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Durante muito tempo, eu associei força à capacidade de aguentar tudo. Acreditava que ser líder era estar no controle, mostrar firmeza e nunca demonstrar fragilidade. Eu queria ser reconhecida pela entrega, pela responsabilidade e por conseguir resolver qualquer problema.
Trabalhava em uma multinacional e me orgulhava do que conquistava. Gostava da rotina intensa, das viagens, das decisões que impactam pessoas e resultados. Aquilo me fazia sentir viva e útil.
Talvez essa vontade de ver o mundo viesse da infância, quando meu pai, motorista, passava semanas na estrada. Eu o esperava pensando nos lugares por onde ele passava. O trabalho me trouxe isso: a sensação de que o mundo podia ser grande e que eu podia pertencer a ele
Mas junto com o orgulho veio o peso. A empresa onde eu atuava passou por uma fusão, e eu me tornei responsável por integrar áreas e pessoas de culturas empresariais diferentes.
Eu sabia que precisava dar certo. Dormia com o telefone ao lado do travesseiro, e quando ele tocava de madrugada, eu atendia tentando disfarçar a voz de quem estava dormindo. Queria ser vista como alguém confiável, alguém forte.
Foi nesse ritmo que, num dia aparentemente comum, tudo começou a mudar. Eu cheguei cedo ao escritório, organizei minha mesa e abri o computador para iniciar uma rotina administrativa. Eram números, notas fiscais, relatórios.
De repente, senti um cansaço visual muito forte, como se tivesse lido um livro por horas. Fechei os olhos por alguns segundos, respirei e continuei. No dia seguinte, a leitura já parecia mais difícil. Achei que era o grau dos óculos
Comprei vitaminas e segui a rotina. Achei que era apenas cansaço, algo passageiro, resultado do excesso de trabalho e da pressão das últimas semanas. Mas o desconforto crescia. A luz da tela parecia mais intensa, e os números começavam a se embaralhar…
Decidi procurar um oftalmologista. Entrei no consultório acreditando que sairia de lá com um novo grau de óculos e uma receita simples. Durante o exame, o médico me pediu para olhar para uma luz e ler as letras na tela.
Foi ali que percebi que algo não estava certo. O olho direito parecia não responder. Eu piscava, tentava focar, mas as letras sumiam.
Quando ele trocou as lentes e me pediu para tentar novamente, senti o desespero subindo pelo corpo. O silêncio dele dizia mais do que qualquer diagnóstico. Saí do consultório confusa, mas com uma certeza incômoda: aquilo era maior do que eu imaginava
Voltei para casa com o coração acelerado e a cabeça girando de perguntas. Ainda não sabia o que estava acontecendo, mas sabia que algo dentro de mim estava mudando.
Nos dias seguintes, entre consultas, exames e médicos especializados, tentei seguir com a rotina normal. Cumpria compromissos, participava de reuniões, respondia e-mails, mas já não era a mesma coisa. A cada dia, enxergava menos.
Com algumas ausências no trabalho, era natural que alguns assuntos ficassem pendentes. Então, em uma manhã, recebi a ligação de uma gestora de outra área, cobrando a resolução de um processo.
Tentei explicar que estava passando por consultas médicas, que estava tentando entender o que estava acontecendo. Ela me ouviu em silêncio por alguns segundos e respondeu com firmeza e doçura: “Elaine, eu tenho idade para ser sua mãe. Me ouça. Vá para casa.”
As palavras dela ecoaram dentro de mim como um comando que não pedia justificativa, apenas entrega. Eu desliguei o computador, respirei fundo e fui para casa
Voltei para Cafelândia (SP), onde moram meus pais. A cada dia enxergava menos e me sentia mais distante da vida que eu tinha. Perdi a autonomia e, junto com ela, a sensação de controle. Dependia de outras pessoas até para ler meus e-mails.
Recebia retorno de médicos por email, acessava resultados de exames pelo site. Pedia à minha irmã para acessar a caixa de entrada, e mesmo quando ela dizia que não havia chegado nada, eu pedia para olhar de novo.
Tinha saudade da rotina, da independência, e da mulher que eu era.
Vieram o medo, a frustração e o silêncio. Eu orava, pedia explicações, e os médicos me ofereciam incertezas.
Quando fui encaminhada a uma médica especialista em baixa visão, achei que ela teria a solução. Mas o que encontrei foi o convite para reabilitação. Eu não queria me reabilitar. Queria minha vida de volta.
