Em tempos de polarização, existe amor fora da bolha? Nossa repórter testou o Lefty, app de namoro para pessoas de esquerda

Marília Marasciulo - 13 mar 2023
Imagem de Freepik.
Marília Marasciulo - 13 mar 2023
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Estou solteira há quase sete anos. Minha mãe diz que é porque sou exigente demais, meus amigos reclamam que só dou moral para boys lixo e minha autoestima jura que é porque não sei me relacionar. 

Em uma das dezenas de sessões de terapia em que tratei disso, minha psicóloga pediu que eu escrevesse uma lista com os atributos do que eu consideraria “o par ideal”. Vou poupar vocês das duas páginas (talvez minha mãe tenha razão) e ir logo para o topo da lista: ser de esquerda.

Então, quando o Draft me pediu para testar e escrever sobre o Lefty, um app de relacionamentos voltado para pessoas de esquerda, abracei a oportunidade. Será que eu finalmente iria desencalhar?

Lançado em 2022 pela startup brasileira Similar Souls, o Lefty tem hoje 100 mil usuários e já começou sua expansão internacional — foi lançado nos Estados Unidos na semana passada e, na sequência, deve chegar ao Reino Unido e ao Canadá. 

“A gente acredita no potencial nesses países onde a polarização está bem forte”, afirma Alex Felipelli, 43, engenheiro de computação paulista e CEO da Similar Souls. Ele explica a estratégia e faz uma ressalva:

“Não queremos aumentar a polarização — ela é algo que já existe –, e pensamos que é importante manter o diálogo. Mas é difícil imaginar relacionamentos com alguém de outra posição política atualmente, porque é quase como se tivessem visões de mundo diferentes”

De modo geral, o Lefty funciona como a maioria dos aplicativos de namoro: você cria um perfil com fotos e sua descrição e tem acesso a uma página com perfis de outras pessoas. Caso demonstrem interesse um pelo outro, os usuários podem então iniciar uma conversa. 

As maiores diferenças do Lefty são que, em vez do tradicional “arrastar para a direita” para indicar interesse, as curtidas são feitas clicando em um botão de coração; e não é necessário curtir ou não curtir para ver outros perfis, basta rolar a página.

“Os apps tradicionais são bons porque facilitam [conhecer pessoas], e tem a questão do match só ocorrer quando os dois se curtem”, diz Alex. “Mas virou uma coisa muito mecânica: você conversa com muita gente, perde muito tempo nisso – e no fim ninguém te interessa.”

ANTES DO LEFTY, ELE CRIOU O VEGGLY, UM APLICATIVO DE RELACIONAMENTO PARA PESSOAS VEGANAS E VEGETARIANAS

O Lefty é, na realidade, o segundo app de relacionamento criado por Alex. Tudo começou em 2017, quando ele abandonou o emprego com a ideia de criar um aplicativo que unisse pessoas veganas. 

O interesse era bem pessoal: Alex estava solteiro há pelo menos três anos, mais ou menos o período em que deixou de consumir produtos de origem animal, e achava difícil encontrar pessoas com o mesmo perfil. Algum tempo depois, fez uma pesquisa e de fato constatou que 52% dos veganos dizem que se recusariam a namorar com quem come carne.

O engenheiro, que havia feito carreira na área de desenvolvimento de software e não tinha nenhuma experiência com empreendedorismo, decidiu se jogar nesse mundo. 

“Foi totalmente bootstrapped. Saí do emprego e pensei que, como não teria dinheiro de fora, iria me dedicar 100%”

Embora nunca tivesse desenvolvido apps do tipo, nem soluções B2C, Alex tinha experiência criando aplicativos para dispositivos empresariais, como scanners de produtos. E, em seu último emprego, havia trabalhado com vendas. 

No meio de 2018, mergulhou no projeto e, no ano seguinte, com uma estratégia de marketing digital caseira – além de anúncios no Google, ele fazia propaganda manualmente em grupos segmentados nas redes sociais –, lançou o Veggly, o app de namoro para veganos e vegetarianos. 

O MODELO DE ASSINATURA CRIOU UMA EFEITO BOLA DE NEVE PARA TRACIONAR O NEGÓCIO

Alex nunca chegou a testar o próprio app. Ainda durante a fase de desenvolvimento, conheceu a atual esposa em uma feira de comidas veganas. Tampouco seguiu sozinho no mundo do empreendedorismo. No mesmo ano, se associou ao engenheiro de computação paulistano Samuel Yuen, 43 anos, que assumiu a parte de marketing e analytics. 

