Acessibilidade e autonomia. Era isso que Arthur Sendas buscava quando começou a idealizar a See U App. Natural de Arapiraca, no interior de Alagoas, o empreendedor nasceu com acromatopsia, o que causa incapacidade de ver cores, baixa visão e crises de enxaqueca.
“Não consigo enxergar em profundidade, é como se fosse tudo em 2D, então se tem um buraco no meio da rua, não vou ver. Outra dificuldade é para enxergar textos. As pessoas achavam que eu tinha algum déficit de aprendizado na escola, mas era porque as letras se sobrepunham”
Arthur decidiu cursar tecnologia justamente pensando em criar uma solução que facilitasse a sua vida – mas não só. Afinal, são cerca de 500 mil pessoas cegas no Brasil, enquanto mais de 6,5 milhões possuem algum tipo de deficiência visual.
Ainda na época da faculdade, ele começou a rascunhar algumas ideias. Para adiantar um pouco a história, o empreendedor criou uma startup que usa ecolocalização, inteligência artificial e realidade virtual para ajudar milhares de pessoas. Mas precisou superar a morte de um sócio e um problema grave de saúde, que afetou também a trajetória do negócio.
Resumindo, Arthur quase morreu e a empresa quase faliu. Hoje, ambos estão se reconstruindo e tateando novos caminhos.
Arthur hoje tem 36 anos. Ainda jovem, ele percebeu que conseguia visualizar bem os templates dos jogos de computador. A dinâmica dos games, de resolver uma partida usando um botão, também fez despertar a semente para o seu TCC na faculdade, um jogo para pessoas cegas.
“Por causa das minhas enxaquecas, eu passava dias sem enxergar nada e ficava pensando em alguma coisa que pudesse fazer sem precisar da visão, apenas com um comando de voz ou me orientando pelo som”
Depois do TCC, Arthur continuou com a ideia de criar soluções para pessoas cegas. E quando o Google Glass surgiu, em 2013, ele achou que óculos de realidade virtual poderiam ser algo interessante: o headset detectaria o que a pessoa não vê e alertaria sobre obstáculos no caminho.
Arthur construiu um protótipo do equipamento junto com os futuros sócios, Sérgio Gomes Júnior, colega de faculdade, e Jaqueline Sendas, engenheira e sua namorada, hoje esposa. O trio inscreveu o projeto em uma competição de startups de Portugal e se surpreendeu:
“Nunca imaginei ser aprovado. Vim do interior de Alagoas, de uma família bastante humilde, então era algo muito distante para mim”
Sem recursos para viajar, os três não participaram do evento, mas a aprovação serviu de estímulo para seguirem adiante.
Porém, a bateria dos óculos se mostrou um problema, afetando a estética e o peso do equipamento. “Não era nada prático nem bonito. Não é porque você não enxerga que vai querer andar com um negócio gigante na cabeça chamando a atenção das pessoas.”
Diante desse desafio, eles pensaram em alternativas como colares e até pulseiras que pudessem identificar os objetos no percurso até, enfim, chegarem a uma versão simplificada: um crachá que se conectava a um aplicativo.
Esse sistema concentra três tecnologias. Uma delas é a ecolocalização, que traduz obstáculos e caminhos a partir dos sons espaciais para guiar o usuário — como se fosse um “sonar sintético” que indica direção, proximidade e até a largura de passagens.
A inteligência artificial, por sua vez, interpreta o ambiente: lê placas, livros, descreve objetos e responde a comandos de voz, sugerindo rotas mais seguras e personalizadas. Já a realidade virtual é usada em treinamentos e simulações, permitindo que pessoas cegas ou equipes de apoio testem rotas e experiências acessíveis antes de percorrê-las no mundo real.
Os três ainda não viam ali um negócio, e sim uma empreitada tocada em paralelo aos trabalhos de cada um. Mas isso iria mudar. Em 2019, quando a mãe morreu de esclerose lateral amiotrófica, Arthur começou a repensar sua trajetória.
“Passei a refletir mais sobre o que eu estava fazendo e o porquê das coisas… Então quando veio a pandemia e me vi obrigado a pausar um pouco, decidi focar no projeto”
Em 2022, surgiu a oportunidade para o grupo participar de um edital, o Startup Nordeste, promovido pelo Sebrae. “Fomos passando de fase até chegar à terceira e recebermos uma mentorias e uma bolsa de seis meses para a criação do negócio.”
Arthur, Júnior e Jaqueline decidiram que era hora de largar seus empregos para se dedicar 100% à nova empresa. Eles conseguiram um patrocínio de nuvem com o Google, a Microsoft e a AWS, e ofereceram aos primeiros 50 usuários a chance de testar a solução gratuitamente.
