Cada frasco de xampu leva séculos para se decompor. Saiba como a B.O.B quer tornar a indústria de beleza e higiene mais sustentável

Dani Rosolen - 28 mar 2022
Andreia Quercia e Victor Falzoni, cofundadores da B.O.B (Bars over Bottles).
Dani Rosolen - 28 mar 2022
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Você já parou para pensar o que é possível mudar no seu dia a dia para construir um mundo mais sustentável — ou talvez salvar o que ainda resta deste aqui?

A B.O.B (Bars over Bottles) acredita que dá para começar com um autocuidado mais inteligente, mudando os produtos de beleza e higiene que consumimos — não só a formulação, mas a embalagem deles. Afinal, o plástico do primeiro potinho de xampu que você usou quando criança ainda está circulando aqui na Terra (o material demora 450 anos para se decompor).

Para resolver esse problema, a marca nativa digital (DNVB) oferece linhas de cuidado capilar, facial, infantil e íntimo – tudo em barras. O foco é a sustentabilidade, com produtos veganos, sem testagem em animais, que não levam água em sua composição e dispensam o plástico das embalagens.

Hoje, 95% das vendas acontecem online, pelo site da empresa, e o restante, via canais omnichannel de parceiros, como AMARO, Drogaria Iguatemi, Época Cosméticos e Panvel. Mais do que vender produtos, no entanto, a ideia é conscientizar sobre um estilo de vida que gere menos impacto ambiental. Segundo Victor Falzoni, cofundador:

“A ideia da B.O.B é trazer conteúdos sobre o que está por trás do nosso consumo para inspirar as pessoas a tomarem decisões melhores, não só no segmento de higiene pessoal e cosméticos, mas em tudo que elas venham a comprar” 

Fundada em 2018, a empresa realizou as primeiras vendas apenas no final de 2019, depois de muitas pesquisas de desenvolvimento. E desde lá só vem crescendo. Embora não revele o faturamento, só no ano passado a marca realizou mais de 250 mil vendas com ticket médio de 100 reais. E a meta para 2022 é dobrar esse resultado.

O que mais impressiona, no entanto, e faz parte da missão da empresa — de criar um banheiro sem plástico — é a quantidade desse material que deixou de ser produzida no último ano: o equivalente a 1 481 375 unidades de embalagens de 200 mililitros.

COMO EMPREENDER UM PRODUTO INOVADOR QUE AJUDE A REDUZIR O IMPACTO AMBIENTAL

Victor e a também paulistana Andreia Quercia, sua sócia, têm 34 anos e se conhecem desde a infância. Fizeram os 13 anos de colégio juntos e depois acabaram passando na mesma faculdade, no curso de administração. Para fortalecer ainda mais a amizade, entraram no mercado de trabalho na mesma consultoria.

Depois disso, porém, cada um tomou um rumo. Ela foi para a área de varejo e acabou indo morar na Alemanha, onde cursou um MBA em Negócios e abriu um startup de assinatura de cafés especiais. E ele começou a atuar no mercado financeiro, mudou-se para Nova York e foi trabalhar em um banco.

Victor conta, no entanto, que se decepcionou com a área e voltou ao Brasil disposto a empreender uma startup de conveniência, similar às farmácias norte-americanas, que vendem de remédios a cosméticos e alimentos.

Em trocas ocasionais à distância ou quando Andreia estava no Brasil, os amigos conversavam sobre o que estavam fazendo e seus planos para o futuro. “Eu contava que a ideia da minha startup não estava decolando. O que estava decolando, na verdade, era o lixo que a gente produzia, uma coisa assustadora”, diz. Já Andreia comentava como na Alemanha era o oposto.

“Ela falava que lá não existia essa ideia de jogar lixo de qualquer jeito. Quando compra uma garrafinha de água de plástico, por exemplo, o cliente paga uma taxa extra e depois que usou tem como devolver a embalagem numa espécie de vending machine e receber aquele valor de volta”

Os dois foram desdobrando esses temas em seguidas conversas. “Decidimos que iríamos empreender juntos um negócio que ajudasse as pessoas a reduzir o impacto ambiental delas.”

A B.O.B EMBARCOU NO MOVIMENTO WATERLESS 

Conforme estudava o assunto, a dupla descobriu que a indústria de embalagens é a maior consumidora de plástico do mundo — só o segmento de higiene pessoal, diz Victor, é responsável por colocar no planeta 120 bilhões de unidades de embalagens todo ano.

