“Aprender a desfrutar o tempo e curtir o tão necessário ócio é uma das maiores riquezas que se pode ter”

Luana Fonseca - 19 abr 2019
"Slow travelers": Luana Fonseca e o marido trocaram a estabilidade pela decisão de viajar o mundo, percorrendo Ásia e Oceania em uma jornada sem pressa, com "maravilhas e perrengues"
Luana Fonseca - 19 abr 2019
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por Luana Fonseca

Sempre tive o sonho de viajar pelo mundo. O porquê eu não sabia exatamente. Fato é que quis viver essa experiência, sentia esse chamado, mas nunca dava muito ouvido a isso e seguia tocando o barco.

Meu marido, Marcelo, não. Essa ideia nunca havia passado por sua cabeça. Afinal, como bom canceriano, ele tinha uma grande necessidade de ninho. Mesmo assim, arrisquei lhe fazer essa proposta meio “maluca”.

Digo “maluca” porque já não éramos tão jovens (eu tinha 33 e ele, 35), ele já era pai de uma garotinha de 5 anos (de seu 1º casamento), nós tínhamos uma cachorra (grande, diga-se de passagem) e uma casa alugada em que acabáramos de dar uma bela repaginada.

Eu tinha pedido demissão há pouco mais de um ano, quando estava no melhor momento da minha carreira (depois de 14 anos trabalhando no mundo corporativo).

Apesar do ótimo cargo como gerente sênior de treinamento em uma empresa de biotecnologia e do belo salário e pacote de benefícios, estava ficando doente e vivendo uma crise de propósito.

Então, me parecia que tudo aquilo não estava valendo muito a pena. Mas essa constatação não era nada fácil de encarar.

Fácil ou não, quando a vida te coloca à prova, não te resta outra saída a não ser agir, e eu escolhi recomeçar, mesmo sem saber muito bem por onde

Nesse meio tempo, enquanto reajustava a rota e estava envolvida em mil coisas novas (cursando uma pós-graduação em Pedagogia da Cooperação e fazendo uma formação em Coaching Ontológico no Chile), vi um post nas redes sociais de uma empresa que estava recrutando pessoas para viajar pelo mundo.

Os selecionados teriam que produzir conteúdo sobre os países escolhidos pela empresa (“moleza!”, pensei) e, para isso, receberiam o que eu considerava uma boa grana (em dólar),  mais acomodação e alimentação. Ainda teriam direito de voltar aos seus países de origem por 15 dias, a cada 3 meses. Quando vi aquilo, pirei!!! Era a vida me convidando novamente a escutar o meu chamado de me lançar ao mundo.

Sinto que muitas vezes a vida passa e não escutamos nossos chamados, nossos desejos, nossos sonhos. Não paramos para sentir e pensar sobre o que queremos realizar, e simplesmente, vamos levando.

Fazemos muitas coisas para os outros, mas acabamos negligenciando a pessoa que deveria ser a mais importante em nossas vidas: nós mesmos

Não queria mais me enquadrar nessa cena triste. E aquela proposta me parecia perfeita. Além disso, Marcelo e eu tínhamos todos os pré-requisitos solicitados. Achei que aquela era a hora exata de realizar o meu sonho.

Só que eu não contava com a reação do meu marido. Quando contei essa ideia, ele me respondeu imediatamente com um tremendo “NÃO”.

Naquele momento ele estava apostando todas as fichas na consultoria que tinha com um sócio, um movimento novo em sua carreira, a primeira vez depois de muitos anos como assalariado em que estava empreendendo.

Tinha também sua filha, ainda pequena, a saúde de seu pai, que há muito tempo estava debilitada e eu, no meio das minhas formações, que custaram uma boa parte do nosso dinheiro. Para ele, aquela proposta não fazia o menor sentido naquele momento.

Fiquei arrasada, confesso! E também muito decepcionada com a reação dele, que nem sequer abriu espaço para discutirmos essa possibilidade. Ele simplesmente a matou “no ninho”.

