Caçador de mim: as inquietudes de Sergio Ignacio

Bruno Leuzinger - 13 jan 2016
Mente em movimento: Sergio trocou o ambiente corporativo pela formação em psicanálise (foto: Olga Vlahou)
Bruno Leuzinger - 13 jan 2016
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“Saí de um emprego remunerado, que tinha subsidiado a minha faculdade, financiado meu primeiro carro, um Fiat 147 caindo aos pedaços, e fui parar num lugar infinitamente maior, com um raio de ação e de pensamento completamente novo e inusitado, gigante como negócio, mas para ser estagiário e sem ganhar nada.” O paulistano Sergio Ignacio, de 53 anos, é movido a inquietudes, hoje e sempre. Em maio de 1985, aos 20 e poucos anos, casado e recém-formado em jornalismo, resolveu largar o emprego de gerente na galeria Arte Aplicada, então uma das mais importantes do Brasil, e onde ele trabalhava havia cinco anos, para estagiar na agência de comunicação DPZ. Seria a primeira de muitas rupturas.

Indicado por um “amigo do amigo da família”, caiu na área de atendimento e planejamento da agência. E não demorou a crescer. Em três anos e meio, já era supervisor de contas de clientes como General Motors e McDonald’s. “Eu estava superfeliz. Tive mestres incríveis, aprendi muito, comecei a experimentar o que era viajar internacionalmente pelo viés corporativo… Foi genial.” Mas depois de quatro anos de DPZ bateu de novo a inquietude. Sem fazer parte da equipe de criação, Sergio desempenhava função burocrática e sentia urgência de um papel autoral. “Comecei a ficar intrigado por não poder, de fato, protagonizar o meu pensamento.” Em 1989, pediu demissão e foi passar três semanas com a esposa no México.

De volta ao Brasil, recebeu sondagens até ouvir a proposta de Cristina Toletti, ex-colega de DPZ: vamos montar uma empresa de comunicação? Assim nascia a XPress. Instalados inicialmente na sobreloja de uma concessionária (“só tinha estilo porque era de frente para o Ibirapuera”), os dois conquistaram de cara a conta da agência de propaganda Leo Burnett. A partir daí a XPress deslanchou, se transferiu para escritórios cada vez maiores e, ao longo de mais de 20 anos, consolidou uma carteira de clientes poderosa, recheada de grandes marcas. A vida parecia decidida, e parecia ótima. Mas em 2004 Sergio começou a intuir que algo estava faltando, e que era hora de preparar a sua saída da empresa.

Em busca de si mesmo

Sergio iniciou conversas internas com a sócia sobre um processo de sucessão na XPress. Em paralelo, buscava se encontrar. Fez um curso de design, adorou, mas viu que não tinha talento para desenho. Encantado pela medicina ayurvédica, escreveu o roteiro de uma minissérie, e pegou a ponte aérea para “vender” a ideia a um diretor do Fantástico, da Rede Globo – que topou, desde que Sergio assumisse o trabalho de produzir a série. Ele disparou e-mails para Deus e o mundo, botou a produção de pé, passou três semanas na Índia com Glória Maria e equipe, e viu a série (batizada de “Índia, Uma Viagem Espiritual”) ser exibida durante oito domingos. “Fiquei extremamente feliz… Percebi que determinados insights na vida têm de fato um valor muito genuíno.”

Desligar-se de vez da XPress levaria anos. À procura de autodescobrimento, Sergio conheceu o coreógrafo e terapeuta corporal Ivaldo Bertazzo e sua escola. “Sempre gostei de atividade física, de produzir com o corpo. Se eu não estava nadando, estava correndo, fazendo musculação.” Com Bertazzo, começou a dançar – e, em 2007, se apresentou com o espetáculo Anatomia do Desejo no TUCA, o teatro da PUC-SP. O coreógrafo incumbiu a XPress da comunicação de projetos como Dança das Marés, que mobiliza crianças do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, por meio da dança. O encontrou deles gerou ainda “Corpo em Movimento”, uma nova série criada por Sergio para o Fantástico, com Bertazzo como protagonista.

