O que acontece quando o empreendedor precisa arranjar um emprego? No caso da Tecnofit, o chefe se tornou o novo sócio

Tainã Bispo - 3 mar 2020
Antonio Maganhotte: cofundador da agência Polvo e do EBANX, ele embarcou em um novo projeto depois de contratar o fundador da Tecnofit, e hoje é o CEO da startup.
Tainã Bispo - 3 mar 2020
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Até um tempo atrás, o treino de um aluno de academia de musculação era preenchido num caderno ou ficha de papel. Era muito comum haver escaninhos na sala de ginástica, de onde o professor retirava as informações para cada aula.

Era assim na academia onde Anderson Cichon treinava em Curitiba, em meados dos anos 2000. Sabendo que ele era programador, o dono propôs uma permuta: Anderson não pagaria mais mensalidade e, em troca, desenvolveria um sistema para rodar dentro da escola.

Daquele combinado nasceu a Tecnofit. Nos primeiros anos, entre 2006 e 2013, eram apenas dois funcionários, incluindo Anderson, e cerca de 30 clientes, que pagavam 250 reais mensais por um pacote híbrido de software e hardware — no caso, um sistema interligando catraca, impressora e computador).

A startup mais tarde se focou no software. Hoje, 14 anos depois, soma duas rodadas de investimento (totalizando 2,9 milhões de reais), 120 funcionários e 3 mil clientes recorrentes. No ano passado, o faturamento foi de 7 milhões de reais.

AO ARRANJAR UM EMPREGO, O FUNDADOR CONSEGUIU DOIS SÓCIOS — E PIVOTOU

O cara da foto aí em cima não é o Anderson, e sim Antonio Maganhotte Junior, CEO e sócio. E como ele entrou nessa história?

Em 2013, depois de sete anos tocando o negócio na raça, Anderson tinha uma filha pequena e nenhuma renda fixa. Sem abrir mão do próprio negócio, resolveu tentar uma vaga de desenvolvedor da Polvo, agência de publicidade e desenvolvedora de softwares baseada em Curitiba.

Antonio, o então ainda futuro CEO da Tecnofit, era o sócio da Polvo. Na entrevista, levantou a questão: Anderson daria conta do dia a dia da Polvo e da Tecnofit ao mesmo tempo? A resposta foi “sim”, pois tinha uma pessoa de confiança dando suporte aos clientes. Antonio lembra:

“Ele passou no processo e se tornou nosso funcionário. Mas logo numa das primeiras semanas, me chamou para almoçar e me apresentou seu projeto, já com um business plan e muito brilho nos olhos…”

Antonio viu potencial. E decidiu embarcar no projeto junto com João Del Valle, seu sócio em outro negócio: o EBANX, empresa de pagamentos fundada em 2012 e que se tornou unicórnio em 2019.

“Disse que precisaríamos mudar algumas coisas e o Anderson concordou. Naquele momento, o [conceito de] software de desktop já estava desatualizado, já se trabalhava com Software como Serviço.”

Abandonaram também o kit catraca-computador-impressora, que era um obstáculo para escalar o negócio. E, assim, a Tecnofit recomeçava do zero, mirando um novo software que já nasceria na nuvem.

FORAM DOIS ANOS DE DESENVOLVIMENTO ATÉ COMEÇAR A MIGRAÇÃO DOS CLIENTES

No comecinho, depois que Antonio e João embarcaram, a ideia era que Anderson se dividisse mesmo entre a Tecnofit e a Polvo — mas isso não durou mais do que dois meses.

“Logo percebemos que não seria produtivo”, diz Antonio. “O Anderson ficou focado então no desenvolvimento do sistema [da Tecnofit] com a ajuda pontual de algumas pessoas da Polvo.”

Foram dois anos debruçados nessa missão, com um investimento de 400 mil reais injetados pelos novos sócios. Até chegar enfim a hora de ir para o mercado.

“Demoramos porque decidimos entrar para competir com os grandes… Como o Anderson tinha bastante experiência, optamos por não fazer piloto nem passar pelo MVP para validar, pois considerávamos que isso já havia sido feito na primeira fase da empresa. Era hora de virar ou desistir”

No início de 2016 eles começaram a migração daqueles 30 clientes da Tecnofit para a nova solução. O próprio Antonio até então só estava no negócio como investidor — mas isso mudou em meados daquele ano, quando ele entrou para a operação

“Eu tinha decidido fazer um sabático de três meses, pois fazia 11 anos que não tirava férias. Tomei a decisão numa sexta; no sábado, almocei com meu sócio e, conversando, entendemos que o Anderson precisava de ajuda. E na segunda, eu já estava na Tecnofit. Meu sabático não durou um fim de semana!”

PARTICIPAR DA MAIOR FEIRA DO SETOR TROUXE FEEDBACKS RELEVANTES

Atualmente, segundo a Associação Internacional de Saúde, Raquete e Clube Esportivo (IHRSA), há uns 35 mil estabelecimentos fitness no Brasil. Número que coloca o país em segundo lugar do ranking mundial, atrás apenas dos Estados Unidos.

Até 2016, a base de clientes da Tecnofit tinha sido conquistada de forma orgânica. Quando a migração começou, eles entenderam que precisavam prospectar de maneira mais ativa.

