O JavaScript é o código utilizado na grande maioria de programas, sites e plataformas de computadores e smartphones atualmente, mas não foi sempre assim. Sem entrar em discussões sobre linguagem de programação, fato é que até alguns anos atrás, o JS era considerado algo útil “somente para validar formulários”, conforme fala o desenvolvedor Felipe Nascimento de Moura, 33, de Viamão, na Grande Porto Alegre. Foi justamente para provar o contrário que ele e o primo, Jaydson Nascimento Gomes, 33, também desenvolvedor e nascido na capital gaúcha, criaram uma das maiores conferências de divulgação sobre a linguagem do mundo, a BrazilJS. Desde 2011, ela reúne mais de mil pessoas interessadas em JavaScript e cresceu tanto que a dupla fundou a Nasc, uma empresa dedicada inteiramente a organizar o evento.
Talvez tivesse sido mais simples e óbvio desenvolver programas nessa linguagem, ou criar um app, algo aparentemente mais “mão na massa”, no entanto, nada foi simples, muito menos óbvio, na trajetória dos primos. Até a adolescência, praticamente, só tinham contato com computadores quando iam à casa de outros primos mais “abastados”, como dizem. Se ter um equipamento desses já era um sonho distante, o acesso à internet, então, nem se fale. Jaydson só foi ter uma máquina própria aos 18, e Felipe, aos 19. O contato tardio, porém, não alterou em nada o interesse e aptidão para a coisa.
A curiosidade era tanta que logo Jaydson arrumou um emprego na loja de informática de um amigo. Lá, aprendeu mais sobre hardware. Indo um pouco na onda do primo, Felipe começou um curso técnico de informática com o foco de trabalhar na área. E a relação dos dois, que já era bastante próxima, foi fortalecida por “um puxando o outro”. Jaydson entrou no mesmo curso logo depois e, juntos, eles mergulharam cada vez mais no mundo da tecnologia e da computação.
Foi em aula que se depararam com o JavaScript pela primeira vez. Curioso sobre a linguagem, Felipe aprendeu sozinho e criou um jogo todo em JS em um fim de semana. “Nem a professora sabia que dava para fazer jogo”, diz o empreendedor para exemplificar o quão menosprezada a linguagem era. Seguindo os passos do primo, Jaydson pensou: “Se o Felipe consegue, eu também consigo”. E assim, a dupla começou a buscar mais informações sobre JavaScript. Em vão… Na época, início dos anos 2000, tudo era muito novo (até 2005, mais da metade dos brasileiros ainda usava internet discada).
O SONHO DE UMA CONFERÊNCIA FOCADA EM JAVASCRIPT
Ao buscar maneiras de aprender mais sobre a linguagem, os primos descobriram que a comunidade de quem gostava de tecnologia era bastante unida, trocando informações e descobertas constantemente em palestras e eventos. E Jaydson não queria ficar de fora. “Sempre fui bem metido, queria estar por dentro”, conta. Então, começaram a participar de tudo o que podiam. Talvez, sem perceber, faziam o bom e velho networking, tão essencial para o mundo do empreendedorismo.
A ansiedade por devorar tudo o que podia sobre tecnologia era tanta que Jaydson nem terminou o curso técnico de informática e logo partiu para uma faculdade de Análises de Sistema.
E, como um puxava o outro, ao terminar o curso técnico, Felipe entrou na mesma faculdade. Tudo enquanto mantinham empregos paralelos para poder pagar o ensino superior: Jaydson, na área técnica do setor de TI da Faculdade Getúlio Vargas, e Felipe, como auxiliar de confeitaria e, depois, como estagiário em uma loja de consertos de computadores. “Fomos os primeiros das nossas famílias a conseguir nos formar em uma faculdade, e só fizemos isso porque trabalhamos para pagar”, afirmam.
