A pandemia vem sendo um baque para a classe artística. Nesse contexto de Covid, adaptar-se é essencial, ainda mais para quem vive de teatro, em que a proximidade física entre elenco e plateia é parte do espetáculo.
Para resgatar, da maneira possível, essa proximidade no ambiente virtual, o Armazém Companhia de Teatro lançou, em julho, uma peça apresentada ao vivo pelo Zoom: Parece Loucura Mas Há Método, com direção de Paulo de Moraes e roteiro dele e de Jopa Moraes.
Interativo, o espetáculo online traz duelos verbais entre personagens shakespearianos. A ideia surgiu em encontros virtuais para debater como seguir em frente em meio à pandemia. Segundo Paulo:
“Nossos encontros eram pelo Zoom. Desde o início, pensamos em emular essa plataforma e começamos a tentar desvendá-la, perceber as possibilidades que ela oferece e como poderíamos desenhar um jogo a partir destas ferramentas”
A peça já foi vista em 90 cidades e 12 países. No dia em que o Draft acompanhou a exibição, havia 74 pessoas na plateia virtual, gente de Curitiba, Fortaleza, Natal, Porto Alegre, Porto Velho e São Paulo.
CRIADA PARA O AMBIENTE DIGITAL, A PEÇA INCORPOROU FERRAMENTAS DO ZOOM
A frase do título (usada às vezes para descrever atitudes calculadamente erráticas de políticos populistas…) remete a uma fala de Hamlet, em que Polônio observa o comportamento amalucado do príncipe dinamarquês, que finge-se de doido.
De certa forma, a frase descreve o espetáculo em si. Logo no começo de Parece Loucura Mas Há Método, a plateia é convidada a eliminar um dos nove atores a partir de apenas uma fala — sem nem saber ainda quais serão os personagens de cada um.
Essa votação se dá pela ferramenta de enquete do Zoom, um pop-up que surge na tela. O personagem rejeitado deixa o jogo logo de cara. De acordo com Paulo:
“A proposta não era trazer algo que já tínhamos feito no teatro e adequá-lo a essas plataformas, mas sim criar algo específico para o online. Foi essencial, por exemplo, o compartilhamento de som, de vídeos e as enquetes que possibilitam uma resposta imediata do público ao acontecimento da nossa representação”
As batalhas são intermediadas por um Mestre de Cerimônias (originalmente, Sérgio Machado, substituído a partir de outubro por Ricardo Martins), que instiga o público a votar e escolher o vencedor de cada monólogo.
“A ideia de inserir o duelo não tem a ver com apelo, mas com a utilização de elementos que se conectam com o ambiente da internet”, diz Paulo. “A interação, na internet, é regra.”
AO DAR PODER AO PÚBLICO, A PEÇA BRINCA COM A CULTURA DO CANCELAMENTO
O espetáculo transcorre da seguinte maneira. Primeiro, os oito atores em cena recebem um número e é feito um sorteio para saber quem vai duelar com quem, numa espécie de reality show.
Daí, há quatro batalhas entre as duplas sorteadas. Ao final de cada uma, o público vota na sua performance preferida — escolhendo assim o personagem (e o ator ou atriz, claro) que deseja seguir acompanhando.
Os eleitos avançam para uma rodada semifinal e depois para a decisão, que define quem será o vencedor do dia, sempre de acordo com o voto do público.
Luis Lobianco diz que a peça brinca com a cultura do cancelamento. Conhecido pela presença nos esquetes do Porta dos Fundos, ele é o intérprete de Falstaff, personagem fanfarrão e recorrente na obra de Shakespeare — e conta como foi a reação do elenco a essa dinâmica:
“No início, a gente ficou apreensivo sobre como é ser cancelado e não levar isso para o aspecto pessoal. Conforme fomos fazendo os espetáculos, percebemos que o cancelamento é em cima do discursos dos personagens”
Os vencedores de cada sessão costumam ser personagens que despertam mais empatia. O próprio MC questiona: “Como se faz uma escolha: por imagens, palavras, emoções?”
O DESAFIO DE PINÇAR NOVE PERSONAGENS DE UMA GALERIA DE MAIS DE MIL
As peças de Shakespeare trazem, somadas, mais de mil personagens. Para ser exato, 1 223, segundo o OpenSourceShakespeare.
O que norteou a escolha dos nove que compõem o espetáculo?
Paulo conta que ele e o elenco tiveram o cuidado de pinçar personagens com características e temperamentos bem diferentes entre si.
“Para que o jogo fosse mudando, era importante que alguns personagens fossem cômicos, outros românticos, alguns vilões, outros heróis… A diferença entre eles era crucial para que a formação do público de cada dia pudesse influir no direcionamento da narrativa”
Os vilões sofrem mais, admite o diretor. “Eles são eliminados com maior frequência pelo público. Mas todos os personagens já venceram o jogo em algum momento.”
Parte da graça é justamente tentar identificar esse ou aquele personagem em cena a partir de suas falas curtinhas. E, claro, ficar matutando por que o público não votou como você imaginava.