Tudo ia bem, até que, em outubro de 2023, o grupo sofreu um grande baque, a morte de Júnior por conta de uma doença degenerativa (distrofia muscular de Becker). Arthur relembra a perda de seu sócio e ex-colega de faculdade:
“Foi muito difícil. Primeiro, pela questão da amizade. E segundo porque nós já éramos poucos para tocar aquele negócio”
Jaqueline e Arthur seguiram em frente e naquele mesmo mês alcançaram suas primeiras vendas: foram 1 300 hardwares comercializados em três dias. “Foi um misto de alegria, tristeza e esperança”, diz Arthur. Essa esperança foi impulsionada pela vitória em uma série de premiações: o Prêmio Impacto Positivo, o Prêmio Delta-V e InovAtiva de Impacto.
Em meio ao auge, enquanto a See U App ganhava reconhecimento, veio um novo baque: Arthur recebeu o diagnóstico de câncer na garganta.
Ele se emociona ao lembrar desse momento:
“Mesmo assim, eu cheguei a ir para São Paulo participar do InovAtiva de Impacto. Quando voltei para Alagoas, fui ao médico e eu já estava perdendo a voz. Os médicos falaram que não tinha como fazer uma cirurgia nem reverter”
O prognóstico, claro, deixou o empreendedor muito abalado. Ainda mais que poucos meses antes ele havia se tornado pai.
“Lembro que um dia fui dormir e no outro, quando acordei, estava no hospital. Quando perguntei o que tinha acontecido, me contaram que eu estava há um mês em coma.”
Ele diz que, ao voltar do coma, soube que os médicos já descartavam sua recuperação, que foi considerada “praticamente um milagre”.
No meio de tudo isso, Arthur entendeu que a See U App tinha desandado.
A startup chegou a ter um faturamento anual de 2 milhões de reais. Porém, durante sua ausência, alguns funcionários deixaram a empresa, o aplicativo não vinha sendo atualizado e havia assinaturas com pagamento em atraso.
“Decidimos então deixar o acesso gratuito para os usuários já cadastrados enquanto decidíamos como seguir”
Arthur conta que, na verdade, sua ideia era desistir. Mas uma mensagem da mãe de uma usuária do app ajudou a injetar novo ânimo no negócio:
“Ela disse que quando descobriu que a filha não enxergava, achou que ela não conseguiria fazer nada, que se preocupava muito com o futuro dela. Mas por causa do nosso aplicativo, a menina estava feliz, estudando para o vestibular.”
Buscando um modo de continuar a oferecer o app gratuitamente – hoje, são 130 mil usuários e a startup foca apenas em software –, Arthur foi atrás do Google, que se comprometeu a apoiar na questão de gastos com nuvem e servidor, enquanto a startup descobre outras formas de monetizar.
Uma delas foi personalizar o sistema para atender a eventos. Na última Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), por exemplo, a See U App foi o aplicativo oficial de acessibilidade para cegos.
Arthur também conta que nesta nova fase, o app ganhou mais recursos. Agora, os usuários conseguem conectá-lo com o iFood para fazer pedidos por voz. O sistema da startup diz à pessoa o que está sendo mostrado na tela, quais são as opções de estabelecimentos e pratos, por exemplo, dentro do que ela solicitou.
Outra novidade é a possibilidade de o app fazer a leitura de figurinhas nas conversas de WhatsApp.
“Pode parecer bobagem, mas esse tipo de coisa é o que as pessoas mais pedem, pois quando recebem uma figurinha, não conseguem entender o contexto da conversa”
A empresa também trabalha em projetos de longo prazo — um deles, em desenvolvimento, é um hardware de ecolocalização que, segundo Arthur, funcionará de forma semelhante de um implante neural –, além de iniciativas de capacitação de profissionais cegos.
Enquanto esses novos planos vão se desenrolando, Arthur celebra a recente conquista do Prêmio eAwards Brasil, promovido pela Fundação NTT DATA. A See U App foi o vencedor entre 256 projetos:
“A gente ainda não tinha nenhum prêmio na área da saúde, então foi uma felicidade muito grande para mim”, diz. E complementa:
“Uma das coisas que sempre destacamos no nosso pitch é que ao longo desses anos a gente calcula que tenha conseguido evitar 6 milhões de acidentes e impactar não só a saúde física, mas também a mental das pessoas cegas”
A seleção na etapa nacional resultou em 70 mil reais em premiação, mentoria da NTT DATA e uma vaga na final global, que acontecerá em Lima, no Peru, em novembro. Por ora, os esforços de Arthur estão concentrados em seguir em frente com foco na missão primordial da startup:
“A palavra principal para a See U App é autonomia. E ter autonomia não é sobre não precisar de ajuda, isso todo mundo precisa. Mas é sobre a felicidade de conseguir fazer algo que você nunca imaginou que conseguiria.”
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