Talvez por ironia do destino ou por excesso de convivência (os dois passaram a dividir um apartamento na capital gaúcha), ao se formarem, eles conseguiram empregos na mesma empresa — por pura coincidência. “Cheguei em casa e disse para o Jaydson que iria trabalhar no Terra e ele disse ‘eu também’”, conta Felipe rindo. O trabalho na empresa, porém, não os afastou do universo das palestras e eventos sobre tecnologia. Nenhuma delas, no entanto, era sobre o que mais queriam aprender. Até que, em 2009, souberam que haveria a primeira conferência sobre JavaScript nos Estados Unidos, a JSConf. Foi o suficiente para decidirem que queriam trazer um evento semelhante para o Brasil.
Passaram o ano seguinte estruturando a proposta, mas faltava o principal: encontrar um lugar para sediá-lo. O contato próximo com a comunidade os fez descobrir que outro programador, Christiano Milfont, de Fortaleza, também estava planejando algo do tipo. Mas ele havia feito o caminho inverso: encontrou primeiro o lugar e, depois, pretendia divulgar. Os três resolveram unir forças, embora a sociedade tenha se mantido apenas nas mãos dos primos, que investiram cerca de 20 mil reais no projeto.
TRANSFORMANDO A PAIXÃO POR UMA LINGUAGEM DE PROGRAMAÇÃO EM NEGÓCIO
Já na primeira edição da BrazilJS, em 2011, a única feita na capital nordestina, eles reuniram mais de 500 pessoas. No ano seguinte, em Porto Alegre, dobraram o público e trouxeram ao Brasil, pela primeira vez, Brendan Eich, o criador da linguagem da qual tanto gostam. Na terceira edição, finalmente, perceberam que “havia algo ali”. Decidiram oficialmente fundar a Nasc para estruturar melhor os eventos e lidar com toda a parte burocrática da organização. Dois anos depois, largaram os empregos para se dedicar inteiramente ao negócio, que hoje fatura, em média, 1,5 milhão de reais por ano.
“Empreender no Brasil é isso, ir testando para ver até onde se consegue ir e para a gente foi tudo muito orgânico”, contam. A empresa foi longe e, hoje, é uma das principais referências sobre JavaScript no mundo, reunindo participantes e palestrantes de diferentes partes. Jaydson diz:
“A BrazilJS se tornou um grande ponto de encontro, cumprindo nosso objetivo de ajudar a disseminar a tecnologia”
Para ele, muito disso vem da credibilidade dentro da comunidade, algo construído ao longo dos anos. Atualmente, toda a rentabilidade da empresa vem de patrocínios do evento, pois os ingressos — com preços que variam de 150 a 350 reais — mal servem para cobrir os custos da organização, que pode chegar a 500 mil reais.
É por isso que eles têm começado a apostar na criação de conteúdo próprio, ampliando o escopo para além da linguagem. “Nosso foco principal não deixa de ser o JavaScript, mas não adianta ter isso de forma incrível sem focar em outras coisas”, afirma. Ele complementa:
“Queremos fazer as pessoas descobrirem esse mundo de eventos e de conexão com a comunidade de programadores da mesma forma como aconteceu com a gente”
Na estimativa deles, mais de cem mil desenvolvedores acompanham as novidades da BrazilJS e da Nasc todos os meses. O trabalho talvez ficasse meio estranho se a dupla tivesse parado por completo de programar e desenvolver. Por isso, eles não estagnaram nesse sentido, embora agora a programação seja feita em doses “gerenciais”. Felipe é o principal responsável por criar ferramentas que podem ser consumidas pelo público da Nasc e a empresa também têm alguns clientes para os quais os primos desenvolvem softwares. No entanto, esse não é o foco.
Foco, aliás, é uma palavra que não cansam de repetir, provavelmente, por ser essa a principal regra por trás do negócio: eles sabem que querem falar diretamente com as comunidades que os acolheram e sobre a linguagem pela qual se apaixonaram. O plano agora é expandir para outras cidades do país, preferencialmente, em cidades menores, para estimular que esse ecossistema saia da “bolha de São Paulo”. O lema que os guia é uma frase dita pelo criador do JS: “Sempre aposte no JavaScript”. Os primos se orgulham em dizer que fizeram a aposta, mas nunca imaginaram que ela ganharia as proporções que tem hoje.