Em agosto, a Política Nacional de Resíduos Sólidos está completando 9 anos, sem motivos para comemorações. A Lei de Resíduos Sólidos parece ser uma daquelas que “não pegam”. Hoje, apenas 3% de tudo o que jogamos fora tem como destino a reciclagem. Os lixões deveriam ter sido extintos em 2014, mas ainda há 3 mil pontos no país onde os resíduos depositados apodrecem a céu aberto.
“As pessoas não percebem o quanto o descaso com o meio ambiente afeta suas vidas. Muita gente precisa fazer tratamento de saúde por problemas causados pelo descarte irregular de lixo, a economia e o turismo são prejudicados…”, diz Caio Queiroz, 41.
O ambientalista e empreendedor é um dos que arregaçam as mangas para mudar essa situação. Ele é o fundador e diretor da Mídia Sustentável, uma agência de gestão e marketing ambiental criada em 2014 que costura ações de sustentabilidade envolvendo prefeituras e empresas para alavancar a coleta e reciclagem de resíduos.
“Falta vontade política de investir em coleta seletiva nos municípios. Precisamos de educação ambiental, para conscientizar a população sobre os impactos de jogar resíduos em qualquer lugar”
Sem engajamento, o problema certamente tende a piorar. Desde 2010, o Brasil aumentou a produção de lixo em 28%, segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe).
O EMPREENDEDORISMO AMBIENTAL COMEÇOU POR MEIO DO TCC
No início dos anos 2000, Caio estava concluindo Desenho Industrial pela Faculdade de Belas Artes de São Paulo. “Meu TCC [trabalho de conclusão de curso] foi sobre transporte de lixo. Era o boom da internet, e eu criei um site de marketing que oferecia programas de coleta seletiva para empresas e indústrias.”
Batizado de Reclicagem, o projeto de TCC virou uma empresa de verdade. O primeiro cliente foram duas torres do Centro Empresarial Mario Garnero (na Avenida Faria Lima), onde estão diversas empresas, incluindo o banco de investimentos Brasilinvest. “Consegui fechar contrato com as outras 37 companhias que ficavam no prédio. Eu fornecia coletores seletivos com meu logotipo e oferecia palestras e cartilhas de educação ambiental. A remuneração vinha com a venda dos recicláveis.”
Em três anos, Caio atendeu mais de 350 empresas e 180 condomínios residenciais espalhados por 13 bairros da capital paulista.
“Naquela época, eu e meu sócio, ambos com 20 e poucos anos, tínhamos 14 caminhões de coleta, 140 funcionários e um galpão de 6 mil metros quadrados ao lado do Ceagesp. Reciclávamos 2 500 toneladas de material por mês”
Ainda por volta de 2003, a lucratividade esbarrou na concorrência das concessionárias de coleta seletiva contratadas pela prefeitura paulistana. A solução foi partir para outro nicho dentro do marketing socioambiental.
PROPAGANDO A SUSTENTABILIDADE NO RALLY DOS SERTÕES
Caio voltou à sala de aula. Cursou Gestão Ambiental na Fundação Getúlio Vargas e, por oito anos, dirigiu a Comissão de Meio Ambiente do Comitê de Jovens Empreendedores da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP). Nesse tempo, se especializou também na gestão ambiental de feiras e eventos de grande porte: Salão do Automóvel, Bienal do Livro, Lollapalooza…
Um evento marcante foi o Rally dos Sertões, em 2005. Durante uma semana, acompanhou a caravana percorrendo 7 mil km por estradas de terra poeirentas no Centro-Oeste do país, implementando ações de educação ambiental junto a pilotos e staff, e coleta seletiva em cada acampamento — alguns em lugarejos de pouco mais de 200 habitantes.
“No início, há um choque cultural, e a preocupação em garantir que o meio ambiente fique idêntico ao que encontramos. Depois, a beleza dos cenários, a gentileza e receptividade dos moradores revelam preciosidades que o Brasil ainda mantém”
A partir dessa vivência, o empreendedor se dedicou a desenvolver, com uma engenheira ambiental, um “selo verde” para o setor de eventos com base nas diretrizes da ISO 14000 e da certificação AQUA, de construção sustentável.
EM TRÊS MESES, ELE AJUDOU PARATY A TRIPLICAR A RECICLAGEM
Fundada por Caio em 2014, a Mídia Sustentável implementa e gerencia programas de gestão e marketing ambiental em sete destinos no litoral brasileiro: Paraty (RJ), São Sebastião (SP), Trancoso (BA), Saquarema (RJ), Florianópolis (SC), Peruíbe (SP) e Fernando de Noronha (PE). Os contratos são negociados por meio de licitações e chamamentos públicos.
“Firmamos um acordo de cooperação com o município que propõe o edital e buscamos apoio da iniciativa privada para implementar ações como coleta seletiva, logística reversa e educação ambiental por meio dos mobiliários urbanos OOH”, diz o empreendedor.
