Com contos eróticos e masturbação guiada, a Tela Preta promete estimular o prazer sussurrando no seu ouvido

Dani Rosolen - 19 abr 2021
Os sócios da Tela Preta em uma montagem (a partir da esq.): Fábio, Guilherme, Samuel e Laís.
Dani Rosolen - 19 abr 2021
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Quando o assunto é sexo, a pandemia deixou muita gente — literalmente — na mão.

Com o isolamento, uma multidão de solteiros apelou para os aplicativos de paquera em busca de algum tipo de troca, mesmo que tudo ficasse no virtual.

Só o grupo Match — dono de marcas como Tinder, Hinge e Meetic — registrou mais de 1 milhão de assinaturas pagas no último trimestre de 2020 (um crescimento de 12% em relação ao período anterior), chegando a 11 milhões de usuários no planeta.

De olho nesse mercado, Fábio Chap, 33, decidiu transformar algo que fazia por hobby em um negócio:

“Desde 2011, eu escrevo contos eróticos e costumava narrá-los no Snapchat e no Instagram tampando a imagem da tela com uma fita isolante preta”

Daí nasceu o nome de sua empresa, a Tela Preta, que se anuncia como a primeira sextech de áudios eróticos do Brasil. 

Fundada no primeiro semestre de 2020 como uma plataforma web, a startup “sussurrou” nos ouvidos de 3 mil pessoas, ao longo do último ano.

“Prazer ao pé do ouvido”, aliás, é o novo slogan da empresa, que está lançando agora um aplicativo e reformulando sua identidade visual.

UM AMIGO PROVOCOU: POR QUE NÃO MONETIZAR OS CONTOS ERÓTICOS?

Formado em Comunicação Mercadológica, Fábio trabalhou em agências de publicidade como redator, além de ter colaborado com textos na área política para a Mídia NINJA e o Quebrando o Tabu.

Em 2013, decidiu abandonar a vida de redator e se focar apenas na criação de contos eróticos divulgados na internet e na produção de livros neste nicho. Ele é autor de Tive um sonho pornô e Maldade Demais, publicados de forma independente. 

No fim de 2019, um amigo — o programador e também escritor Samuel Aguiar, que hoje tem 24 — abriu os olhos de Fábio: por que não monetizar suas criações literárias?

“Ele sugeriu que criássemos um aplicativo de narrações eróticas”, diz Fábio, que curtiu a ideia.

Convidou então mais duas pessoas a embarcarem no projeto: o produtor de áudio e músico Guilherme Nakata, 30, que Fábio conhece desde a adolescência, e a designer gráfica Laís Conter, 32, com quem teve contato por meio do Me Lambe, um perfil no Instagram com discussões sobre sexualidade.

O INCENTIVO DE NY À MASTURBAÇÃO FEZ ELES CORREREM COM O PROJETO

Com o apoio técnico de Samuel, Fábio pretendia lançar o serviço só no segundo semestre de 2020, e já na forma de um aplicativo.

A pandemia apressou os planos. O empreendedor lembra:

“Quando vi um comunicado da Prefeitura de Nova York incentivando as pessoas a se masturbarem na quarentena em vez de sair de casa para se relacionar, pensei: precisávamos lançar logo a Tela Preta”

Não foi só uma questão de timing para aproveitar a oportunidade. A questão financeira também pesou para os sócios acelerarem o projeto.

“Além de ter deixado todo mundo ‘na mão’ na parte sexual, a pandemia também fez com que os sócios ficassem ‘não mão’ no quesito financeiro, com muitas de suas atividades paradas”, diz Laís. “E a Tela Preta surgiu como uma oportunidade de renda.”

Assim, após um investimento de 1 200 reais, a sextech colocou seu serviço no ar ainda em abril de 2020, como uma plataforma web de áudios erótico (o aplicativo ficaria para depois). Naquele início, havia apenas 20 áudios disponíveis.

AOS POUCOS, ELES FORAM INCORPORANDO MAIS DIVERSIDADE ÀS NARRAÇÕES

A empresa já nasceu em esquema de trabalho remoto. Os quatro só se viram presencialmente duas vezes, em São Paulo, em agosto e outubro de 2020. 

Cada um mora em uma cidade. Fábio vive em São Caetano do Sul (SP). Guilherme, o sonoplasta, é da capital paulista. Laís se mudou para São Paulo em janeiro, mas antes tocava a parte gráfica e de comunicação em Porto Alegre, sua cidade natal. Samuel, o responsável pelo desenvolvimento da plataforma, é morador de Belo Horizonte.

Hoje, um ano após o lançamento, a Tela Preta conta com mais de 170 áudios (são divulgados três novos por semana). Fábio conta como eles foram incorporando mais narradores — e mais diversidade:

“No começo, só eu estava narrando, e contos heterossexuais. Aos poucos, fomos chamando outros narradores. Hoje, além de mim, temos dez pessoas, que trouxeram mais estilos para a plataforma, inclusive a Laís, que narra contos LGBT”

Esses narradores (em geral, os próprios autores das histórias que narram) passam por testes, enviando áudios de pelo menos 5 minutos para que os sócios avaliem se as histórias estão bem interpretadas ou demandam ajustes — uma leitura monótona deixa qualquer conteúdo brochante, por mais quente que seja.

