A Plataforma Verde é o primeiro software do mundo a usar blockchain para a gestão de resíduos industriais

Marília Marasciulo - 10 set 2018
Chicko Sousa conta como o sistema permite às empresas controlarem desde a geração até o destino final do lixo, além de rastrear e inibir a criação de aterros irregulares.
Marília Marasciulo - 10 set 2018
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Como todo bom português, Chicko Sousa, 39, natural de Tomar e radicado no Brasil desde os seis anos, adora contar causos e histórias. Entre as favoritas, repete a brincadeira de como se tornou engenheiro e lixeiro, meio a contragosto da mãe. É que Chicko, formado em engenharia mecânica, criou a Plataforma Verde, uma ferramenta de gestão de todas as etapas do descarte de resíduos industriais no modelo SaaS, criada a partir de uma estrutura blockchain (a primeira não-financeira do mercado). “Quando era pequeno, minha mãe, que era professora de francês, me levava para a frente do CEFET (Centro Federal de Educação Tecnológica) de Curitiba e me dizia: ‘Você tem que estudar para virar engenheiro, senão vai virar lixeiro’”, conta.

O fundador começou a carreira jovem, trabalhando na fábrica da Volvo na capital paranaense. Aos 19 anos, parecia estar “com a vida ganha”. Trabalhava na empresa que queria, havia sido promovido recentemente e tinha acabado de voltar de uma temporada na Suécia. Mesmo assim, não se sentia satisfeito. “Sempre quis inventar coisas e, por mais que gostasse do meu trabalho, ele não me permitia inventar nada”, afirma. Quando a empresa lhe apresentou um plano de carreira até os 35 anos, ele ficou ainda mais inquieto. Por isso, com 24, topou o desafio da proposta de criar o braço de reciclagem de plástico de uma recicladora de papéis já estabelecida e gerida por conhecidos da família. O empreendedor fala mais a respeito:

“Não conhecia nada sobre reciclagem e iria ganhar 30% a menos, mas senti que era a escolha certa a fazer”

Durante o ano seguinte, ele viajou mundo afora para conhecer e ver de perto como outros países faziam a gestão da reciclagem de plástico. Naquela época, década de 1990, vale destacar, o popular benchmark ainda não era algo muito comum. “O que hoje é entendido como benchmark, antes era visto como concorrência”, diz. “Mas a gente entendia que não adiantava fazer o que os outros estão fazendo, tem que fazer melhor.”

Ele voltou ao Brasil com o conhecimento necessário e um cheque em branco para erguer a recicladora de plásticos da empresa. E, de fato, fez tudo, menos por um detalhe, que se transformou em outro causo: esqueceu que o local precisaria de um banheiro para os funcionários. Brincadeiras à parte, foram dois anos tocando a recicladora, até que a empresa pediu que ele criasse unidades de gerenciamento de outros resíduos: madeira, lodo etc.

QUANDO ELE PERCEBEU QUE PODERIA DIGITALIZAR O LIXO

Aqui, cabem parênteses importantes: os resíduos industriais têm valor de commodity e existem empresas dedicadas a comprar e prestar serviço para indústrias. Parece um modelo “Frankenstein” se pensarmos que há leis ambientais que exigem que toda fábrica descarte seus resíduos de forma adequada, então, de certa forma ela já teria que pagar de qualquer forma pelo serviço. Entretanto, o processo de reciclagem é um grande negócio que transforma o subproduto em novos produtos. Os resíduos não ferrosos, por exemplo, como alumínio e cobre, têm entre 70 a 85% do valor da matéria-prima. E, no Brasil, é mais barato comprar plástico reciclado do que plástico virgem.

As funcionalidades da Plataforma Verde podem ser acessadas em qualquer tipo de dispositivo (smartphone, tablet, notebook e desktop).

Não estamos falando do resíduo produzido por nós, cidadãos comuns. Mas isso também não significa que não precisamos reduzir a produção de lixo ou deixar de reciclar. Porque, no nosso caso, o negócio é pouco lucrativo e quase não há interesse das empresas em transformar o que produzimos. O trabalho de Chicko era (e é) lidar com o lixo em uma escala industrial.

E foi o que ele fez até 2013, gerenciando as 13 unidades recicladoras da empresa. As viagens constantes e o nascimento da filha o fizeram repensar o rumo da carreira e ele resolveu sair para buscar um novo projeto. Foi quando concessionárias de gestão urbana, que recebem o material de coleta seletiva e separam (aí sim, o nosso lixo) pediram sua ajuda para fazer a gestão das cooperativas responsáveis por reciclar esses resíduos. E ele percebeu que a demanda delas provavelmente seria a mesma de outras empresas: uma ferramenta que fizesse esse controle de forma eletrônica, eliminando intermediários, agilizando o processo e “digitalizando o lixo”.

