, você tem que interferir tanto que seria melhor fazer do zero.
Do ponto de vista das imagens, tenho contato com colegas de profissão que já trabalharam recebendo briefings que pediam para usar chatbots, mas eles perdiam muito tempo ajustando os resultados.
Se o cara já não for ilustrador, ele não vai conseguir adaptar a imagem ao que o diretor de arte está mandando – e se ele já for ilustrador, nem precisa da IA, para começo de conversa
É muito sedutor, parece bom, mas quem tem uma percepção mais crítica percebe as limitações. E quem está iniciando na carreira usa isso como muleta.
Penso também que seja uma ilusão achar que trabalhar com IA vai te transformar num profissional do século 21.
Você tem sido afetado, na prática, em seu trabalho como ilustrador? Percebe, por exemplo, prejuízo como tentativa de diminuir seu orçamento, ou mesmo falta de trabalho?
Estou em um momento privilegiado da minha atividade profissional, graças à reputação que consegui construir, com clientes que levam a arte realmente a sério.
Já tem alguns anos, muito antes do ChatGPT, que eu não dependo da atuação como freelancer para sobreviver, mas tenho consciência de que a maioria dos artistas não pode se dar esse luxo. Tenho colegas que estão, sim, perdendo oportunidades, até mesmo de estágio
Sou muito entusiasta de que a regulação virá. Tivemos a greve dos roteiristas nos Estados Unidos, na qual eles conseguiram regulamentar o uso de IA pelos estúdios. Acredito que algo semelhante possa acontecer por aqui.
Ainda falando em regulação: no seu manifesto, você escreveu sobre a importância de haver um “sistema de rótulo”. Como seria isso?
Estamos às portas de uma eleição municipal em que o uso de IA está totalmente popularizado.
Até pouco tempo, se alguém quisesse fazer deepfake, por exemplo, precisaria ter uma habilidade danada. Hoje em dia, qualquer pessoa consegue fazer, de forma indistinguível.
As empresas por trás dessas plataformas precisam ser responsabilizadas; e, nós, cidadãos, temos o direito de saber quando estivermos diante de um conteúdo produzido por IA
É importante que haja um aviso, uma espécie de selo, o que chamamos de “sistema de rótulo”.
E qual sua visão sobre tudo isso a partir da perspectiva de professor, que traz, naturalmente, uma preocupação com o processo cognitivo dos alunos?
Não permito que meus alunos utilizem chatbots para fazer os trabalhos que eu passo.
O raciocínio é o seguinte: imagina que você tem 1 ano de idade e está aprendendo a andar. Se eu te colocar numa cadeira de rodas que consegue controlar seu cérebro – onde você pensar em ir, ela te leva –, você não vai precisar aprender a dar passos por contra própria. Provavelmente, quando você tiver 3, 4 anos e quiser levantar-se da cadeira para correr, não será possível…
Principalmente na comunicação, usamos muito a capacidade criativa, inspiração, intelecto… Quando a gente ainda está aprendendo, não tem discernimento, nem habilidade técnica para produzir o que gostaria. Mas [adquirir] esse discernimento faz parte do processo de aprendizagem.
Você acha que pode vir a existir, na contramão dessas tecnologias, um apreço maior pelo que é artesanal?
Acho que pode – até espero que ocorra –, mas não há qualquer garantia de que isso ocorra.
Dado o contexto atual, vejo como tendência que os artistas que vão prosperar serão aqueles que têm uma voz mais autônoma, que se conectam de maneira mais particular com sua audiência e que fazem personagens exclusivos, mesmo que sejam feitos digitalmente
Felizmente, eles não disputam os mesmos espaços que a IA.
Em vez de indígenas brasileiros, imagens inspiradas por nativos norte-americanos: foi o que o publicitário Rodrigo Esteves recebeu ao usar o Midjourney. Ele então criou uma campanha para levar diversidade à inteligência artificial.
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