COMO ENSAIAR À DISTÂNCIA, COM CADA ATOR E ATRIZ “NO SEU QUADRADO”
A montagem de Parece Loucura Mas Há Método exigiu quatro semanas de ensaio.
Essa etapa, claro, foi um desafio em si, com cada pessoa confinada em sua casa. Paulo explica que o trabalho com elenco se deu em duas frentes:
“Em alguns momentos, nossos ensaios eram coletivos: íamos entendendo a dinâmica da narrativa e experimentando duelos, com cada um conhecendo o trabalho do outro… Em outros, era só eu e uma atriz ou ator trabalhando a cena, experimentando o sentido, o tom, as possibilidades imagéticas…”
Sem um cenógrafo e um figurinista para apoiar o trabalho, coube ao elenco colaborar com a inserção dos adereços, usando roupas próprias e objetos de casa (já a música ficou aos cuidados de Ricco Viana).
Do ponto de vista do elenco, foi desafiador aprender a contracenar sem o colega por perto:
“É difícil não ter a presença do outro, não ter as pessoas que constroem uma cena, uma emoção com você ali naquele momento, respirando junto, olhando no olho…”, diz Lobianco.
MANTER-SE CONECTADO COM OS COLEGAS AJUDA A ENCARAR O MOMENTO DIFÍCIL
O ator diz que, no começo da pandemia, andava meio “desnorteado” em casa, sem saber se enfiava a cabeça na leitura ou no trabalho — ou se, ao contrário, dava um tempo para si mesmo.
Manter-se em contato com os colegas, mesmo antes do projeto da peça tomar forma, ajudou a superar essa angústia:
“Quando recebi o convite do Armazém, consegui canalizar minha energia para esse estudo importante de Shakespeare e para encontros com aquelas pessoas, que estavam sentindo a mesma coisa que eu”
Ele afirma que essa conexão online fortaleceu o grupo nesse período de isolamento.
“A gente se encontra virtualmente aos finais de semana, duas horas antes da apresentação. E depois, nos encontramos de novo, para comemorar, comentar como foi a peça e fazer uma festinha para o vencedor daquela noite”.
O IMPREVISÍVEL FAZ PARTE DO TEATRO EM QUALQUER FORMATO
Seja no formato presencial ou no online, o teatro está sujeito a imprevistos. Afinal, o “ao vivo” é sempre uma surpresa.
Segundo Paulo, o diretor, esse modelo virtual acirra ainda mais as incertezas:
“O palco é completamente aberto ao imponderável, mas é um terreno que a gente domina. Já no online, a grande dificuldade é lidar com a conexão, com o wi-fi, com a possibilidade da queda. É incrível como isso nos aproxima do teatro”
O grupo foi criando formas de se adaptar a esses problemas. “Toda essa imprevisibilidade leva os atores a desenvolver um estado de atenção constante durante a apresentação”, afirma.
Para Lobianco, atuar sem a plateia no mesmo recinto foi um dos principais desafios:
“Eu digo que a gente respira junto com o colega, mas isso acontece também com a plateia, de forma múltipla. Para mim, que gosto de humor, ainda mais. O humor se constrói junto com a plateia. É como uma partida de vôlei: você levanta e ela corta, ou o contrário.”
A RECEPÇÃO DO PÚBLICO VEM SURPREENDENDO (E COMOVENDO) O ELENCO
Pelo visto, essa “partida de vôlei” está agradando. Lobianco conta que a recepção do público vem surpreendendo o elenco:
“No final do espetáculo, o Paulo abre as câmeras do público e é incrível ver aqueles quadradinhos, as pessoas aplaudindo de casa, mais de 100 pessoas vibrando com a gente. Foi uma das maiores emoções que já tive: ver o público resistindo e as companhias de teatro resistindo junto”
Se a arte já é um instrumento de resistência em tempos comuns, nesse período se torna ainda mais importante e essencial:
“Pelos comentários que lemos, o público tem adorado. Muita gente nos fala da importância que o trabalho tem nesse momento tão doloroso que estamos vivendo.”
O TEATRO ONLINE TEM FUTURO NUM CENÁRIO PÓS-COVID-19?
Parece Loucura Mas Há Método fica em cartaz até 26 de outubro, aos sábados e domingos. Os ingressos custam entre 10 e 200 reais. Dentro dessa faixa, o espectador escolhe quanto quer pagar — o espetáculo é igual para todo mundo.
Num cenário pós-pandemia, o teatro online teria condições de se estabelecer como uma opção de arte e entretenimento com seus próprios méritos? Paulo acredita que sim, até por sua capacidade de alcançar (e impactar) mais pessoas:
“Fomos vistos em cidades onde nunca nos apresentamos. É importante levar um trabalho como esse, com textos de Shakespeare e um elenco tão maravilhoso, para essas cidades que quase nunca recebem teatro”
Seja no online ou no presencial, vale a máxima que Shakespeare colocou na boca de Jaques, em Do jeito que você gosta:
“O mundo inteiro é um palco. E todos os homens e mulheres não passam de meros atores. Eles entram e saem de cena. E cada um no seu tempo representa diversos papéis”.
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