A reciclagem não vai dar conta do problema do plástico. A solução da Oeko: milho e mandioca como matéria-prima

Alessandra Nahra - 18 nov 2019
João Carlos de Godoy Moreira, fundador da Oeko Bioplásticos.
Alessandra Nahra - 18 nov 2019
COMPARTILHE

O aquecimento global ainda não entrou na agenda de muitos setores industriais com a urgência que os cientistas julgam necessária. Porém, o empreendedor João Carlos de Godoy Moreira, 55, resolveu encarar a realidade. Ele criou um negócio que busca minimizar a poluição e a emissão de gases de efeito estufa relacionadas à produção e descarte do plástico de origem fóssil.

Em 2014, o engenheiro de materiais fundou a Oeko Bioplásticos, que fabrica copos, canudos, sacos e sacolinhas de plástico a partir de fontes renováveis, como mandioca e milho. Os produtos podem ser biodegradados por meio da compostagem ou biodigestão.

A motivação do empreendedor surgiu da percepção de que, cedo ou tarde, as indústrias terão de se adaptar aos novos tempos do planeta.

“O plástico de fonte fóssil tem um enorme impacto ambiental desde a extração do petróleo, e a reciclagem não resolve a questão do descarte. A Oeko está baseada em uma tendência irreversível. Não existe outro caminho que não seja a indústria petroquímica investir em materiais biobased

Segundo o empreendedor, para se produzir um quilo de PET são emitidos 5,8 quilos de dióxido de carbono (CO2). “Para o propileno, são emitidos 3,8 quilos, se for produzido no Brasil, com uma matriz renovável de energia”, diz João. “Na China as emissões dobram, porque a matriz energética deles lança mais carbono na atmosfera. Já o polietileno obtido de fonte renovável sequestra carbono, porque as plantas absorvem CO2 para crescer.”

COMO MANDIOCA E MILHO VIRAM PLÁSTICO

A fermentação da mandioca e do milho geram moléculas que podem ser polimerizadas, se tornando uma cadeia. Da mesma maneira que polietileno, PVC, polipropileno e PET são polímeros gerados a partir de monômeros do petróleo. “Os derivado de biomassa têm a mesma trajetória do polímero de petróleo”, explica João. O resultado, porém, são os biopolímeros — como PLA, PBS, PHA, PHB.

“É uma nova classe de materiais. Nossa expertise é modificá-los para que sejam processados nos mesmos equipamentos de transformação de plástico convencional”

Em 2018, a Oeko faturou R$ 850 mil. O mercado principal são grande empresas geradoras de resíduos, que devem, por lei, dar a eles a destinação correta. São restaurantes, cozinhas industriais, indústria e varejo alimentício, praças de alimentação de shoppings, hospitais, aeroportos. Empreendimentos que já fazem a segregação dos resíduos orgânicos. Principalmente as multinacionais, afirma João, por determinação das matrizes.

“Já é muito corrente na indústria o slogan zero landfill, aterro zero. As empresas têm que conseguir promover a destinação correta e o reprocesso, a recuperação dos resíduos de alguma maneira”.

O PRIMEIRO NEGÓCIO FOI VENDIDO PARA UMA ANTIGA SUBSIDIÁRIA DA GE

João Carlos se formou na UFSCar em 1990, e começou a empreender ainda na universidade, fundando a MIXCIM Plásticos de Engenharia Ltda, uma empresa de engenharia de materiais com foco em plásticos para aplicações técnicas da indústria automobilística e eletroeletrônica. Em 2002, a MIXCIM foi vendida para a GE Plastics (antiga subsidiária da General Electric que, em 2007, foi adquirida pela saudita SABIC).

João permaneceu como diretor da empresa, mas tirou um ano sabático para estudar os bioplásticos. Participou de congressos internacionais sobre o tema, estreitou laços com o meio acadêmico e centros de pesquisa, e em 2005 criou um novo negócio, a Biomimetic Ecomateriais, com o objetivo de produzir e vender bioplástico para empresas que fabricam produtos. “Mas estávamos adiantados para o mercado”, lembra.

Segundo ele, ainda não havia transformadores utilizando bioplástico.

“A indústria de transformação não tinha interesse. São até hoje muito receosos. É uma pena essa falta de visão. A reciclagem não vai dar conta do problema do plástico”

Na falta de visão da indústria João enxergou uma oportunidade. Em 2013, ele redesenhou a Biomimetic, dando origem à Oeko, com foco em fabricar o produto acabado, e não apenas o material. O investimento inicial foi de cerca de R$ 1,8 milhão entre o primeiro e o terceiro ano, quando a empresa atingiu o ponto de equilíbrio.

O BAIXO CUSTO DO PRODUTO CONVENCIONAL ATRASA A ADOÇÃO DO BIOPLÁSTICO

Segundo João, não existem muitas barreiras para a indústria mudar do plástico convencional para o bioplástico, já que o parque industrial pode ser o mesmo. Mas o baixo preço do plástico de fonte fóssil atrasa a adoção da versão biobased.

A maior parte dos plásticos é produzida com subprodutos da cadeia do petróleo — diesel e gasolina — e portanto são muito subsidiados. O mercado, diz o empreendedor, é muito competitivo, com margem pequena, e o advento desses novos materiais muda a questão do preço.