A sensação era de estar no escuro, esperando uma resposta que não vinha. Levou pouco mais de um ano até que eu saísse da mentalidade de escassez, presa no que me faltava para que eu seguisse a minha vida. Comecei a buscar formas de me mexer de um jeito diferente
Nessa busca, eu acreditava que existia algo mais para mim e que era possível. Levei quase um ano até começar a me conectar com histórias de pessoas com deficiência visual que trabalhavam, estudavam e viviam com autonomia.
Aquilo me tocou, mesmo que parecesse distante.
Eu queria tentar algo diferente, algo que me devolvesse o sentido de contribuição.
Foi quando descobri o universo do desenvolvimento humano, e isso foi uma verdadeira virada de chave.
No início, tudo me pareceu estranho. Era um ambiente completamente diferente do mundo corporativo que eu conhecia.
As pessoas falavam de “propósito”, “crenças”, “comportamento”. Parecia esotérico demais para a minha mente prática e analítica. Mas, pouco a pouco, comecei a perceber que aquele desconforto era o começo de algo novo. E eu queria entender o que era
Essa experiência mudou tudo.
Disseram que o caminho era a aposentadoria.
Eu escolhi continuar.
Voltei ao trabalho em uma nova posição e com outra mentalidade.
Uma colega me perguntou se eu não tinha medo do preconceito por causa da minha limitação.
Respondi que, embora o preconceito exista, eu precisava ter clareza sobre como escolheria lidar com ele.
Eu sabia que, se tivesse preconceito de mim mesma, acabaria enxergando preconceito em tudo, até onde talvez não existisse – e isso me machucaria ainda mais
Então decidi me posicionar com firmeza e leveza.
Entendo que há limitações, mas não sou definida por elas.
Sou uma profissional que pensa, sente e aprende.
E disse: “Vamos aprender juntos”.
Essa frase passou a guiar a minha forma de liderar. Descobri que liderança não é sobre controlar, é sobre inspirar. Não é sobre saber tudo, é sobre estar presente. Não é sobre ter força o tempo todo, é sobre ter leveza quando ela é necessária.
Hoje, aos 44 anos, ajudo pessoas e empresas a encontrarem esse mesmo equilíbrio entre força e leveza, resultado e humanidade.
O que vivi me ensinou que a leveza não é o oposto da força, é o que a torna possível. E que não há liderança verdadeira sem empatia, propósito e autoconhecimento.
Foi com esse olhar que escrevi o livro É Possível Ir Além – o poder da superação com leveza, estratégia e autenticidade. Ele nasceu do desejo de mostrar que o impossível pode ser redesenhado quando mudamos a forma de enxergar.
A vida é valiosa demais para deixá-la passar em vão. Às vezes é preciso perder algo para descobrir o que realmente importa. Eu perdi parte da visão, mas ganhei uma nova maneira de ver o mundo. E hoje entendo que enxergar, de verdade, é conseguir seguir em frente – mesmo quando a estrada não está totalmente iluminada
Às vezes, a vida apaga as luzes ao redor para que a gente perceba que pode iluminar o próprio caminho.
Elaine Asato, 44, é sócia proprietária da Valem Consultoria, mentora, escritora, palestrante e especialista em Cultura Organizacional e Desenvolvimento de Lideranças. Depois de perder quase toda a visão aos 29 anos, reinventou sua trajetória e hoje ajuda pessoas e empresas a liderarem com leveza, estratégia e propósito. É autora do livro É Possível Ir Além – o poder da superação com leveza, estratégia e autenticidade.
Claudia Issa só foi se reconhecer como portadora do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade já na idade adulta. Ela conta como transformou sua inquietação constante em um ativo e hoje divide seu tempo entre a cerâmica e a pintura.
Sobrinha de profissionais da saúde, Ana Beatriz Araújo viu como a pandemia afetou quem estava na linha de frente. Ela então fundou, aos 17 anos, o Juventude pelo SUS, movimento para ampliar as vozes de quem vive a saúde pública no dia a dia.
Criada em um ambiente muito precário, Cíntia Santana aprendeu a capacidade de sonhar ao se tornar atriz. Ela conta como fundou o instituto Entre o Céu e a Favela para ensinar teatro e despertar a autoestima a crianças do Morro da Providência, no Rio.
