Você conhece alguma marca de mochilas que seja a cara do Brasil? Claudio Martins quer que a Bossapack se torne essa referência.
Criada em 2015, a empresa fabrica e vende, online, mochilas, bolsas, pochetes e acessórios com materiais sustentáveis e colaboração de tecnologias ancestrais e modernas — e tem como pilares a brasilidade, o desenvolvimento sustentável e o fortalecimento do território.
Além de tecido 100% reciclado (algodão de reuso e poliéster de PET), as peças, a depender da linha, levam grafismos feitos a mão por artesãs indígenas e são impermeabilizadas, na aldeia, com látex da Amazônia (ou encauchados, nome dessa técnica tradicional indígena).
Segundo Claudio, essa técnica — impulsionada por meio de uma parceria com a Mercur — ajuda a manter a floresta em pé, pois preserva mais de 1 800 hectares das “estradas” de seringa.
No seu processo de produção, a Bossapack trabalha com os Kayapós e Xikrins (pintura), Xipayas (encauchados e pintura), povos que vivem no Pará; e com os Paiter-Suruí, de Rondônia, que fazem alças através de um tear manual.
Natural de Belém, Claudio deixou a cidade aos 11 anos. Hoje, vive no Rio de Janeiro, onde fica a sede da Bossapack. Ao empreender, acabou se reconectando com sua terra natal.
Formado em economia, ele começou a trabalhar em 1990 no segmento de moda masculina na rede de lojas de departamento Mesbla, que teve falência decretada nove anos depois.
Lá, ele cuidava da parte estratégica e de planejamento de compras do setor, mas com o fechamento da empresa migrou para consultorias e, depois, passou por redes de varejo menores.
Nesse meio tempo, chegou a ter uma experiência empreendedora, um negócio ligado a roupas de montanhismo.
“Sou montanhista e, como tive muito contato com a confecção no trabalho com a Mesbla, resolvi montar uma marca. Mas como era algo de nicho, que não estava indo para frente, desisti e voltei para o mercado de trabalho”
Só que depois de ser “picado pelo bichinho do empreendedorismo”, Claudio conta que a rotina de trabalho como funcionário já não o agradava tanto.
Em 2014, ele resolveu desengavetar um estudo do mercado de mochilas que havia feito em 1994 para Mesbla, além de pesquisas nos EUA e em uma consultoria para ajudar um amigo a licenciar a marca alemã Deuter no Brasil, em 2010.
Nesse período todo, afirma, o mercado mudou muito:
“O Brasil passou a importar mais do que produzir e mochila passou a ser um commodity mundial, com marcas produzindo no Oriente. Já as empresas que eram referência nacional sumiram”
Diante desse panorama, em 2015, ele decidiu criar uma marca de mochilas brasileira com produção local, pegada de brasilidade e também sustentabilidade.
Quando começou a fazer as primeiras mochila usando poliéster e estampa de design nacionais, Claudio não gostou do resultado…
“Achei que o produto estava com cara de ‘fabricado na China’. E aí percebi que tinha que ir mais fundo na brasilidade. Comecei a mergulhar na nossa cultura e, por obra do destino, conheci um antropólogo que atuava com os Kayapós.”
Em 2016, a Bossapack começou a contar com a colaboração de artesãs indígenas dessa etnia pintando à mão tecidos usados nos produtos da empresa.
“Logo de cara vi que elas tinham conseguido traduzir uma brasilidade num item cosmopolita, como é a mochila… Mas esse processo ainda era muito rústico, porque as tintas que elas usavam eram de base corporal, carvão e jenipapo”
A cada toque no tecido, a tinta saía na mão, diz Claudio. “Então, arrumei um spray, tipo um verniz. Eu recortava o tecido e colava nas mochilas.”
Esse modo de fazer, no entanto, estava dando muito trabalho e não permitia que a marca escalasse. Então, conversando com lideranças indígenas, o empreendedor propôs que usassem uma tinta específica para tecido. As artesãs toparam.
Em 2017, a Bossapack passou fazer parte da Origens Brasil, rede que promove negócios éticos pela Amazônia viva e seus povos por meio do rastreamento de origem, certificação e comércio justo.
Foi lá que Claudio conheceu Jorge Hoelzel, membro da família fundadora da Mercur e, hoje, facilitador de direção da empresa de borracha. “Ele me procurou dizendo que queria começar um projeto de tecidos encauchados.”
Claudio topou e os primeiros testes com a formulação criada pela Mercur ocorreram de 2018 a junho de 2019. Porém, a extração do látex, na Amazônia, acontece de junho a novembro — e quando a formulação ficou, de fato, pronta, veio a pandemia de Covid-19. Então, os trabalhos de aplicação só começaram em 2021.
