Bebel Abreu criou duas empresas que são a cara da economia criativa brasileira

Renata Reps - 2 mar 2015Bebel Abreu, a artista que se tornou empreendedora em duas frentes: exposições e livros.
Bebel Abreu, a artista que se tornou empreendedora em duas frentes: exposições e livros (foto: Filipe Araújo).
Renata Reps - 2 mar 2015
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É difícil frear a arquiteta, produtora cultural e editora independente Bebel Abreu, 35 anos. Em meio a tantos projetos diferentes que ela desenvolve ao mesmo tempo, acompanhar sua linha de pensamento enquanto descreve cada um deles é um desafio. Entre um livro e outro que publica pela editora que leva seu nome, a Bebel Books, ela toca também a produção, curadoria e o design das exposições feitas pela Mandacaru Design, empresa que coordena ao lado da irmã, Manaíra Abreu, 36. Isso por enquanto, já que nem ela sabe prever qual será seu próximo passo — parar quieta não está em seus planos.

Detalhe do kit deluxe de "Suruba Para Colorir": dois volumes e uma caixa de giz de cera.

Detalhe do kit deluxe de “Suruba Para Colorir”: dois volumes e uma caixa de giz de cera.

Uma amostra de sua produção disruptiva e conectada a grandes artistas é o livro Suruba Para Colorir, “uma publicação lúdica e didática” na qual 30 artistas (entre eles Laerte, Adão Iturrusgarai, Rafael Coutinho e Janara Lopes) retratam as mais variadas temáticas e estilos do sexo grupal, em imagens em preto e branco, afinal, é um livro para colorir. O prefácio é de Xico Sá e a edição e caligrafia são de Bebel. O lançamento será nesta quarta-feira, 4 de março, no Le Basquiat em Pinheiros, e no sábado, dia 7, junto com a terceira edição da Feira Plana.

Seu perfil altamente criativo vem de berço. Bebel é a terceira irmã de uma família de cinco filhos, todos artistas. O pai, Álvaro, é sobrinho do escritor Rubem Braga. A mãe, Carol, é formada em Desenho Industrial e Artes Plásticas. “Tenho arte na minha casa desde sempre, e minha família sempre produziu e investiu em arte”, diz Bebel. Ela nasceu em João Pessoa, passou parte da infância em Brasília, mas cresceu mesmo em Vitória, onde esteve dos 8 aos 22 anos. Escolheu Arquitetura para estudar pois, segundo ela, não haveria opção melhor para a carreira que decidiu seguir. E desde a época da faculdade, apostou em exposições.

“Eu fazia parte de um projeto de iniciação científica que tinha o objetivo de fazer o mapeamento dos contornos da cidade de Vitória. Durante uma greve da faculdade, surgiu a chance de fazer uma exposição sobre este trabalho em parceria com a prefeitura. Neste processo, descobri que gostava mais de produzir do que de tratar do conteúdo. Foi aí que nasceu minha paixão por esta forma de contar histórias que é montar uma exposição”, conta Bebel.

Mais do que alguém com vontade de contar histórias em formato de exposição, Bebel se revelaria uma empreendedora. Mas também aí, mais uma vez, a união da família a ajudaria a fazer a sua própria história. Aos 47 anos, o patriarca Álvaro fumava três maços de cigarro por dia e trabalhava longas horas sem descanso. Um dia, o corpo pediu arrego e ele teve um infarto. O susto o deixou muito debilitado e o fez decidir que precisava “transformar os olhares de pena da família em elogios”. Foi quando começou a se dedicar com afinco a uma grande paixão: fazer colheres de bambu que eram verdadeira obras de arte.

Bebel na abertura da exposição "Magia do Simples: As colheres de bambu de Alvaro Abreu", com o editor Lars Müller, presidente da AGI, e Corinna Rösner, curadora-chefe do International Design Museum, em Munique (foto: Diana Abreu).

Bebel na abertura da exposição “Magia do Simples: As colheres de bambu de Alvaro Abreu”, com o editor Lars Müller, presidente da AGI, e Corinna Rösner, curadora-chefe do International Design Museum, de Munique (foto: Diana Abreu).

O trabalho era tão bonito que precisava ser mostrado, e essa exposição envolveu toda a família. Carol, a mãe, escolheu as colheres, escreveu o texto e fez o layout dos painéis; Rafael, um dos irmãos, fez o primeiro site do trabalho; o outro filho Bento fez o vídeo e Diana, a caçula, fez as fotos; hoje, Manaíra sempre faz as peças gráficas. E Bebel? Ela coordenou toda a produção e fez as colheres voarem longe.

Depois de passarem pelo Museu da Casa Brasileira e por feiras e museus em várias cidades da Alemanha, as peças viraram tema de livro do fotógrafo alemão Hans Hansen e hoje estão em uma exposição individual no museu Gewerbemuseum Winterthur, na Suíça – tudo produzido por Bebel.

Ela tinha vontade de passar um tempo fora do Brasil após a graduação. Ao ir viajar, certa vez o pai perguntou ela gostaria que ele trouxesse de presente, e Bebel disse: um estágio no Museu Die Neue Sammlung, que possui o maior acervo de design do mundo.

UM INTERCÂMBIO E A ARTE DE FAZER CONTATOS

Durante o ano que passou em Munique, Bebel exerceu outro dos dons que mais lhe trazem frutos até hoje: a arte de fazer contatos. Lá, conheceu o artista Pierre Mendell, se apaixonou pelos seus cartazes e convidou-o para mostrar seu trabalho no Brasil. Realizou, ao todo, seis exposições de sua obra por aqui – e mantém relações próximas com o museu em que trabalhou até hoje.

De volta ao Brasil, Bebel passou seis meses em Vitória como assistente do diretor do Museu de Arte do Espírito Santo. Mas o salário não era sustentável e, graças ao incentivo da irmã Manaíra, ela decidiu mudar-se para São Paulo e tentar impulsionar a carreira por lá. Durante um curso da Miami Ad School realizado pela Escola de Propaganda e Marketing (ESPM), Bebel conheceria Alceu Nunes, que trabalhava na revista Superinteressante. Ele a convidou para ajudá-lo a montar a exposição Ilustrando em Revista, que reuniria as maiores ilustrações já publicadas pelas reportagens de revistas da Editora Abril.

Este se tornaria um grande case de sucesso de Bebel: o orçamento inicial para a montagem era de 10 mil reais e a mostra estava prevista para ficar no hall do prédio da editora durante um mês. No fim, o budget chegou a 1,5 milhão de reais e a exposição percorreu oito cidades brasileiras, alcançando um público de 90 mil pessoas. De lá, Bebel emendou a produção da exposição Fotografia em Revista, na mesma lógica da anterior. Em 2010, organizaria o Prêmio Abril de Jornalismo até que, após cinco anos na empresa, ela decidiria que era época de alçar o próprio voo.

Coleção da Bebel Books até o momento: 25 publicações, de ilustração a caligrafia e foto, de serigrafia a xerox e risograf.

Coleção da Bebel Books até o momento: 25 publicações, de ilustração a caligrafia e foto, de serigrafia a xerox e risograf.

“Já tinha feito tantas grandes coisas na Abril que achei que não tinha mais o que render por lá. Um amigo ilustrador disse que havia uma sala ociosa em seu escritório e que eu poderia usá-la se o ajudasse com a produção de sua revista. Era tudo o que eu precisava”, diz Bebel. Era o início da Mandacaru Design. A permuta pelo espaço acabou durando apenas quatro meses e, em seguida, a empresa criada por Bebel passou para um dos quartos de uma grande casa de coworking em Pinheiros – por 2.500 reais de aluguel por mês.

Manaíra e Bebel trabalham juntas na Mandacaru, cruzando trabalhos quando é possível – a irmã faz todas as identidades visuais das exposições que Bebel produz – mas elas também têm clientes que não se comunicam. A parceria internacional, entretanto, só aumenta: em 2014 Bebel foi curadora da exposição Design+Brasil+Football, no National Football Museum, em Manchester, Inglaterra. Este ano, a colaboração principal é com a Holanda, já que a Mandacaru traz a convenção internacional sobre impacto do design What Design Can Do para São Paulo em novembro. É a primeira vez que o evento sai de sua terra de origem.

UM LIVRO TAMBÉM É UMA EXPOSIÇÃO DE IDEIAS  

Em paralelo ao amadurecimento como produtora de exposições e designer na Mandacaru, Bebel também percebeu que seu talento para contar histórias poderia ser facilmente transposto para o papel. Assim nasceria sua segunda empresa, a Bebel Books.

Em 2011, Bebel viajou a Nova York. Por lá, fez um registro fotográfico do alfabeto de uma maneira artística e divertida: o M era de MoMA (Museum of Modern Art), o F de FedeX, o G de Museu Guggenheim e assim por diante. Quando voltou, publicou 15 exemplares do livro ABC NY, um diário de sua viagem em forma de títulos e letras. Foi sua primeira publicação. Um ano depois, ela conheceu Bia Bittencourt, a mente criativa por trás da Feira Plana, a maior feira de livros independentes de São Paulo.

“Ela me disse que estava procurando um lugar para fazer a feira. Como eu tinha contatos com o MIS (Museu da Imagem e do Som), acabei apresentando Bia ao Marcelo Ramalho, do núcleo de programação do museu, e virei a madrinha da Feira Plana”, diverte-se Bebel. Como boa madrinha, ela queria ter livros para expor na feira e, assim, nasceu oficialmente a Bebel Books.

Bebel faria mais quatro publicações, sempre no mundo da arte e do design gráfico, e sempre com a participação de amigos artistas. Em 2012, Bebel lançou 11 livros com obras dos amigos e achou por bem separar as publicações em duas linhas editoriais: Bebel Boobs, a vertente erótica, e Bebel Buxxx, a linha pornográfica.

Hoje, a Bebel Books tem 25 obras lançadas e a próxima grande aposta é o livro Suruba Para Colorir, mencionado no início desta reportagem. O Suruba, por exemplo, será vendido em formato de kit delux, com dois volumes e um estojo com giz de cera, por 90 reais. Também é possível comprar os volumes separadamente, por 30 reais cada um.

No modelo de negócios da Bebel Books, o artista fica com um terço da tiragem dos livros, exemplares que se encarrega de vender. “O fato de serem publicações independentes permite o contato direto com os clientes, e o autor fica com 33% da renda em vez de 5%, como as editoras tradicionais costumam praticar”, diz a empreendedora.

Bebel segue apaixonada pela arte e por tudo o que produz. No processo de feitura do último livro, cada ilustração que recebia era motivo para muita vibração. “Estou recebendo vários desenhos maravilhosos”, ela dizia. Mas, com Mandacaru e Bebel Books, ela conheceu além de satisfação profissional, também os desafios do trabalho autônomo:

“Existem as dificuldades normais de ser empreendedor no Brasil, sendo a principal delas a burocracia absurda a que precisamos nos submeter. Como a empresa é pequena e não tem administrativo ou RH, sobra tudo para duas pessoas”

Bebel também faz uma leitura do seu cenário. Ela enxerga o mercado de design gráfico muito aquecido e, até por isso, muito mal remunerado. Por conta disso, a Mandacaru se dedica cada vez mais à produção de eventos – enquanto a Bebel Books segue sendo, principalmente, uma forma de incentivar a produção literária dos amigos e de dar vazão à paixão de Bebel pela caligrafia.

O nome da empresa, aliás, é uma homenagem tanto a São Paulo quanto a João Pessoa. Mandacaru é um cacto muito comum na Paraíba, bastante resistente e que sobrevive a grandes períodos de seca. Mas ele dá uma flor muito bonita, que pode ser vermelha ou branca – é um cacto que floresce, apesar de todas as dificuldades. Assim como Bebel e Manaíra floresceram juntas nas muitas vezes áridas terras paulistanas. Produzindo, cada vez mais, beleza na forma de arte.

draft card MANDACARU

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