Um dos painéis educativos da Mídia Sustentável, instalado em Fernando de Noronha.
Por mobiliário urbano OOH (Out of Home), ele se refere aos painéis educativos com nichos de coleta seletiva acoplados. Em cinco anos, a Mídia Sustentável já instalou 400 dessas estruturas nas cidades acima. Os painéis são produzidos com madeira teca de reflorestamento, chapas de tetra pak e pinus.
O case de maior sucesso para a empresa é o de Paraty. Em três meses de atuação, a coleta pulou de 15 toneladas para 45 toneladas por mês.
“Doamos um galpão para o processamento dos recicláveis, equipamos com prensa para o lixo e esteira para cooperativas. Também contratamos ONGs para fazer educação ambiental de porta a porta”
Caio, porém, permanece insatisfeito. “Em todas as sete cidades, usamos apenas 10% de nossa capacidade de operar os programas ambientais. Dá para fazer muito mais.”
A IDEIA É QUE OS VERANISTAS SEJAM AGENTES AMBIENTAIS MULTIPLICADORES
Hoje a Mídia Sustentável trabalha com as marcas Elo Cartões, cervejas Itaipava e Corona, Ovomaltine, iRobot, Casas Bahia e a água de coco Obrigado. Parte do valor investido pelas empresas é revertido para ações de coleta seletiva nas comunidades onde atuam, como a parceria com cooperativas, empresas de coleta seletiva locais e desenvolvimento de campanhas de conscientização.
Outro braço é a consultoria para as indústrias de bens de consumo se adequarem ao Acordo Setorial de Embalagens, firmado em 2015, e que tem como objetivo garantir a destinação final ambientalmente adequada a todos os tipos de embalagem.
A empresa tem quatro funcionários fixos e colaboradores pontuais, todos em home office; quando o time precisa estar reunido, eles usam um coworking em Pinheiros. E, no verão, são deslocados para o litoral, onde permanecem até o fim da temporada.
Essa presença à beira-mar é estratégica, tanto do ponto de vista de exposição de marcas quanto de preservação do meio ambiente. Entre novembro e fevereiro, o fluxo de turistas triplica a produção de lixo e fragiliza ainda mais um ecossistema já delicado.
“Nossas ações contribuem para combater a vulnerabilidade ambiental, ao mesmo tempo em que oferecemos visibilidade para as marcas. Nesses municípios, veranistas e moradores podem se transformar em agentes ambientais multiplicadores”
Em 2018, a empresa faturou R$ 1,5 milhão. Caio espera agora crescer 50% em 2019. “O próximo passo é estender essa expertise nos países vizinhos. Comecei a conversar com alguns municípios do Uruguai e da Argentina que têm propostas turísticas semelhantes às nossas.”
A PRÓXIMA AVENTURA JÁ TEM DESTINO CERTO: O MONTE EVEREST
A trajetória da Mídia Sustentável tem se firmado no tripé coleta seletiva, marketing socioambiental com ações educativas e geração de conteúdo. O plano é impulsionar este terceiro eixo.
“Começamos a fortalecer esse último item com um grande desafio: escalar o Monte Everest, agora em outubro. A ideia é investir em um novo projeto de expedições e documentários voltados para canais de TV paga e plataformas digitais”
A aventura será vivida em parceria com a empresária e produtora Mariana Britto, ex-diretora responsável pelos treinamentos empresariais da Schurmann Corporate, da família de velejadores.
Equipes que tentam chegar ao cume abandonam fezes, garrafas de oxigênio vazias, barracas, cordas, escadas, latas e embalagens de plástico. Na temporada de abril a junho de 2019, uma expedição de limpeza organizada pelo governo do Nepal recolheu 11 toneladas de lixo, uma fração do que costuma ser descartado.
O ambientalista já está acostumado a propagar sustentabilidade ao nível do mar. Agora, Caio irá registrar, em documentário, o rastro do lixo deixado para trás por quem se arrisca no topo do mundo.
Luiz Gustavo Rosa foi sócio de diversos negócios, até pegar gosto pelo empreendedorismo de impacto. Ele está à frente da Tairú, que cria tênis, roupas e acessórios com matéria-prima vegana e práticas sustentáveis.
No doutorado, o oceanógrafo Bruno Libardoni se viu questionando a falta de alcance das pesquisas acadêmicas. Ele empreendeu então a Infinito Mare, que monitora a poluição aquática enquanto oferece uma solução de marketing ESG para empresas.
Tradição culinária e sustentabilidade nem sempre combinam. Fundada por Flávio Cardozo e Carolina Heleno, a ÓiaFia! reaproveita o azeite de dendê usado no acarajé para produzir sabonetes artesanais que celebram a cultura baiana.