Entenderam, também, que teriam desafios pela frente “Era difícil importar os dados do sistema antigo”, diz Antonio. “Era uma experiência longa e ruim para o cliente.”

Um incentivo importante se deu em 2016. Meio em cima da hora, os sócios da Tecnofit decidiram participar da IHRSA Fitness, a maior feira do setor na América Latina.

“Nem conseguimos nos preparar direito, fomos meio na loucura. E foi muito importante, pois tivemos um feedback incrível. Entendemos que havia outras oportunidades em outras verticais, como estúdios de luta, dança, esporte de quadra etc. Um mercado que não estava sendo atendido”

A feira ocorreu em agosto, no Transamerica Expo Center, em São Paulo, e atraiu cerca de 15 mil visitantes. A Tecnofit participou expondo sua marca no estande de outra empresa, parceira. No ano seguinte estava de volta, já com estande próprio.

ESTÚDIOS DE DANÇA, PILATES E YOGA DEMANDAM OUTRAS FUNCIONALIDADES

A partir daquela primeira participação, os empreendedores foram ajustando a rota. O software, até então, estava focado em academias tradicionais. Alguns empreendimentos, porém, tinham particularidades que não eram atendidas pela ferramenta.

Diferentemente de uma academia de musculação, em que o aluno vai quando quer, no horário que quiser, negócios como estúdios de dança, de pilates ou de yoga, ou ainda voltados a esportes de quadra, trabalham com horários e turmas pré-estabelecidos.

O trio da Tecnofit entendeu que era preciso desenvolver funcionalidades específicas, voltadas a gestão de grupos e reposição de faltas, por exemplo.

“Foi um momento em que esses estabelecimentos estavam ganhando muita força no Brasil, e decidimos focar em pequenas e médias empresas. Foi uma decisão acertada. O mercado estava sedento por uma solução com preço acessível”

Eles perceberam, também, que havia uma demanda crescente pelo Crossfit, que tem suas próprias peculiaridades.

“É algo completamente diferente de uma musculação padrão”, diz Antonio. “No Crossfit, o professor monta um treino que só é liberado para o aluno no dia que ele vai treinar. E esse treino muda em todas as aulas.”

Foi aí que eles se posicionaram como uma solução mais abrangente, de olho nesses negócios que precisavam de um sistema com outras funcionalidades.

HOJE, METADE DOS CLIENTES SÃO BOXES DE CROSSFIT OU CROSTRAINING

Em 2017, a startup resolveu os gargalos para começar de fato o processo de vendas. Uma rodada de investimento injetou 500 mil reais. “Usamos esse valor para construir um time comercial”, diz Antônio. O fundo Honey Island Capital (que tem Antonio e João como sócios) e alguns investidores-anjos entraram no negócio.

A empresa começou a decolar, chegando a 300 clientes no fim de 2017 (contra pouco mais de 50 no ano anterior). Uma segunda rodada, em 2018, alavancou ainda mais o crescimento, com um aporte de 2,4 milhões de reais. Naquele ano, a Tecnofit foi acelerada por sete meses no programa Scale-up da Endeavor.

Hoje, diz Antonio, a startup é o maior player do mercado, com “um crescimento médio de 370% por ano”. Hoje, metade dos 3 mil clientes são negócios de Crossfit ou Crosstraining (nomenclatura usada quando não há licenciamento da marca original). Essa predominância tem alguns impactos:

“É difícil que um box [espaço especializado em Crossfit ou Crosstraining] tenha mais de 150 alunos. Ao mesmo tempo, uma academia tradicional com 150 alunos não paga as contas”

Entre os demais clientes, 40% são academias (como a Ph.D Sports, rede com 25 unidades, todas no Paraná) e 10%, estúdios de pilates, yoga, dança, entre outros.

UMA VERSÃO EM ESPANHOL ESTÁ NOS PLANOS PARA INTERNACIONALIZAR A MARCA

A mensalidade cobrada pela Tecnofit varia conforme a quantidade de alunos matriculados (é possível simular o valor no site da empresa). O pacote mínimo dá direito a 50 alunos, por 109 reais mensais — ou R$ 2,18 por pessoa.

Segundo Antonio, os clientes crescem, em média, 42% nos primeiros 12 meses de uso do sistema, que permite “melhorar sua gestão administrativa e financeira com uma interface simples e atendimento eficiente”. Metade deles está no Sudeste, e outros 30%, na região Sul.

Em 2020, a expectativa é faturar 10 milhões de reais. Com essa meta em vista, a Tecnofit pretende encorpar o portfólio e internacionalizar a marca — começando por uma versão em espanhol do software. Por enquanto sem data prevista.

“Ainda não definimos a estratégia detalhada nem por qual país começaremos [a expansão]”, diz Antonio. “Dependerá da pesquisa de mercado que iremos fazer.”

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Tecnofit
  • O que faz: Software de gestão de negócios fitness
  • Sócio(s): Anderson Cichon, Antonio Maganhotte Junior, João Del Valle, Honey Island Capital, entre outros
  • Funcionários: 120
  • Sede: Curitiba
  • Início das atividades: 2006
  • Investimento inicial: R$ 400 mil
  • Faturamento: R$ 7 milhões (2019)
  • Contato: [email protected]
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