Alex Felipelli, CEO da startup Similar Souls.

“Foi um começo de formiguinha”, lembra o CEO do app que hoje está disponível no mundo todo em oito línguas – desde o início, Alex imaginou que, por ser de nicho, o app deveria ter alcance global para aumentar o potencial de usuários.

Até que, no fim de 2019, adotaram o modelo de assinatura. Além do modelo freemium, em que os usuários poderiam pagar por “cenouras” que davam direito a chamar a atenção dos crushes, conhecidas em outros apps como superlikes, os usuários tinham a opção de pagar 15 dólares (nos países do Hemisfério Norte) ou cerca de 30 reais, no caso do Brasil, por vantagens como saber quem havia curtido o perfil. 

Com a receita extra, investiram em marketing digital e em assessoria de imprensa para alavancar as publicações em sites de nicho.

“Foi um efeito bola de neve. Conseguíamos trazer mais usuários, com isso tínhamos mais receita — e trazíamos mais usuários. O app de namoro tem esse problema: se a pessoa entra e não tem quase ninguém perto dela, ele não serve para nada. A maior dificuldade é quebrar isso e fazer as pessoas ficarem”

Quando conseguiram essa tração, decidiram que era a hora de criar o Lefty. Dessa vez, porém, buscaram investimento.

Em 2021, receberam um aporte de 270 mil dólares do Loyal VC, um fundo canadense, para seguir fazendo o Veggly crescer e colocar o Lefty no mercado. Há cerca de dois meses, o Veggly alcançou 1 milhão de usuários.

FALTA GENTE PARA PAQUERAR: CRIAR UMA BASE SÓLIDA DE USUÁRIOS AINDA PERMANECE UM DESAFIO

Embora tenha orçamento para marketing e um público-alvo consistente – para 82% dos brasileiros, a posição política seja relevante para a escolha de um parceiro, segundo pesquisa da própria Similar Souls –, o Lefty ainda esbarra justamente no problema identificado pela empresa: falta uma base sólida de usuários para mantê-los na plataforma.

Confirmo isso com experiência própria. No começo, achei o máximo saber exatamente quão à esquerda os paqueras estão. Para alguém que já pagou para poder filtrar o posicionamento político no Bumble (sim, eu realmente já fiz isso), poder saber de graça se uma pessoa é esquerda radical, marxista, social democrata e por aí vai, foi um grande presente. 

Porém, logo me enjoei de rolar a tela em busca de alguém que me atraísse e estivesse a menos de 10 quilômetros de distância. Justiça seja feita, o fato de viver em um dos estados mais bolsonaristas do país certamente não me ajuda.

“O Lefty cresceu mais rápido, mas por outro lado é um nicho maior, então talvez você consiga encontrar alguém desse mesmo nicho no Tinder. Tivemos que fazer mais marketing offline, com campanhas como na posse do Lula e no Carnaval. Essa dificuldade do começo ainda existe, temos que quebrar o momento inicial”

O desafio não desanima o CEO da Similar Souls, que explica que é natural pessoas irem e voltarem de apps de relacionamento. Ele comemora que, atualmente, a empresa alcançou o breakeven e tem dez funcionários, incluindo os sócios, que trabalham em desenvolvimento, marketing e comunicação com o cliente. 

E pretende realizar uma nova rodada de investimento para captar 1,5 milhão de dólares para ajudar no lançamento da Lefty no exterior. 

“Se não vier, não tem problema, a gente vai mais devagar, mas consegue”, diz Alex. Nosso trabalho é convencer as pessoas para que conheçam, usem e aí então melhorar o produto para garantir que continuem usando.”

O plano então é chegar aos mercados europeus e canadenses ainda no segundo semestre de 2023 e, depois disso, consolidar o app em outros países. “Para o final do ano que vem, podemos pensar em lançar outro app”, diz Alex. 

Se precisarem de sugestões, conheço alguém com uma lista bem detalhada e disponibilidade para testes…

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Similar Souls
  • O que faz: Aplicativos de relacionamento de nicho
  • Sócio(s): Alex Felipelli e Samuel Yuen
  • Funcionários: 10
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: 2019
  • Investimento inicial: R$ 150 mil
  • Faturamento: US$ 720 mil (em 2022)
  • Contato: [email protected]
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