Mas, como dizem por aí, o tempo é o senhor de tudo. Seis meses depois, eu já estava praticamente finalizando minhas formações, quando Marcelo decidiu que buscaria um outro caminho profissional, fora da consultoria. E foi nesse momento que ele veio com uma grande surpresa.

“Você ainda quer viajar?”, perguntou.

“O que? Como assim?”

Fiquei muito intrigada e irritada também. Como ele podia me fazer essa pergunta depois de ter praticamente matado esse sonho? Como podia falar disso naquele momento que a empresa já tinha selecionado os candidatos?

Que raiva que me deu! Nessa hora, foi a minha vez de dar uma “surtadinha”. E depois entendi o porquê.

É que naquela ocasião estava cara a cara com meu sonho novamente, e sentindo a possibilidade de realizá-lo. A decisão estava nas minhas mãos e se não decidisse por mim, não teria mais ninguém para “culpar”. E então me bateu um grande medo.

Acontece que, dessa vez, para que isso se concretizasse, a gente teria que usar o dinheiro que guardamos ao longo da vida. E, diferentemente da primeira possibilidade, em que teria um dinheiro entrando, nessa só teria dinheiro saindo. Foi bem tenso pra mim!

Somente depois de trabalhar muuuito essa questão, olhar para os meus medos bem de frente e entendê-los, foi que tive coragem de encará-los.

Acredito que sempre que dizemos “sim” para nós mesmos, a vida também diz “sim” para nós

Três meses depois (após difíceis conversas com a família, que não compreendia muito bem essa decisão, da venda de nosso carro e de nossa querida Harley-Davidson — ela era realmente especial para nós, Marcelo tinha feito sua entrada triunfal com ela em nosso casamento —, depois de encontrarmos amigas que ficariam em nossa casa, cuidando não somente do nosso lar, mas também da nossa cachorrinha Kira), partimos para a aventura que chamamos de “Alma Pelo Mundo”.

A ideia inicial era conhecermos 17 países em um ano. Uma loucura! Mas quando começamos a viver essa jornada, nos descobrimos slow travelers. Percebemos que gostamos de explorar cada lugar, seu povo e sua cultura com mais calma, para que nossa alma possa nos acompanhar, e sendo assim, mudamos os planos.

Hoje, pouco mais de um ano depois, maravilhas e perrengues da viagem, estamos curtindo os acréscimos finais dessa experiência transformadora. Conhecemos nove países — Tailândia, Índia, Nova Zelândia, Indonésia, Cingapura, Japão, Vietnã, Camboja e Laos — e escolhemos voltar para a Tailândia para encerrar esse ciclo no mesmo ponto onde começamos.

Estamos nos preparando para voltar pra casa e levando conosco uma bagagem bem maior do que aquela que trouxemos com a gente: cheia de novos aprendizados e histórias para contar, que fazem da vida uma jornada ainda mais significativa.

Alguns dos aprendizados mais ricos que tivemos ao longo dessa caminhada:

1) Desapego

Sei que essa palavra está muito na moda, mas conhecer seu significado “na carne” é um aprendizado digno de nota. Desapegar de “ter” para “ser”. Ter menos dinheiro pra gastar, usar as mesmas roupas por um ano, abrir mão de nossa casa com três quartos e duas vagas na garagem para dormir em quartos simples em guest houses (muitas vezes sem água quente e somente com um ventilador para abrandar o calor do sudeste asiático) e até mesmo dormir num colchãozinho improvisado no chão da sala de estar.

Mas por outro lado, ter muito tempo na vida adulta (o que é um privilégio!) para viver, tempo pra respirar, para sentir, tempo pra torrar… Aprender a desfrutar o tempo e curtir o tão necessário ócio (coisa que muitos de nós não sabem fazer porque em geral nunca temos tempo sobrando) é uma das maiores riquezas que se pode ter. Mas, para que possamos viver novas experiências, precisamos, de fato, desapegar de muitas coisas.

