“Capacitar as pessoas a gerenciar suas emoções agora faz parte do negócio”

Bruno Leuzinger - 29 jun 2016
Gui e Marcelle: a meditação como ferramenta estratégica no mundo empresarial (foto: Maria Eduarda Rizek)
Bruno Leuzinger - 29 jun 2016
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Um folheto trazido pelo vento mudou o destino de Marcelle Martins. Filha de um dos fundadores da DPZ Porto Alegre, a gaúcha escolhera cursar publicidade para, de algum modo, continuar a história do pai, falecido num acidente doméstico quando ela tinha 10 anos. “Cresci naquele ambiente, na década de 1980. Ainda lembro do cheiro de cola e do cafezinho, não havia computador na época. Adorava ir para a agência à tarde, depois da escola”, diz Marcelle, hoje aos 38 anos. No primeiro semestre da faculdade, já estagiava, graças aos contatos da mãe. “Um dia estava caminhando na rua e voou um papelzinho no meu pé, que dizia: Curso de Introdução a Filosofia à Maneira Clássica.”

Marcelle fez as quatro primeiras aulas, gratuitas, na escola Nova Acrópole. E mergulhou de cabeça: “Fiquei alucinada, estudava as tradições antigas, Egito, China, Índia, religiões comparadas, filosofia, astrologia… Aquilo me fascinou de maneira incrível.” Ela chegou a frequentar as aulas quatro vezes por semana, paralelamente ao estágio e à faculdade, que cursava à noite. “Mas eram dois mundos completamente diferentes. Na publicidade, aprendia sobre marketing, sobre como esvaziar as prateleiras do supermercado! E me perguntava: será que é isso que eu vou fazer? Enquanto que na filosofia eu descobria o mundo interior e a sabedoria que existe dentro do ser humano.”

A agência onde Marcelle estagiava tinha um programa interno de palestras com nomes relevantes do mercado. Numa delas, a convidada foi a publicitária e consultora de comunicação Nádia Rebouças, que nos anos 1990 coordenou a Ação da Cidadania, promovida pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho (1935-1997). “Ela usava ferramentas da publicidade para transformação humana! Eu pensei: nossa, juntou os meus dois mundos!” Encantada com aquela perspectiva, Marcelle passou a escrever e-mails para Nádia e, aos 23 anos, decidida a trabalhar com ela, trocou Porto Alegre pelo Rio de Janeiro.

“No início, foi um choque cultural. Tive síndrome do pânico, vinha de uma cultura gaúcha superresponsável, rígida. Depois, equalizou.” Marcelle transferiu a faculdade para o Rio, mas acabou largando. Não deixou, porém, de seguir com os estudos paralelos: meditação, hinduísmo, budismo tibetano… Trabalhando com Nádia, envolveu-se num projeto para uma grande empresa então recém-privatizada e rodou o Brasil durante meses, conversando com funcionários de todos os escalões para entender por que eles eram infelizes no trabalho. “Vi que existia uma robotização. Que o sistema que nós mesmos criamos, esse sistema workaholic, tinha nos robotizado.”

Retiro

Marcelle viveu três anos no Rio. Aprendeu a curtir a cidade, mas a mente seguia inquieta: “No fundo, eu queria mudar o mundo. Tinha uma idealista, uma revolucionária gaúcha dentro de mim.” Dividia a vida e o teto com um publicitário que conhecera em Porto Alegre, até que ele aceitou uma proposta de trabalho em São Paulo e ela passou a viver na ponte aérea. Em 2007, estressada, ainda incerta sobre seu caminho, Marcelle mudou-se para a capital paulista e, três meses depois, o relacionamento chegou ao fim. “Estávamos juntos há quatro anos. Não era um casamento formal. Sou aquariana, nada tradicional…”

Logo depois, ela conheceu Gui Vitali. Aquariano, baterista formado em Direito (sem ter nunca exercido), ele fundara um centro cultural com práticas de yoga, meditação e dança circular. Engataram um namoro e em 11 meses já moravam juntos. Enquanto isso, Marcelle trabalhava em uma agência de conteúdo: “O salário era superbom, mas eu sentia que não estava vivendo meu potencial.” Ela iniciou uma formação de quatro anos em alquimia e florais. “Aos 30 anos, resolvi deixar a publicidade e trabalhar como terapeuta. Abri um consultório e comecei a fazer atendimentos individuais.”