Nestas pesquisas, eles se depararam com o movimento waterless beauty, que tira a água dos produtos trazendo vários benefícios. Essa proposta fez total sentido para os empreendedores.

“A gente vive num país tropical e o que acontece em um ambiente úmido, cheio de líquido dentro e fechado? Proliferam fungos! Para evitar isso, é preciso adicionar mais conservantes nos produtos líquidos e usar plástico para transportá-los. Há toda uma cadeia produtiva direcionada para algo que é ineficiente, pois as pessoas têm água em casa”, comenta Victor.

A aspiração da B.O.B é quebrar esse círculo vicioso:

“Com uma nova arquitetura de produto, sólida, é possível trabalhar com ingredientes naturais, com o mínimo de conservantes ou só conservantes naturais e sem usar plástico. Consequentemente, isso também impacta a logística, já que com produtos mais leve há menos pegada de CO2 no transporte”

Uma curiosidade: segundo Victor, o conceito waterless beauty foi impulsionado nos EUA por conta dos atentados de 11 de setembro de 2001. “Os produtos waterless começaram a ganhar destaque quando se tornou proibido circular com líquido dentro dos aviões. Agora, existe uma pressão maior relacionada à questão da sustentabilidade.”

No lugar do plástico, os produtos da B.OB são embalados em uma caixinha de papel, com tinta à base de água, que desparece em seis meses ou pode ser colocada no lixo reciclável (mas tem baixo valor agregado e, de acordo com o empreendedor, menos chance de ser reciclada nesta cadeia).

ELES PENARAM ATÉ CONSEGUIR UM PARCEIRO QUE PRODUZISSE AS PRIMEIRAS BARRINHAS

Quando decidiram investir no segmento, os sócios rodaram o Brasil em busca de um terceirista que fizesse os produtos da B.O.B.

“A questão era que o produto não é nem um xampu nem um sabonete convencional. A gente estava trazendo uma ideia de industrializar em alta escala um produto tradicionalmente artesanal”

Depois de muito penar, os empreendedores deram um passo para trás e decidiram criar um Instagram — antes mesmo de ter um produto — para divulgar a proposta da marca e o conceito de reduzir o impacto ambiental.

Nessa época, contrataram uma química e consultorias estrangeiras para entender como viabilizar a ideia e industrializá-la. Enfim, encontraram um parceiro e lançaram um portfólio reduzido com três xampus e dois condicionares.

A B.O.B tem um portfólio de 15 produtos, entre eles: sabonetes faciais, xampus, condicionadores e máscaras capilares.

“Hoje a gente trabalha com parceiros, mas 90% dos nossos produtos são feitos ‘em casa’, em um galpão alugado dentro de um terceirista. É um desafio enorme, porque além da marca a gente precisou passar a entender de produção, maquinário, melhoria de produtos, perdas…”

Nos primeiros seis meses de vendas, diz o empreendedor, foram investidos mais de 3 milhões de reais na empresa, montante vindo dos próprios sócios e de investidores anjos. Mesmo assim, o negócio começou pequeno, no subsolo de um prédio, com um laboratório criado num banheirinho improvisado. A equipe então era formada por uma química e outra funcionária na operação, além dos dois fundadores (hoje, o time tem 52 pessoas).

Depois que a operação engatou, a B.O.B trouxe mais investidores e no fim de 2021 conquistou um aporte de valor não revelado do fundo GHT4, fundado por Caio David (ex-CEO do Itaú), Guga Valente (cofundador do Grupo ABC), Laércio Cosentino (fundador e presidente do Conselho de Administração da TOTVS) e Rodrigo Vella (cofundador da Vella Pugliese Buosi).

No momento, o catálogo tem 15 itens; entre eles, hpa dois tipos de barrinhas faciais (R$ 35,90), três versões de condicionadores (R$ 45,50), cinco opções de xampus (R$ 43,50) e duas máscaras capilares (R$ 47,50).

Com o investimento, a meta é lançar pelo menos mais quatro produtos ainda em 2022.

O PREDOMÍNIO DO PÚBLICO FEMININO DIRECIONA O FOCO DA COMUNICAÇÃO

Victor conta que uma conquista de 2022 foi criar uma linha infantil, com xampu e condicionador no formato de nuvem (R$ 48,50 cada), além de um sabonete íntimo (R$ 43,50).

