• LOGO_DRAFTERS_NEGATIVO
  • VBT_LOGO_NEGATIVO
  • Logo

Como uma startup usa dados e IA para ajudar supermercados a prever a demanda e reduzir o desperdício de alimentos

Marília Marasciulo - 7 ago 2025
Os fundadores da Aravita: Aline Azevedo, Marco Perlman e Bruno Schrappe.
Marília Marasciulo - 7 ago 2025
COMPARTILHAR

O economista e engenheiro industrial paulistano Marco Perlman, 51, cresceu com uma regra: não jogar alimentos fora.

“Tinha uma época em que minha mãe me obrigava a ficar na mesa até acabar a refeição. Depois, eu até podia levantar, mas o prato ficava, e não vinha outro até eu terminar”, afirma. “A ideia de que comida não se joga fora era muito forte.”

Foi essa memória familiar que o levou a criar a Aravita, que usa dados e inteligência artificial para garantir que os supermercados comprem exatamente o que vão vender — com foco nos alimentos frescos, como frutas, legumes e verduras. CEO da startup, Marco afirma:

“Essa é uma das maiores dores dos supermercados: entre metade e dois terços dos alimentos desperdiçados são frescos. Produtos que não têm código de barra, não têm data de validade… A gente percebeu que ao otimizar essa parte para não sobrar, a gente também otimiza para não faltar, outra dor importante dos varejistas”

A Aravita foi fundada em 2022, ano em que, segundo a ONU, o setor de varejo descartou 131 milhões de toneladas de comida – o equivalente a 12% de todo o desperdício do mundo. À frente da empresa, além de Marco, estão o desenvolvedor Bruno Schrappe, 56, e a engenheira química Aline Azevedo, 31.

“Somos três sócios igualmente engajados pela causa e pela oportunidade, mas cada um com a sua história, com o seu conteúdo, com a sua experiência”, diz Marco. “Isso faz toda a diferença.”

Em 2023, a startup captou mais de 2,5 milhões de dólares em uma rodada liderada pelos fundos Qualcomm Ventures e 17Sigma, mirando expansão acelerada pelo Brasil e, futuramente, para mercados internacionais.

OPERANDO ATUALMENTE EM 30 LOJAS, O SISTEMA REDUZ 25% DO DESPERDÍCIO E 30% DAS RUPTURAS

Na prática, a Aravita criou uma plataforma SaaS baseada em dois modelos preditivos. Um prevê a demanda futura, analisando histórico de vendas, comportamento de compra, clima e outros fatores externos. 

O outro, mais curioso, “prevê o passado” — ou seja, tenta entender o que realmente aconteceu com o estoque, identificando produtos que foram descartados ou vendidos com dados incorretos no sistema. Segundo Marco:

“Se você sabe quanto vai vender, mas não sabe quanto tem, continua sem saber quanto comprar”

Hoje, a Aravita opera em ao menos 30 lojas de uma grande rede de supermercados (a empresa não revela o nome do cliente), entregando, em média, uma redução de 25% no desperdício e de 30% nas rupturas — quando o consumidor chega à gôndola e não encontra o que deseja. 

A cobrança é por número de lojas e centros de distribuição, dependendo do volume de produtos, e gira em torno de 2 mil e 4 mil reais mensais.

A INTELIGÊNCIA DE DADOS APLICADA À ROTINA DO SUPERMERCADO PERMITE PREVISÃO DE DEMANDA E AUXILIA A TOMADA DE DECISÕES

O diferencial da Aravita não são os cálculos complexos e inteligência artificial, e sim tornar essa tecnologia acessível e útil para quem toma as decisões diariamente nas lojas. 

Por isso, diz Marco, a startup investe muito em usabilidade:

“Em vez de rodar o sistema em um computador no fundo da loja, temos ele no celular ou no tablet. As pessoas conseguem fazer o controle na frente da banca de frutas, olhando diretamente o produto”

O resultado é uma redução significativa do tempo gasto pelos funcionários na hora de fazer pedidos, estimada em cerca de 30%, além da melhoria na assertividade dos estoques.

Outro ponto crítico na operação é o tratamento dos dados. Além das informações internas fornecidas pelos supermercados parceiros, como registros históricos de vendas, a plataforma considera variáveis externas essenciais. 