Em 2007, Sergio passou a explorar outro interesse: a psicanálise. “Eu já tinha experiência como paciente e sempre achei os teóricos, a dinâmica, tudo muito inteligente e pertinente. Comecei um curso de formação. Mas quieto, na moita.” Só as pessoas mais próximas sabiam, como a sócia, a ex-mulher, a filha (Julia, hoje com 24 anos e finalizando o mestrado em Relações Internacionais, em Lyon). Lá pelo terceiro ano da graduação na Sociedade Paulista de Psicanálise, adorando o curso, Sergio foi se sentindo à vontade para dividir com mais gente. “Fui percebendo que nessa trajetória o meu coração batia mais forte quando me vinculava a projetos na área de arte e de desenvolvimento humano, e batia com mais cansaço quando falava de assessoria de imprensa.”

Foram anos de transição, de conquista de novos saberes. “Eu pensava: que oportunidade maravilhosa a vida está me dando, de me colocar de novo em uma carteira de sala de aula, onde o professor com doutorado tem dez, quinze anos a menos do que eu…” Avançando na psicanálise, Sergio virou voluntário na UTI do hospital Albert Einstein. “Durante dois anos, uma vez por semana, eu acolhia as famílias na porta do elevador, antes de elas fazerem contato com os pacientes.” Ele terminou a formação como psicanalista, cumpriu o período de clínica social e, em 2013, convenceu-se definitivamente de que não queria mais participar da vida corporativa. Em 2014, concluiu a venda da XPress para dois executivos (hoje, a empresa se chama XCom).

Grandes virtudes

“Em 2012, eu nessa loucura, nessa inquietação de largar o velho e construir o novo, reencontrei um grande amigo, Rubens Oliveira, bailarino e coreógrafo da companhia do Bertazzo.” Rubens falou sobre suas próprias inquietações e os dois descobriram “mil sinergias”, apesar da diferença de idade: Sergio tinha 49 para 50, e o amigo, 26 para 27. De repente, deu o estalo. “Eu disse: ‘vamos montar um espetáculo? Eu construo o roteiro e você desenha a coreografia.’” Fizeram uma audição, amigos e conhecidos apareceram e, em novembro, estrearam no TUCA o espetáculo Carretel (a inspiração veio da leitura de um texto do pediatra e psicanalista Donald Winnicott sobre o apego de um neto de Freud pelo objeto).

Sergio e Rubens vinham notando uma onda de nostalgia nas redes sociais e batizaram o coletivo de dança contemporânea de Chega de Saudade. O elenco é formado por pessoas que exercem a dança como uma atividade paralela. “Tem advogado, dentista, manicure, professor… Essa galera toda se coloca dentro de um processo muito profissional com a gente durante oito meses, que culminam nos espetáculos.” Carretel foi bem de crítica e de bilheteria. Na sequência vieram O Grão, apresentado em 2013 no teatro do Instituto Tomie Ohtake; Correm As Cidades nos Quatro Cantos do Mundo (2014), no TUCA; e Koan, encenado em outubro de 2015 no teatro do MASP (no zen budismo, “koan” são parábolas intuitivas sobre a vida).

Sergio não para. Hoje ele se divide entre seminários na Sociedade Paulista de Psicanálise e dois projetos. O primeiro é a pós-graduação pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP); ele deve defender o trabalho sobre a arte como instrumento da psicanálise em agosto. O segundo nasceu da leitura de Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, do filósofo André Comte-Sponville. “Eu fiquei absolutamente tocado pelo livro. Devorei, grifei, rabisquei…” Desse “transe” surgiu a ideia de A Natureza de Julia, obra infanto-juvenil escrita com Flávia Figueiredo e prevista para junho. Nela, as virtudes serão abordadas por meio de elementos da natureza. “Vamos contar para as crianças o que é ser corajoso, o que é ser puro, o que é ser leal, sob a ótica da filosofia.”

 

 

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