Gui tinha uma banda com músicas que refletiam sobre a condição humana e também tocava com artistas como Jai Uttal (indicado ao Grammy em 2014 pelo álbum Mondo Rama), que já se apresentou no Brasil em edições do Yoga pela Paz. Em 2012, Uttal convidou Gui para um retiro de mantras e de meditação, no sul da Bahia. Marcelle foi junto. “A gente pirou nesse lugar, foi uma das nossas maiores viagens internas…” O casal logo emendou outro retiro e começou a acalentar a ideia de abrir um espaço para cursos de meditação, terapias florais e imersões de autoconhecimento.

“Eu e o Gui tínhamos essa sincronicidade de querer transformar nossas vidas em algo significativo, como um diamante que a gente iria lapidar e oferecer para outras pessoas.” A chance de pôr esse ideal em prática surgiu quando Marcelle recebeu uma herança do pai. Com o dinheiro, comprou uma chácara entre Cotia e Vargem Grande Paulista, a 45 minutos de São Paulo. De espírito mais urbano, Gui foi convencido por Marcelle, que insistia em estar perto da natureza. Assim, na nova casa, cercados pelo verde, eles montaram o Centro de Inspiração Terra Pura em 2013. “O nome vem de um conceito tibetano, um lugar onde as pessoas se conectam com seus maiores potenciais e geram energia positiva.”

Meditação corporativa

O Terra Pura organiza e acolhe retiros e vivências variadas, de terapias florais a cursos de meditação, música e artes em geral. Os encontros ocorrem nos fins de semana (a programação está no site e no Facebook). De segunda a sexta, o foco são os workshops realizados em empresas. “Em 2015, eu estava meditando e de repente vi a palavra ‘WorkMeditation’”. A expressão misteriosa grudou em sua mente, e Marcelle começou a especular um meio de encaixar as práticas do Terra Pura com sua experiência anterior no mundo corporativo. Pesquisando, descobriu que o Google tinha um programa chamado Search Inside Yourself, que visava capacitar as pessoas a fazer uma gestão de seu mundo interno.

“Foi uma sincronia muito grande!”, diz Marcelle. Inspirada pelo Search Inside Youself, ela desenvolveu o conceito do WorkMeditation, que encara a meditação como uma ferramenta estratégica no mundo empresarial. “Percebi que o estado interior das pessoas é um ativo das empresas. E que essa autopercepção, essa capacidade de fazer uma gestão do próprio estresse, tem um impacto direto no potencial criativo e de inovação.” Marcelle e Gui conduzem juntos o programa na sede das empresas, apresentando técnicas de meditação e realçando os seus efeitos benéficos sob o ponto de vista da neurociência; ele também ministra as rodas de percussão, dinâmicas que visam descontrair o ambiente do escritório.

Marcelle estuda filosofia budista com o Lama Michel Rinpoche há nove anos, mas não se considera uma adepta da religião. Parece ter encontrado o ponto de equilíbrio entre seus dois mundos – um equilíbrio que também estaria ao alcance das empresas. “Hoje, o mindfulness é uma febre no Vale do Silício. Em fevereiro, estive numa conferência em San Francisco e uma das executivas de inovação do Linkedin contou que desenvolver a compaixão entre os funcionários faz parte das metas deles. Google, Apple, eBay, Intel, todas têm investimentos massivos para capacitar as pessoas a gerenciar suas emoções, isso agora faz parte do negócio.”

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