“Você precisa entender o que aconteceu e o que vai acontecer com a temperatura, com a pluviometria, quando foi feriado, quando teve promoção, quando é data de pagamento… A gente misturou dados internos com dados externos e foi criando os modelos de machine learning em cima disso”

Além da eficiência operacional e dos ganhos financeiros para o varejista, Marco enfatiza o impacto positivo no trabalho da Aravita: o propósito de “desentortar um pedacinho do mundo” diminuindo o desperdício de comida. 

O problema resulta em um descarte de mais de 1 trilhão de dólares em alimentos todos os anos, globalmente, segundo a ONU. Também envolve a emergência climática: estima-se que esse desperdício provoque até 10% das emissões globais de gases do efeito estufa. 

“Na verdade, estamos desentortando dois ‘pedacinhos’: o problema ambiental e o problema da fome.”

DEPOIS DE ATUAR NO VENTURE CAPITAL E FUNDAR A DIGIPIX, ELE VOLTOU A EMPREENDER COM FOCO EM IMPACTO CONCRETO

Marco conta que começou a empreender “muito antes de o empreendedorismo virar moda no Brasil”. 

Na virada dos anos 1990 para 2000, quando atuava no universo do private equity e venture capital, viu de perto o nascimento de startups como Webmotors e Submarino. Mas foi ao conhecer a Endeavor, organização que apoia e acelera empreendedores, que ele tomou a decisão definitiva de mudar de lado. 

Em 2004, criou a Digipix, empresa especializada em impressão de fotos digitais que cresceu rapidamente e se consolidou no mercado brasileiro.

“Depois, a gente quase quebrou na pandemia. Vendíamos para fotógrafos profissionais e amadores. Aí uma parte parou de ter festa, outra parte parou de ter viagem”

A Digipix sobreviveu ao período turbulento e se recuperou — mas ele percebeu que era hora de deixar o comando diário e ir para o conselho. Com tempo para refletir sobre o futuro, decidiu voltar a empreender em algo que tivesse um impacto real, mas sem ilusões exageradas.

“Acho que essas coisas de ‘vou construir um negócio que vai resolver os problemas do planeta e da humanidade’ são super legais depois que você faz, mas tem que ter uma cabeça bem pé no chão e focado.” 

COM EXPERIÊNCIAS COMPLEMENTARES, OS SÓCIOS MIRAM ESCALA E IMPACTO NA CADEIA DE ALIMENTOS FRESCOS

Com a Aravita, Marco decidiu não empreender sozinho. Uniu forças com Bruno, especialista em inteligência artificial que acumulou experiência no Canadá trabalhando com otimização de supply chain – justamente de alimentos – e com Aline, engenheira química com passagem pela Ambev, especialista em tecnologia aplicada ao varejo alimentar. 

Para dar conta da complexidade de uma operação voltada à modelagem de dados e inteligência artificial, a startup tem hoje 14 funcionários, a maioria formada por engenheiros e cientistas de dados, especialistas em supply chain e profissionais de produto e usabilidade. 

Experiente, Marco hoje entende que a trajetória empreendedora é uma sequência contínua de desafios: 

“A gente começa a jornada nova achando que já sabe o caminho das pedras. Mas, na verdade, a maior vantagem é já saber que vai ter muitas pedras. O que não é a mesma coisa que saber o caminho”

Para o CEO, é quase como um videogame: “Quando você vence uma fase, comemora rapidinho porque daí começa a próxima e o monstrinho é maior. Isso é parte da graça do videogame e de empreender, então ‘vamos nessa’.”

Ele considera que o maior desafio que a empresa teve que lidar faz parte da evolução contínua: integrar comercial e tecnologicamente um sistema que alinha dados e inteligência com pessoas e processos. 

“A fruta que você colhe do pé começa a morrer no minuto em que você tira ela da árvore. Então, tem muitas coisas que interferem na vida dessa fruta, na atratividade dessa fruta, em como ela vai ser transportada, armazenada, vendida e percebida pelo cliente”

Apesar do desafio contínuo, a visão de futuro é clara: expandir a operação no Brasil e posteriormente alcançar mercados internacionais – ampliando o foco para além de frutas, legumes e verduras conforme a empresa conseguir validar sua tecnologia em outras categorias de alimentos frescos.

 

COMPARTILHAR

Confira Também: