A ONG Imagina nasce do projeto Imagina na Copa, para fomentar a transformação de pessoas e organizações

Adriano Silva - 27 out 2014Fernanda, Tiago, Mari Ribeiro e Mari Campa, da ONG Imagina: “Nós quase falimos três vezes em dois anos. Aprendemos a encarar as dificuldades com leveza e praticidade. Precisamos de grana? Então vamos atrás. Sem drama”
Fernanda, Tiago, Mari Ribeiro e Mari Campa, da ONG Imagina: “Nós quase falimos três vezes em dois anos. Aprendemos a encarar as dificuldades com leveza e praticidade. Precisamos de grana? Então vamos atrás. Sem drama”
Adriano Silva - 27 out 2014
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Você lembra: à medida que a Copa do Mundo se aproximava, o sentimento do brasileiro em relação ao evento era cada vez mais negativo. Havia muita desconfiança em relação às reais condições do Brasil de sediar a Copa de 2014. Tanto do ponto de vista da competência técnica quando da discussão de prioridades em relação aos recursos que seriam investidos para cumprir a lista de exigências da Fifa.

(Para você saber: foram investidos por volta de 28 bilhões de reais na Copa do Mundo no Brasil. Cerca de um terço do valor das obras, 8,7 bilhões de reais, foram financiados por bancos federais. Além disso, as obras consumiram 6,5 bilhões do orçamento federal e 7,3 bilhões de governos estaduais e municipais. Apenas 5,6 bilhões de reais, ou 20% do total de gastos, vieram de recursos privados. Segundo o comitê organizador, dos 28 bi, 7,5 bilhões foram gastos em estádios, 8,9 bilhões com mobilidade urbana, 8,4 bilhões em aeroportos e 1,9 bilhão com segurança. O resto foi investido em desenvolvimento turístico, portos e telecomunicações.)

Talvez nunca em sua história o Brasil tenha ocupado posição de tamanha visibilidade no cenário mundial. E simplesmente não sabíamos como nos sairíamos. Havia o medo de um fracasso doméstico repercutir em escala global. A expressão “Imagina na Copa” ganhava corpo para pontuar o cinismo com que a maioria dos brasileiros encarava o choque entre as nossas ineficiências internas, em vários campos, e a luz dos holofotes internacionais que começavam a se voltar para o país já em 2013, com a realização da Copa das Confederações, evento teste para a Copa do Mundo.

As malas demoravam a chegar na esteira do aeroporto? “Imagina na Copa”. O metrô estava lotado? “Imagina na Copa”. Os preços subiam no supermercado, no restaurante, no estacionamento? “Imagina na Copa”.

UM NOVO SENTIDO PARA UM MEME AUTODEPRECIATIVO

Em maio de 2012, Mariana Ribeiro conversava sobre esse cenário num almoço com a amiga Fernanda Cabral, em São Paulo. “As pessoas estavam mobilizadas por aquela situação. Mas com a polaridade errada. A energia coletiva estava canalizada para reclamar e não para resolver”, diz Mariana. “Foi então que a Fernanda me fez a pergunta – ‘e se nós fizéssemos uma chamada à ação que invertesse essa carga negativa e trouxesse o foco das pessoas para a construção de soluções?’”.

“Digo para quem tem um projeto: execute logo. O tempo não simplifica nada. As ideias crescem muito no papel. Comece hoje, pequeno, e cresça o empreendimento depois, aprendendo e adaptando no caminho”

Mariana, jornalista, carioca, e Fernanda, publicitária, mineira, ambas com 26 anos à época, trabalhavam no Itaú. As duas tinham entrado no disputado curso de trainees do banco, em 2009. Fernanda trabalhava na área de Inovação e Mariana, na área de Marca do banco. “Nós nos apaixonamos pela ideia. Passamos a nos encontrar regularmente para discutir o projeto, cujo primeiro nome foi ‘Nosso 2014’”, diz Mariana. “Aí nos ocorreu usar a mesma frase que as pessoas usavam para reclamar, só que com um sentido novo. Criamos um grupo no Facebook. Foi como o Imagina na Copa começou”.

Este vídeo conta bem a história do projeto.

TROCANDO DE ROUPA E CAINDO DENTRO

Fernanda e Mariana estavam se preparando para fazer um curso de especialização em Inovação, de seis semanas, em Nova York. Um curso de design aplicado à mudança social na School of Visual Arts. Era julho de 2012. Fernanda pediu uma licença, Mariana tirou férias e as duas viajaram juntas para lá. “No dia em que voltamos, pedimos demissão. Ficamos negando essa decisão por muito tempo. Íamos tocando o Imagina na Copa como um projeto paralelo. Tínhamos medo de sair de nossas cadeiras corporativas, de ficar sem dinheiro”, diz Mariana.