No meio desse processo, a Mercur desistiu de produzir esse látex porque não conseguiu chegar a uma propriedade térmica que desejava. Mas continuou apoiando a Bossapack e sugeriu que Claudio fizesse a produção em uma aldeia, oferecendo treinamento aos indígenas, em 2019.
“Achei que isso seria realmente uma aventura, mas também poderia trazer um resultado incrível, não só como pano, mas como geração de oportunidades para as pessoas.”
Outro motivo que fez Claudio optar por produzir na aldeia foi usar o chamado “leite fresco”, o látex recém-extraído da seringueira, em vez de comprar um produto industrializado em São Paulo. O projeto teve início na aldeia Tukayá, do povo Xipaya, na Terra do Meio, no Médio Xingu.
O início, em 2021, foi bem complexo, porque ainda não havia internet por lá. Para passar as orientações de produção, Claudio se comunicava com uma engenheira florestal de Altamira (PA), que por sua vez repassava as instruções para um técnico de campo até que elas chegassem nos indígenas.
Em 2022, a aldeia começou a ter uma internet via rádio; no mesmo ano, Claudio foi até lá para fazer uma oficina de produção.
“Só que tentar estabelecer um processo produtivo dentro de uma realidade de aldeia foi uma aprendizado, de me adaptar ao tempo deles, e não o contrário. Não teria sentido transformar uma aldeia em um chão de fábrica, né? Eles têm as próprias atividades culturais, o cuidado com a casa, com a caça, a pesca e roça”
Entendendo essa questão, Claudio cocriou um processo produtivo com a comunidade. “Começamos em 2021 com dois indígenas extrativistas, o seu Edilson e o seu Chico. E em 2022, quando fiz a primeira oficina, oito pessoas da aldeia estavam trabalhando com a gente. Já em 2023, eram 30 pessoas envolvidas no projeto.”
Dessas 30 pessoas, 20 são jovens entre 16 e 23 anos. “Isso foi muito interessante, porque conseguimos atrair os jovens para esse trabalho e as mulheres também, então passou a ser uma atividade inclusiva e começou a gerar novas oportunidades até para outras aldeias.”
Claudio explica, por exemplo, que o urucum, um dos pigmentos naturais usado para dar cor ao látex, é comprado de uma comunidade vizinha; de lá ele também contrata mão de obra para o preparo do pigmento.
Hoje, um pano demora cerca de três dias para ficar pronto, pensando no processo de extração do látex, pintura, encaucho e vulcanização (secagem), que agora é agilizada por conta de uma estufa que funciona com energia solar. Antes, eram 11 dias de trabalho.
Todos os panos produzidos na aldeia (em 2023, foram 540) depois seguem para o Rio de Janeiro, onde são transformado em peças como as mochilas da linha Ipa Tiá (490 reais) ou da linha Bossa, com pinturas de artesãs Xikrins (390 reais).
Claudio conta que a definição da remuneração dos indígenas foi feita em conjunto com a Origens Brasil, o Instituto Socioambiental (ISA), a Associação Terra do Meio e a Associação Indígena Tukayá Etnia Xipaya (AITEX), que representa os indígenas.
“Na prática, nós estamos agregando valor a uma atividade extrativista com um novo tipo de trabalho, que é o encaucho. Para se ter uma ideia, na comercialização de blocos de borracha pagava-se aos seringueiros, na Terra do Meio, cerca de R$ 4,25 por litro de leite do látex. Já a gente paga 54 reais para os indígenas”
Toda a relação comercial se dá através das associações. “É uma relação institucional, com contrato assinado, em que há organizações olhando para toda a questão do comércio justo.”
No ano passado, crescendo de forma sustentável, a empresa conseguiu faturar 440 mil reais. Agora, ainda em 2024, Claudio pretende levar a atividades para uma aldeia vizinha, já que a estrutura de produção é modular. E, no ano que vem, o plano é expandir para outras aldeias extrativistas e comunidades ribeirinhas.
Além de gerar oportunidades de desenvolvimento para mais pessoas, o empreendedor busca promover um resgate cultural:
“O primeiro ciclo da borracha, no início do século 20 no Pará, foi devastador para os povos originários: ou viravam escravos, ou morriam, ou então fugiam… Então, eles foram praticamente dizimados”, diz Claudio. “Agora, há uma chance de ressignificar esse elemento natural da floresta com um produto que pode gerar desenvolvimento.”
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