2) Conhecer-se melhor

Outro grande presente da viagem, que na verdade acontece sempre que você se coloca fora da sua zona de conforto, foi conhecer melhor a nós mesmos.

Muitas vezes achamos que somos tranquilos, desencanados, que podemos viver assim ou assado, que seremos capazes de lidar bem com essa ou aquela questão, mas é somente quando estamos realmente vivendo a situação, que passamos a saber mais de nós mesmos. Não o que imaginamos que somos, mas o que, de fato, somos. E nem sempre é gostosinho, mas é fundamental.

É claro que não precisa viajar o mundo para se conhecer melhor, o que você precisa fazer é estar desperto, atento e se observar, nas mais diversas situações da vida

3) Escutar o corpo e as emoções

É através do corpo que realizamos nossas ações no mundo, então é muito importante que possamos aprender a partir dele também. Mas muitas vezes nem sequer damos atenção a isso. Muitas pessoas cuidam do corpo porque querem ficar mais bonitas e saradas, e não é disso que estou falando.

Em nossa viagem passei a me alimentar muito melhor (posso até dizer que poderia ser vegetariana agora — coisa que jamais imaginei na vida, porque antes nem sequer comia legumes e verduras) e portanto, a partir dessa abertura que me propus, meu corpo dispôs de mais energia para me permitir explorar melhor a viagem.

Além disso, através do yoga (fizemos um curso de formação de professores na Índia), passei a trabalhar também minha resistência, estabilidade, flexibilidade e equilíbrio no campo físico, que refletem também no campo emocional.

O que quero dizer é que você precisa aprender também o que seu corpo e suas emoções lhe dizem. Que movimentos lhe pedem pra fazer? Escute!

4) Conexão

Interagir com as pessoas, trocar com quem já fez aquilo que você deseja realizar, pedir ajuda e aceitar ajuda é imprescindível. Durante a viagem, nossa conexão com as pessoas das mais diversas línguas e culturas nos permitiu criar uma rede de apoio muito maior do que a que tínhamos anteriormente e, por conta dessas conexões, muitas coisas aconteceram. Os roteiros foram se desenhando sem que precisássemos ficar batendo tanto a cabeça, as peças foram se encaixando porque alguém conhecia alguém que podia nos ajudar com o que precisávamos e assim a vida foi fluindo de um jeito lindo e natural.

Conecte-se! Mas não somente nas redes sociais. Ofereça seu tempo e sua atenção para quem está perto de você

5) Somos capazes de realizar o que desejarmos

Acredite! Isso não é um texto de autoajuda. Somos pessoas com vidas normais contando para outras pessoas iguais a nós o que experimentamos. A questão aqui é o quanto priorizamos nossos sonhos e desejos. Damos a devida atenção a isso? Alimentamos nossos sonhos?

O quanto estamos dispostos a abrir mão de algumas coisas, como por exemplo do conforto, da segurança, ter um salário no final do mês, do controle, da presença física das pessoas que amamos, para realizar aquilo que desejamos? Pense nisso! Se você quiser realizar algo, você pode!

Escolhemos dividir nossa história não necessariamente para inspirar outras pessoas a viajar, mas sim para encorajar todas as pessoas a realizarem aquilo que sonham. Você pode criar o seu próprio caminho e fazer escolhas que sirvam melhor a sua vida. Empreenda seus sonhos!

 

(Quando escreveu esse texto, Luana e o marido já estavam de malas prontas, finalizando a jornada de 13 meses de viagem pelo mundo, quando Marcelo recebeu uma proposta de trabalho inesperada na Tailândia, onde irão morar em uma ilha chamada Koh Samui.)

 

Luana Fonseca, 35, é formada em Coaching Ontológico pela escola chilena Newfield Network, faz atendimentos virtuais e presenciais, e recentemente concluiu um curso de formação de professores de Yoga em Rishikesh, na Índia. No perfil do Instagram Alma pelo Mundo, ela atualiza as experiências e aprendizados de sua viagem. 

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