“Não havia em mim uma negação do mundo corporativo. Mas eu não encontrava ali espaço para realizar as transformações que estavam me movendo internamente. Sempre acreditei no poder das grandes marcas para construir o mundo que queremos, com a velocidade que precisamos”, diz Mariana.

Martin Kace, professor de branding do curso em Nova York, um dia lhes disse que, como projeto paralelo, o Imagina na Copa não teria impacto. “Ele foi um cara muito importante no nosso processo de decisão. E acabou morrendo pouco tempo depois”, diz Mariana.

“Aprendi também que empreender não é para todo mundo. Até porque dá para inovar dentro do mundo corporativo, a partir de um emprego. Abrir uma empresa não é o único caminho para deixar sua marca no mundo”

A decisão de Fernanda e Mariana de mergulhar de cabeça no projeto fez com que em 29 de agosto elas inaugurassem uma campanha no Catarse. Pediram 20 mil reais para o projeto. Arrecadaram 25 560 reais, com mais de 300 apoiadores. Com esses recursos, se dedicaram a produzir o site e a estruturar a metodologia da oficina que passaram a ministrar – “Cocriação de projetos transformadores”. A oficina foi reproduzida às dezenas, Brasil afora, do Hub Curitiba à Escola do Olodum em Salvador à AIESEC (Association Internationale des Étudiants En Sciences Économiques et Commerciales, instituição internacional dedicada a promover o empreendedorismo entre jovens), em São Paulo.

Mariana Campanatti, hoje com 27, publicitária, trabalhava na Loducca quando Fernanda e Mariana voltaram de Nova York com o Imagina na Copa na bagagem. E Tiago Pereira, hoje com 31, cientista social, tinha pedido demissão da HDI Seguros um ano antes e retornava de um curso de cinema, também realizado em Nova York. Os dois se juntariam ao projeto naquele segundo semestre de 2012.

18 MESES DE MUITO TRABALHO E TRANSFORMAÇÃO

Este é o vídeo de estreia do Imagina na Copa, que funcionou como cartão de visitas para o projeto, que nasceu com esse desiderato: “nosso trabalho é divulgar iniciativas reais que ajudam a vida das pessoas e também reunir e organizar gente que está a fim de construir um país melhor”.

O Imagina na Copa guiou sua atuação por algumas premissas:

1. Transformação social depende de atitude. É preciso começar a fazer, não basta falar.
2. É possível construir projetos de impacto social sustentáveis no Brasil.
3. Nossa missão é ajudar os projetos a contar suas próprias histórias e a ganhar mais visibilidade.
4. A transformação não acontece só nas capitais. Há projetos incríveis acontecendo em todo país, em várias áreas.

O Imagina na Copa foi estruturado em três frentes de atuação :

1. Histórias

O Imagina na Copa produziu 75 vídeos em 27 Estados, enfocando as iniciativas inovadoras que os quatro sócios iam garimpando Brasil afora.

Como a história do Atados, de São Paulo, uma rede que facilita o voluntariado. “Foi ali que encontramos a Márcia, a primeira vez que alguém nos contou que estava em algum lugar por nossa causa. Abraçamos ela na hora. Aquilo nos deu muita força”, diz Mariana.

O projeto gerou um vídeo em formato diferenciado e que foi especialmente bem-sucedido, o Documento Imagina – Rolezinhos, que tem sido apresentado em vários festivais de documentários pelo mundo.

Os quatro sócios da Imagina, na gravação de um vídeo para o projeto Imagina na Copa. “Estávamos começando e naquele dia encontramos a Márcia (ao centro, na foto), a primeira pessoa que nos contou que estava em algum lugar por nossa causa. Aquilo nos deu muita força para continuar”

Os quatro sócios da ONG Imagina, na gravação de um vídeo para o projeto Imagina na Copa. “Estávamos começando e naquele dia encontramos a Márcia (ao centro, na foto), a primeira pessoa que nos contou que estava em algum lugar por nossa causa. Aquilo nos deu muita força para continuar”

2. Missões

Foram 19 chamadas públicas, “convocações para colocar a galera na rua e promover uma mudança na vida da cidade e das pessoas, de forma rápida, coletiva e divertida”. Desde sinalizar pontos de ônibus em Porto Alegre até “adotar um sedentário” – fazer com aquele amigo que só trabalha com a cabeça, e não mexe o corpo, saísse da cadeira por algumas horas.

3. Mobilização

A ideia era criar “workshops presenciais com dinâmicas e exercícios para ajudar a galera a identificar causas e cocriar projetos”. Foram mais de 600 oficinas independentes realizadas por 80 capitães que se conectaram de modo voluntário ao projeto. “Fizemos a primeira chamada em abril de 2013 e tivemos uma turma inicial de 40 pessoas”, diz Mariana. As pessoas possam podiam baixar o “tool kit” das oficinas diretamente no site.

