Em menos de duas décadas, a produção de azeite extravirgem no Brasil saiu da completa inexistência ao reconhecimento internacional.
Em 2008, tivemos a primeira extração, na Serra da Mantiqueira mineira. Hoje, existem azeites premiados em Minas Gerais e em São Paulo e também em locais bem longe dali, como Bahia e, especialmente, Rio Grande do Sul.
O estado plantou suas primeiras oliveiras no início do século, e atualmente soma casos bem-sucedidos. Um exemplo está no município de Cachoeira do Sul, onde surgiu a Olivas do Sul, primeira marca de azeite extravirgem nacional.
A cidade abriga também a jovem Lagar H, que em apenas três anos no mercado ganhou, além de prêmios, o reconhecimento de ser a primeira empresa de azeites do mundo com um certificado de carbono negativo.
Ser “carbono negativo” significa exatamente a matemática que o termo sugere. A empresa tem taxas maiores de retirada e armazenamento do que de emissão de gases de efeito estufa.
(É diferente do carbono zero, quando esse saldo é nulo, e do carbono neutro, em que a marca não elimina as suas emissões, mas compensa essa poluição gerada ao comprar créditos de carbono.)
A centenária SGS, sediada na Suíça e referência em certificados de sustentabilidade e qualidade, conduziu visitas técnicas e analisou os dados até chegar a uma conclusão. Em 2022, a remoção de carbono na gaúcha Lagar H foi 1 266% maior que as emissões.
As práticas sustentáveis ligadas à agricultura regenerativa ajudaram, é claro. Mas foram os próprios olivais os responsáveis pelo incremento da taxa de remoção.
Com o aumento da biomassa — ou seja, o crescimento das oliveiras —, subiu também o poder de captação de gás carbônico da atmosfera.
Poucas organizações podem dizer que são “carbono negativo”. A brasileira Breton, de móveis de luxo, é uma delas. A fabricante americana de carpetes Interface tem uma linha de produtos com o certificado.
No ramo alimentício, há diversas organizações que são “zero” ou “neutro”, mas ainda estão correndo atrás do “negativo”. Na milenar produção de azeite, não havia ninguém.
Cofundadora da Lagar H, Glenda Haas explica que a marca está correndo atrás de outras chancelas. Uma delas é a certificação da LEED, sigla de Leadership in Energy and Environmental Design, sistema de certificação para construções que seguem práticas mais sustentáveis.
O lagar (local onde se extrai o azeite) já tinha sido erguido seguindo os parâmetros da LEED, algo que na Europa ainda não se vê, diz Glenda:
“Ninguém nunca fez um lagar com certificação LEED, porque todo o parque produtivo na Europa é muito antigo, eles estão renovando agora”
A empresa (que também está em busca da certificação B) foi uma das primeiras do país a obter a Certificação de Produção Integrada, do Ministério da Agricultura e do Meio Ambiente, que garante que o produto foi feito com boas práticas agrícolas, é seguro e tem origem conhecida.
A estrutura da Lagar H conta com painéis solares, cisterna para captação de água da chuva, tratamento de efluentes e gestão de resíduos e destinação correta da pasta da azeitona.
Esse subproduto, resultado da extração do azeite, vira ração, adubo ou alimenta valas de compostagem usadas nos cerca de 170 hectares de oliveiras.
Glenda é advogada e administradora de formação. Gaúcha, morando em São Paulo, trabalhava com direito econômico quando começou, na década passada, a se envolver com o mundo do azeite.
Mas o que disparou o interesse não foi necessariamente a cultura milenar ou as bucólicas imagens mediterrânicas que as oliveiras despertam. Foi o mercado de azeite e suas peculiaridades.
Ela aprendeu que esse é o segundo produto mais fraudado do mundo (informação endossada em 2024 por um estudo divulgado no periódico científico Journal of Food Protection).
“Eu estudava muito o mercado, minha monografia da especialização foi sobre a regulação do mercado de azeite no Brasil”
Com o pai, Willy, e três irmãos, ela resolveu investir na produção de azeite extravirgem em seu estado natal, em 2014.