“Há uma questão regulatória da Anvisa com níveis de exigência maiores para a linha kids e íntima, pois existem inúmeros testes para colocar o produto no mercado. Isso tudo demorou mais de um ano. Conseguir lançar esses produtos foi um divisor de águas para a nossa marca”

Além disso, a B.O.B conta com acessórios, como saboneteiras e latinhas para guardar as barras, que devem ser mantidas secas para não derreterem.

A linha Kids da B.O.B foi lançada no ano passado e conta com xampu e condicionador para o público infantil.

Para se ter uma ideia da formulação dos produtos, levando em conta a pegada natural da empresa, no sabonete infantil vai aminoácido de beterraba, óleo de abacate e óleo de neem. Já o sabonete íntimo leva manteiga de ucuuba, ácido lático vegetal e nano lipídios. Os xampus têm composição variada; a formulação do “purificante”, por exemplo, consiste em argila verde, óleo de palmiste e óleos essenciais de alecrim, menta e capim-limão.

Sobre custo benefício dos produtos da B.O.B, a empresa calcula que, pela durabilidade, uma barrinha equivale a até duas embalagens plásticas de 200 mililitros. No caso do condicionador, até três embalagens.

Victor afirma que apesar dos produtos serem desenvolvidos para homens e mulheres (segundo ele, o xampu detox foi pensado também para a limpeza da barba), é o público feminino que acaba comprando mais, mesmo quando é para presentear companheiros e filhos. Então, o foco da comunicação é direcionado às mulheres.

“A gente estava trabalhando há mais de um ano no nosso Instagram antes de lançar os produtos. E quando olhávamos nossa audiência, mais de 90% eram mulheres, de grandes centros urbanos, entre 25 e 35 anos, então era difícil encaixar a proposta de barba ali. Mas os homens consomem nossos produtos indiretamente, quando as mulheres compram para eles.”

LÁ VEM MAIS DESAFIO: A B.O.B ACABA DE EXPANDIR PARA OS ESTADOS UNIDOS

No início deste ano, a BOB desembarcou no Estados Unidos, com direito a site e perfil no Instagram em inglês. “Uma DNVB tem essa beleza de conseguir replicar o modelo de negócio em todos os lugares com base no engajamento de comunidade”, diz Victor. “Essa internacionalização mostra o poder de uma marca digital de ser rápida e inovadora.”

Os produtos continuam sendo feitos aqui no Brasil (a B.O.B tem sede em São Paulo e um centro de distribuição em Porto Alegre), seguindo especificações do FDA (órgão local equivalente à Anvisa) e da legislação dos EUA.

Por enquanto, o público norte-americano consegue comprar a linha de xampus e condicionadores da marca; aos poucos chegarão outros produtos. A ideia é oferecer o mesmo portfólio do Brasil e, quem sabe, replicar a trajetória em outros países. Para desdobrar a operação lá, Andreia se mudou provisoriamente para os Estados Unidos.

Sobre os novos produtos previstos para serem lançados, ainda este ano, no mercado interno, Victor por enquanto diz que não pode revelar os lançamentos, mas dá uma pista:

“Os produtos waterless hoje focam muito em haircare, mas essa é só a porta de entrada. O grande desafio é fazer skincare e bodycare dentro desse conceito”

Olhando para trás, o empreendedor fala que um dos grandes desafios foi ter começado a empresa já atendendo o Brasil inteiro. “Vender em todo o país tem uma complexidade contábil gigantesca. Se a gente tivesse ido com mais calma e entendido melhor como funciona, teria enfrentado menos dificuldades”, diz Victor.

Ele lembra o perrengue que foi aprender a mexer no ERP: “Quando fomos lançar a B.O.B, fiquei dois meses estudando por vídeos do YouTube, porque a gente não tinha um valor mínimo para contratar alguém que fizesse isso… E mesmo assim, quando começamos a vender, não sabíamos fazer nada no site… Foi desesperador!”

Para quem pensa em empreender, então, ele aconselha estudar bem os melhores sistemas tecnológicos disponíveis no mercado. E, claro, escolher bem as parcerias e fazer bastante networking.

“Você pode não ter a sorte de empreender com uma amiga de infância… Mas ter uma pessoa que te complementa ajuda muito nesta jornada.”

 

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: B.O.B (Bars over Bottles)
  • O que faz: Cosméticos em barra (sólidos)
  • Sócio(s): Andreia Quercia e Victor Falzoni
  • Funcionários: 52
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2018
  • Investimento inicial: R$ 3 milhões (nos primeiros seis meses de operação)
  • Contato: [email protected]
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