Mariana reflete sobre o momento histórico em que o Imagina na Copa surgiu. “É incrível o que aconteceu em termos de mobilização social nesses últimos dois anos. Em 2013, os jovens, em âmbito nacional, despertaram para transformar o Brasil num país mais bacana e para o exercício político da cidadania. Foi um marco”, diz. “Isso ainda não se transformou em ação. Mas demos um salto de empoderamento, saímos da imobilidade, deixamos de terceirizar nossas responsabilidades”.

IMAGINA DEPOIS DA COPA

Finda a Copa, depois de um ano e meio de trabalho intenso, os quatro sócios se deram férias. E passaram a projetar como seria a vida dali para a frente.

“Avaliamos nossa trajetória até aqui. O Imagina na Copa sempre teve data para acabar. Já estava claro para gente que éramos mais do que um projeto em torno da Copa, que éramos o ‘Imagina’”, diz Mariana. “Continuamos unidos pelo propósito de ativar o potencial transformador de pessoas e organizações. Optamos por nos organizar num formato de coletivo. Isso significa termos projetos conjuntos, dos quatro, como o livro que estamos escrevendo sobre a experiência e as aprendizagens do Imagina na Copa. Mas significa também termos projetos individuais, com outros grupos, em dupla, em outros formatos”.

O Imagina na Copa se encerra com 36 mil fãs no Facebook, mais de 330 mil visualizações dos vídeos publicados no You Tube e 300 menções na mídia. E dá à luz à ONG Imagina, uma associação fundada pelos quatro sócios. O Imagina.vc será o novo site do Imagina, a estrear em breve.

“Uma coisa muito bacana sobre empreender é a liberdade que você tem de ser você mesmo. E de ver o impacto positivo que pode causar no mundo”

“Temos sido chamados para fazer palestras, oficinas e vídeos. As pessoas – e as organizações – enxergam em nós a capacidade de ajudá-las em seus esforços de transformação. Talvez a gente nunca venha a definir exatamente o que o Imagina faz, porque a gente se diverte muito descobrindo o que as pessoas acreditam que a gente é capaz de fazer”, diz Mariana.

AS DORES E AS DELÍCIAS DA VIDA SEM CRACHÁ NEM HOLERITE

A trajetória bem sucedida do Imagina não aconteceu sem percalços. “Nós falimos três vezes em dois anos. Aprendemos a encarar essas quase bancarrotas com leveza e praticidade. Precisamos de grana? Então vamos atrás. Sem drama”, diz Mariana. “Tivemos que adaptar nossas vidas ao faturamento que tínhamos condição de gerar. Ficamos um ano sem receber. Eu tirei dinheiro do bolso muitas vezes”.

Ainda sobre a questão vital (literalmente) da sobrevivência nos primeiros meses do empreendimento. “No começo, fizemos frilas. As doações no site (via Moip) não foram significativas – exceto no final do ano passado, quando solicitamos ajuda para realizar os três últimos vídeos do projeto”, diz Mariana. “Conseguimos viver do Imagina na Copa, e trabalhar com dedicação exclusiva, somente quando fechamos os apoios com o Instituto Asas, da Red Bull, com a Fundação Telefônica, e com a Gol, que forneceu as passagens aéreas para nossas viagens pelo Brasil, para conhecer projetos e fazer os vídeos”.

Vida nova, logotipo novo: nasce a ONG Imagina

Vida nova, logotipo novo: nasce a ONG Imagina

O Imagina na Copa operou em home office e no ImpactHub. Os custos do projeto equivaliam aos custos pessoais dos sócios e a alguns gastos administrativos e de produção. “Uma coisa muito bacana sobre empreender é a liberdade que você tem de ser você mesmo. E de ver o impacto positivo que pode causar no mundo. Hoje não cogito uma volta a uma carreira corporativa”, diz Mariana.

Mariana reflete sobre a sua imersão no empreendimento. “Nós tivemos muito medo. Um medo natural de quem está começando. A gente fez quase tudo pela primeira vez. Vimos o tamanho do sonho e das dificuldades que teríamos para realizá-lo. Eu não sabia fazer captação de recursos, por exemplo. A gente se cobrou muito. Se pudesse voltar, me levaria menos a sério. E confiaria mais na minha rede de contatos”, diz.

“Meu discurso sobre empreender hoje é menos romântico. Ao mesmo tempo, digo para quem quiser fazer algo: faça logo. O tempo não simplifica nada. O projeto cresce muito no papel”, diz Mariana. “Comece hoje, pequeno, e cresça o empreendimento depois, aprendendo e adaptando no caminho. Planejar demais faz surgir um elefante na sala. Depois ele não passa pela porta”.

E completa: “Aprendi também que empreender não é para todo mundo. Até porque dá para inovar dentro do mundo corporativo, a partir de um emprego. Abrir uma empresa não é o único caminho para deixar sua marca no mundo”.

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