A família Haas precisou estudar, viajar para os grandes centros produtores e aprender, também na base da tentativa e erro, sobre um mercado que, no Brasil da época, era praticamente “tudo mato”.
Ao todo, os sócios investiram cerca de 20 milhões de reais no negócio (sem contar a construção do lagar, certificações e entrada no mercado).
Foram alguns anos de desenvolvimento, um período em que o azeite brasileiro — e o gaúcho em particular — evoluía. O Rio Grande do Sul se tornou o maior produtor, saltando de 58 mil litros para 580 mil litros entre 2018 e 2023, segundo o Instituto Brasileiro de Olivicultura (Ibraoliva).
Nesse meio tempo, em 2021, a família Haas lançou enfim sua marca, com o “nome que veio na cabeça”, usando a inicial do sobrenome.
Hoje, há dois rótulos. O Blend da Safra é feito a partir dos melhores monovarietais do ano e indicado para uso cotidiano; o Monovarietal da Safra é produzido com aquela entre as oito variedades cultivadas que mais se destacou no ano em termos de produtividade, frescor e sabor.
Desde então, foram mais de 70 prêmios internacionais. A Lagar H foi condecorada em eventos como o NYIOOC World Olive Oil Competition, nos Estados Unidos, e o EVO International Olive Oil Contest, da Itália.
Para Glenda, esses concursos têm um papel de ajudar a educar o público:
“Eles passaram a incorporar, na classificação dos azeites, não só os parâmetros químicos, como acidez, mas também os sensoriais, como aroma e um certo amargor e picância. Porque só a acidez não vai dizer isso. Existem azeites muito ruins com acidez baixa”
Os prêmios, ainda segundo Glenda, são uma forma eficaz de evitar cair em roubadas no supermercado. Um azeite premiado é garantia de que é um extravirgem de qualidade – e de verdade: você não está comprando óleo ruim vendido como extravirgem.
Glenda brinca que o aumento do preço do azeite de oliva importado, que chegou a 50% no período entre maio de 2023 e maio de 2024, de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), pode ajudar o consumidor brasileiro a dar mais chance ao produto nacional.
Não que o azeite da Lagar H seja exatamente barato. Ambos os rótulos são vendidos por 90 reais (o frasco de 250 ml) ou 156 reais (500 ml) no site da marca, alguns supermercados, empórios e lojas especializadas.
A sócia da Lagar H reconhece que os preços são um desafio, mas vê que a questão é também cultural: estamos acostumados a achar que azeite bom vem, em geral, do Mediterrâneo.
“A gente faz um azeite especial no Brasil. Aí chega um da Espanha de qualidade inferior, um português inferior… É muito mais barato e vem de fora, o consumidor opta por isso porque a síndrome de vira-lata é muito forte no azeite”
As chuvas e enchentes que causaram mortes e prejuízo no Rio Grande do Sul, no primeiro semestre deste ano, também provocaram um baque na safra gaúcha de azeite, com uma queda de 67%.
A Lagar H foi muito afetada, mas Glenda, assim como outros azeiteiros do estado, está esperançosa de que setembro — quando começa a floração — seja melhor do que o mesmo mês do ano passado, que já tinha sido marcado por chuvas e inundações no Rio Grande do Sul.
Até então, o estado concentrava 75% da produção nacional, mas isso ainda é uma gota na piscina: de todo o azeite consumido no Brasil, só 0,24% é feito no país.
Com prêmios internacionais na estante e um mercado interno resistente, a Lagar H poderia tentar voos em outros países. Glenda não descarta a possibilidade, mas por ora diz que a família quer focar no Brasil.
“Nós acreditamos que é um produto de qualidade — e que o melhor dele precisa ser aproveitado no Brasil, porque a gente merece. Não dá para ficar comprando azeite importado vagabundo.”
Íris Jönck e Arnaldo Comin falam da troca de endereço, do pesadelo de ficar com um site ruim no ar, do alívio ao eliminarem produtos que não vendiam, dos planos para o futuro. E riem das próprias certezas.