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“A tetraplegia me ensinou a desfrutar a vida sem pressa, e não me impede de ser super bem resolvida, com a autoestima nas alturas”

Juliana Coutinho Oliveira - 3 fev 2023
Juliana Coutinho Oliveira, apresentadora, escritora e ativista em prol das pessoas com deficiência.
Juliana Coutinho Oliveira - 3 fev 2023
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Sou uma mulher de 47 anos, muito gata e bem resolvida. Do tipo mulherão! Tenho uma alegria incontrolável e contagiante pela vida.

Adoro um bom papo e quem para do meu lado vai, inevitavelmente, me contar seus segredos e ouvir os meus. Sim, tenho a autoestima nas alturas e gosto de me exibir!

Chamo atenção quando ando por aí, pois uso uma cadeira de rodas motorizada e stand-up. Quando fico de pé, sinto os olhares se voltarem para mim e adoro!

Baiana e taurina, sou inquieta e busco novas experiências constantemente. Minha mais recente conquista foi escrever um livro!

Mas deixa eu contar essa história do início.

Aos 22 anos, sofri um acidente automobilístico que mudou minha perspectiva sobre a vida. Um literal novo ângulo de ver as coisas.

Não que eu fosse muito diferente do que sou hoje. Na real, minha personalidade não mudou nada.

Sempre fui alto astral e otimista, o que certamente contribuiu muito para minha rápida reabilitação. O que mudou foi minha relação com o tempo.

A vida como a tetraplégica que me tornei tem um ritmo diferente. Precisei ajustar meus desejos ao tempo dos outros e isso é um desafio diário que sigo vivendo, mesmo com essa longa estrada como cadeirante.

Em um primeiro momento, o tempo era usado para sobreviver. Tive cinco paradas cardíacas e fiquei entubada por algumas semanas

Minha lesão medular foi bem alta (nível C4) e eu corria o risco de precisar ficar para sempre conectada a um respirador.

Essa primeira batalha eu venci e consegui até adquirir alguns movimentos de tronco e braço.

Quando já em casa, tive vontade de retomar os estudos. Eu estava terminando o curso de Comunicação quando sofri o acidente e foi preciso um malabarismo pra voltar a estudar.

Minha universidade era longe e inacessível, então os professores gentilmente se ofereceram para me dar aulas em casa.

O e-mail estava começando e eles me enviavam textos que meu tio imprimia, já que eu ainda não usava o computador.

A defesa do TCC foi em casa, e o tema escolhido — marketing pessoal de pessoas com deficiência — daria início, sem que eu soubesse, ao meu ativismo nessa área

O tempo de voltar ao trabalho chegou com um estágio no Serpro, na área de comunicação corporativa.

Eu já tinha feito um estágio nessa área quando andante e acabei escolhendo me aprofundar no tema fazendo um mestrado no Coppead-UFRJ.

Era um mestrado com dedicação integral e bem puxado. Difícil de entrar e mais difícil ainda de sair com o canudo nas mãos.

E eis que, no meio do curso, fui convidada para ser apresentadora do primeiro programa da televisão brasileira inteiramente dedicado às pessoas com deficiência: o Programa Especial, veiculado pela TV Brasil.

A indicação para fazer os testes tinha vindo do CVI-Rio, a ONG na qual eu fazia minhas órteses, e entre outras tantas cadeirantes indicadas, fui eu a escolhida! Havia chegado o tempo de me exibir!

Juliana durante gravação do Programa Especial, da TV Brasil.

Confesso aqui que já estava trabalhando escondido, fazendo textos pra uma amiga deputada (a vida de cadeirante é cara e eu precisava da grana), mas como trabalhar escondido apresentando um programa de TV?

Foi preciso abrir o jogo e negociar! No fim das contas, eles aceitaram, afinal, era um projeto ousado e inovador.

Assim, meu lado ativista ganhou proporções nacionais e me tornei uma referência na área da inclusão, responsabilidade que assumi com gosto!

A vida estava encaminhada profissionalmente: o mestrado tinha aberto portas em uma multinacional e o programa estava bombando!

Conseguimos dar uma visibilidade positiva às pessoas com deficiência, que até então eram retratadas de forma sensacionalista nas mídias.

Fui morar sozinha e, com meus próprios recursos, era capaz de pagar duas cuidadoras e um motorista. O suprassumo da independência para um tetra!

Ainda que sempre cercada de amigos e saindo bastante, sentia falta de um amor. Eu tinha alguns ficantes e cheguei a ter alguns relacionamentos estáveis, mas via minhas amigas casando e tendo filhos e também queria uma família.

Juliana, ao lado de Pedro, na cadeira stand-up.

O tempo estava passando e comecei a me consolar em ser apenas tia. Já tinha conquistado muitas coisas para uma tetra e estava tudo bem!

Foi nessa vibe despretensiosa que conheci o Pedro, em um táxi para cadeirantes. Ele era o motorista e eu, sua primeira passageira. Nos apaixonamos!

O tempo do amor havia, enfim, chegado! E, com ele, o tempo de procriar. Desse amor intenso nasceram nossas meninas: Isa, que hoje tem 13, e Lis, de 10

O tempo da maternidade é eterno e, narcisista, me vejo nelas.

Ah o tempo! Sábio tempo! Quando entendemos que o tempo é incontrolável e nos entregamos em seus braços, tudo passa a fluir. A maturidade surge quando desfrutamos os instantes. Sem pressa!

Mas levar a vida sem pressa não significa ficar parada, isso não! Como disse no início desse relato, sou inquieta, ligada no 880 V, como na música de Nikki Luchese. E, ainda que extremamente prazerosa, a maternidade não me parou.

Assim que as meninas cresceram um pouco, comecei a pensar em um doutorado. Eu queria, de alguma forma, estudar de maneira profunda o papel da comunicação na inclusão das pessoas com deficiência.

Juliana no lançamento do seu livro, com as filhas Lis (à esq.) e Isa.

Em mais uma sincronicidade da vida, conheci o HCTE, programa de pós-graduação em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia, da UFRJ.

Logo de cara entendi que era ali que eu queria estar.

Foi um tempo de reflexões profundas e extremamente enriquecedoras, que desembocaram em uma tese aprovada e com direito à moção honrosa!

Sou redatora e lido diariamente com a escrita, mas a tese me colocou em um outro patamar: agora eu era uma escritora!

Imbuída dessa sensação, resgatei um sonho antigo de escrever um livro, e decidi que chegara o tempo de compartilhar minha trajetória

Foi assim que nasceu Transpareço, meu primeiro livro, que agora ganha o mundo! Estou muito contente e orgulhosa desse feito.

Sigo receptiva ao que o universo tem pra me ofertar. Me sinto conectada, cósmica. Adentro em um tempo que não finda.

Encaro cada encontro como uma oportunidade de propagar o amor, como aqui neste artigo. E, se minha história te tocou de algum jeito, fico feliz!

Porque transparecer é isso: dar, receber, trocar. E entender que juntos somos mais!

 

Juliana Coutinho Oliveira é formada em Comunicação Social pela Universidade Federal Fluminense, mestre em Administração pelo Coppead-UFRJ na área de Comunicação Corporativa e doutora em Inclusão pelo HCTE-UFRJ. Tetraplégica desde 1997, é apresentadora do Programa Especial, veiculado pela TV Brasil, e servidora no Inmetro, na área de comunicação corporativa. No último ano, se juntou ao time volante do InovInmetro, laboratório de inovação do Instituto. Ju está no Instagram, onde é possível trocar ideias com ela e adquirir um exemplar de seu livro Transpareço.

 

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