DA FASE DE TESTES AO PRIMEIRO CLIENTE

Chicko passou o ano seguinte, 2014, criando o software da Plataforma Verde. Em 2015, com um MVP em mãos, apresentou a proposta à Renault, uma das maiores geradoras de resíduos do Paraná, que topou pilotar a ferramenta como teste — o momento era oportuno, visto que a montadora planejava internalizar o processo.

Durante sete meses, praticamente desenvolveram o produto juntos, sem relação comercial, adaptando e customizando os módulos. “Nós aplicamos as novidades da indústria 4.0 na gestão de resíduo muito antes de ela começar a ser usada na fabricação dos nossos carros”, diz Rafael Mattos, supervisor de meio-ambiente da montadora.

Juliana Amato, Chicko Sousa, William Gerst, Tatiana Beal, Mica e Eli Araújo: parte da equipe da Plataforma Verde participa de uma reunião de briefing na empresa.

A automatização do processo concentrou a gestão em uma só pessoa, que alimenta as informações diretamente na Plataforma Verde e pode customizá-la conforme a necessidade, além de acompanhar tudo online diretamente em um site.

Rafael conta: “Antes, esperávamos um mês para saber que tínhamos gerado excesso de resíduos, agora é possível identificar desvios na hora e já averiguar na produção o que está acontecendo”.

A adoção do sistema fez a balança melhorar 300% — quando uma empresa envia um resíduo para o descarte, ela não deixa de ser responsável por ele. É tudo controlado, passo a passo, por órgãos fiscalizadores. Eles dão uma licença à fábrica para o envio de uma quantidade pré-determinada de resíduos e isso é confirmado com as cooperativas responsáveis pela reciclagem. Quase como em um imposto de renda. Se a fábrica disse que enviou uma tonelada de plástico em um mês, mas a cooperativa afirma que recebeu duas, pode significar que houve desvios. As consequências vão de multas até o embargo total da produção.

A Plataforma Verde controla todas essas etapas, tende em vista desde quem gera até quem recebe os resíduos, incluindo todos os intermediários, como os responsáveis pelo transporte. Entre os módulos, estão ferramentas para acompanhar a validade de todas as licenças exigidas pela legislação, rastrear e inibir criação de aterros irregulares, pontos de descartes viciados, destinos não licenciados, entre outros.

COM O RECONHECIMENTO INTERNACIONAL, ELE QUIS RETRIBUIR OS GANHOS

A experiência bem-sucedida na Renault e a estratégia adotada pela Plataforma Verde para expandir, baseada em um modelo de indicação em que uma empresa usuária convida outra para entrar na Plataforma, fizeram a empresa de Chicko crescer rapidamente.

Logo no primeiro mês, conseguiu 20 clientes e, em agosto de 2016, se estabeleceu como uma empresa independente. Atualmente, são cerca de 1 500 clientes (entre eles, Lojas Riachuelo, Estre, Solví e Eurofarma), que pagam mensalidades que variam de 249 a 2.499 reais, conforme as funcionalidades contratadas — são mais de 580. O faturamento, atualmente, é de 120 mil reais por mês, em média.

“Sou avesso ao empreendedorismo de palco, então apostei em um modelo ‘self-made’, meio invisível, sem fazer barulho”, diz Chicko. “Queria ter algo de fato antes de sair dizendo o que tinha, até porque me achava muito pequeno para fazer isso.” Ele conta que  investiu cerca de 400 mil reais de economias pessoais para criar o MVP e começar a rodar a empresa, superando as adversidades no caminho:

“No início do negócio, foi um desafio bem grande não só pela questão financeira, mas por não ter alguém para quem pedir orientação”

Hoje, são 22 pessoas na equipe, que ficam na sede em São Paulo. O maior aprendizado, na visão dele, foi não ter se apaixonado cegamente pelo produto e encontrar pessoas que o criticassem, justamente para melhorá-lo. Um ano e meio depois da criação, a Plataforma Verde não só é viável e rentável para seu criador, como reconhecido internacionalmente por sua tecnologia inovadora. Em julho deste ano, recebeu o prêmio “Pioneiros da Tecnologia”, do Fórum Econômico Mundial.

Com o crescimento e sucesso da empresa, tornou-se possível retribuir à sociedade (e a quem, de certa forma, plantou a sementinha da ideia em Chicko). Hoje, ele doa licenças da ferramenta para municípios com mais de 500 mil habitantes para que possam fazer a fiscalização da sua gestão de resíduos, completando o ciclo da cadeia. Como é de sua natureza brincalhona, o empreendedor diz que as previsões de sua mãe sobre sua profissão, engenheiro ou lixeiro, não se concretizaram da maneira como ela esperava: “Hoje tenho orgulho em dizer que o caminho me levou a exercer os dois papéis.”

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Plataforma Verde
  • O que faz: Plataforma de gerenciamento de lixo via blockchain
  • Sócio(s): Chicko Sousa
  • Funcionários: 22
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2014
  • Investimento inicial: R$ 400.000
  • Faturamento: 120.000 por mês, em média.
  • Contato: [email protected]
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