HÁ DESDE CONTOS E MASTURBAÇÃO GUIADA ATÉ ASMR PORNÔ

Os contos são divididos em temáticas como ménage feminino, ménage masculino, LGBT e lugares públicos. 

Fábio diz que há também áudios de masturbação guiada e ASMR em versão pornô (não sabe o que é ASMR? Clique no nosso vídeo que a gente explica!):

“Na masturbação guiada, os narradores orientam a pessoa no processo de masturbação enquanto ela está na cama, com a luz apagada e um fone de ouvido. Já no ASMR pornô, eu faço um mix da voz normal com sussurros ou a história é contato sussurrada do começo ao fim”

Guilherme, o sonoplasta, cuida do nível técnico das narrações, indicando que tipo de microfone ou espaço os narradores devem usar e aplicando efeitos sonoros.

“Tem uma história que se passa num banheiro de bar e aparece um garçom batendo na porta”, diz Laís. “Eu lembro de recebermos feedbacks de assinantes falando que parecia que estavam batendo na porta deles. Esses sons ajudam na questão de imaginação, de contextualização da história.”

Os áudios duram em média 5 minutos, mas alguns se aproximam de meia hora. Para ouvi-los, paga-se uma assinatura mensal (R$ 14,99), trimestral (R$ 44,90) ou anual (R$ 149,90).

O PRECONCEITO AINDA É UM DESAFIO NO CAMINHO DAS SEXTECHS

Uma das dificuldades da sextech está em anunciar o negócio. “Lidamos com barreiras para patrocinar posts nas redes sociais, por causa das políticas do Facebook e do Instagram relacionadas a conteúdos eróticos”, diz Fábio.

Outro desafio é captar um aporte para escalar. O empreendedor, aliás, deixa um recado: “Alô, investidores, estamos interessados em reuniões!”

O preconceito é outro obstáculo. Laís conta que participou recentemente de uma reportagem sobre mulheres donas de negócios neste nicho e se deparou com uma enxurrada de comentários negativos na chamada da matéria nas redes sociais.

“No início, fiquei bem abalada com os comentários, porque levei para o lado pessoal. Mas depois meu incômodo maior foi ver que temos muito para evoluir. A sexualidade da mulher ainda é vista como algo sujo e imoral”

Mulheres que empreendem nessa área, ela explica, ainda precisam lidar com a objetificação. “Quando a mulher fala de sexo, parece que tem uma tarja na testa dela onde está escrito: disponível.”

CONTOS ENVOLVENDO ASSÉDIO NÃO TÊM VEZ NA PLATAFORMA

As mulheres, aliás, são ampla maioria (85%) do público da Tela Preta. Pensando nisso, as histórias dispensam o excesso de descrições físicas: quando o narrador menciona um seio, diz Fábio, ele não descreve se é empinado, siliconado…

“Sabemos que a indústria pornô, ao longo de décadas, focou apenas no homem. Com nossos áudios, estimulamos a imaginação, que geralmente é um fator mais privilegiado pelas mulheres na hora de buscar o prazer.”

Enquetes ajudam a entender a preferência das assinantes.

“Nessas pesquisas, já descobrimos que 80% do público gosta de xingamentos e tapas”, diz Fábio. “Mas também precisamos pensar e produzir conteúdo para os outros 20% que não gostam.” 

Certos tipos de trama são barrados, afirma Laís: 

“Não deixamos passar contos que envolvam assédio ou histórias que não estejam contextualizadas no momento em que a gente vive, como casos de abuso de poder de um patrão com uma empregada, por exemplo… Sabemos que existem diferentes tipos de fetiche — mas temos cuidados com questões éticas e morais”

Uma medida simples de qualidade é como cada história impacta os sócios. “Se nós mesmos não nos excitamos com o conto, isso é um mau sinal”, diz Fábio.

O FEEDBACK DAS OUVINTES ENCHE A EQUIPE DE ORGULHO

O retorno das usuárias enche os sócios de orgulho. 

“No começo, recebemos um e-mail de uma ouvinte que passou por um processo depressivo e estava tomando remédios que inibiam sua libido”, diz Fábio. “Ela contou que, ouvindo a Tela Preta, estava sentindo seu desejo sexual retornar.” 

Outros relatos, segundo ele, vêm de casais que têm uma boa relação — mas que deram uma apimentada na vida sexual com a ajuda dos áudios:

“Recebemos feedback de gente dizendo que teve o melhor orgasmo da vida ouvindo a Tela Preta… Isso mostra que não fazemos só um ‘conteudinho’. Oferecemos muito mais: são sensações, a entrega de prazer a esses assinantes”

Laís faz coro e diz que se emociona com alguns dos comentários.

“O que mais me comove são mulheres compartilhando que estão recuperando a libido e inovando em suas relações. Ainda vivemos numa sociedade muito machista, que reprime o prazer feminino… Fico feliz em estar auxiliando mulheres a sentir prazer e a se explorar mais”.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Tela Preta
  • O que faz: Plataforma de áudios eróticos
  • Sócio(s): Fábio Chap, Guilherme Nakata, Laís Coter e Samuel Aguiar
  • Funcionários: Apenas os sócios
  • Início das atividades: 2020
  • Investimento inicial: R$ 1 200
  • Faturamento: R$ 250 mil (em 12 meses)
  • Contato: contato@telapreta.app
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