“Os bioplásticos apareceram como alternativa, mas com custo cinco a oito vezes mais alto que o plástico convencional. Porém, o custo ambiental de produção e de fechamento do ciclo de vida do plástico não contabiliza os impactos ambientais acumulados ao longo da cadeia”

Ou seja: a conta, se fosse feita como deveria, não iria fechar. “Não há perspectiva, mesmo com o ganho de escala que vem sendo conquistado globalmente, de redução de custos do bioplástico, justamente por causa dessa relação injusta com os derivados de petróleo.”

A OPÇÃO POR BIOPLÁSTICOS COMPOSTÁVEIS DETERMINOU A SEDE DA EMPRESA

No Brasil, segundo João, de 45% a 55% do que chamamos de lixo são resíduos orgânicos — restos de comida, cascas, talos, material verde, plantas, madeira, toalhas de papel — que poderiam ser compostados, mas vão para o aterro sanitário e viram gás metano, o principal agente do efeito estufa. “Quando a gente tira o resíduo orgânico do aterro estamos mitigando o efeito mais agressivo para a mudança climática”.

A decisão de trabalhar com bioplásticos compostáveis acabou fazendo João trocar São Carlos por Florianópolis, onde fica a sede da Oeko.

“Houve a necessidade de criar mercado para os produtos. Florianópolis era o único lugar do Brasil onde a compostagem estava desenvolvida em nível comunitário e em grandes geradores”

A capital catarinense tem um projeto de compostagem comunitária premiado internacionalmente, a Revolução dos Baldinhos; e em setembro de 2019 a cidade aprovou uma lei que determina que grandes geradores devem separar resíduos orgânicos para compostagem.

“Em 2014 já havia aqui empresas de compostagem e coleta seletiva de resíduos orgânicos. De lá pra cá isso evoluiu muito no Brasil, mas ainda assim temos no país pouco mais de 60 empresas com o CNAE de usina de compostagem. Nos Estados Unidos há 4 733. A Áustria, que é menor do que Santa Catarina, tem 479.”

AS EMPRESAS DE COMPOSTAGEM HOJE SÓ DÃO CONTA DE 1% DOS RESÍDUOS

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (instituída pela lei 12.305/10) prevê que os grande geradores têm que se responsabilizar e dar destinação correta para cada tipo de resíduo. Entretanto, segundo João, ainda são poucas as empresas especializadas na coleta desses resíduos.

“A capacidade das empresas de compostagem em operação hoje é de menos de 1% dos resíduos orgânicos gerados no Brasil diariamente. Se todo mundo seguisse a lei não haveria empresas de compostagem suficientes”

Para que o resíduo orgânico seja compostado, é necessário que haja separação em três frações, na fonte: os recicláveis, os orgânicos e os rejeitos. Mas na maioria das cidades do Brasil em que há esse esforço, o resíduo é separado e coletado em apenas duas frações: recicláveis e rejeito (enviado a aterros sanitários).

“As pessoas pensam que coleta seletiva é somente reciclagem, as cidades estão montadas em coleta seletiva em duas frações. E no orgânico está tudo misturado. Isso deseduca as pessoas”, diz João. “Se a coleta seletiva no Brasil tivesse começado pelos os compostáveis, a gente já tinha resolvido o problema dos recicláveis.”

CANUDINHOS E SACOLAS EM GERAL SE DECOMPÕEM NOS PRIMEIROS 30 DIAS

No varejo, um pacote de 250 canudinhos da Oeko custa cerca de R$ 38. Cem unidades de sacolas de bioplástico (de 30 x 40 cm) saem por R$ 86. Os produtos são compostáveis em sistemas domésticos, comunitários e industriais, desde que seja no método de compostagem termofílica — e não por vermicompostagem, os chamados minhocários.

“Quando falamos que um material é biodegradável, temos que especificar em que tempo e em que meio ele é biodegradável. O plástico de petróleo também é biodegradável, mas em 400 anos — e vai causar muitos problemas perambulando por esse tempo no planeta. O tempo de biodegradação precisa ser curto”

Na compostagem, fungos e bactérias transformam a matéria orgânica em adubo em cerca de 75 a 180 dias, de acordo com João. “Nossos produtos geralmente se decompõem nos primeiros 30 dias — mais rápido do que uma casca de laranja.”

A compostagem é um processo que pode ser realizado em casa ou de maneira comunitária — e também é uma indústria de saneamento e de fertilizantes orgânicos. Por meio da compostagem, carbono e nutrientes são devolvidos ao solo.

“Os resíduos orgânicos não fazem parte da cadeia do lixo, eles fazem parte da cadeia dos alimentos. Não podemos mais desperdiçar os resíduos urbanos, que são muito ricos para a produção de um adubo de qualidade”.

 

DRAFT CARD

  • Projeto: Oeko
  • O que faz: Fabrica produtos de plástico a partir de fontes renováveis, como mandioca e milho.
  • Sócio(s): João Carlos de Godoy Moreira
  • Funcionários: 6
  • Sede: Florianópolis
  • Início das atividades: 2014
  • Investimento inicial: R$ 1,8 milhão (nos três primeiros anos)
  • Faturamento: R$ 850 mil (2018)
  • Contato: [email protected]
COMPARTILHE

Confira Também: