Há pouco mais de um ano, as empreendedoras Ana Gabriela Lima, 52, Nathalia Lubini, 32, e Lara Martins, 20, participaram do reality show Shark Tank Brasil.
Em rede nacional, elas convenceram a empresária e investidora Monique Evelle a aplicar 420 mil reais na Dr. Mep, startup de telemedicina veterinária fundada pelo trio no ano anterior, em troca de 20% de participação no negócio.
A Dr. Mep se diz uma pet tech. Desde 2022, oferece uma plataforma que conecta mais de 1.000 veterinários a tutores de gatos, cachorros e outros animais de estimação. Mensalmente, são cerca de 300 consultas realizadas. Ana, que é médica veterinária há quase 30 anos, afirma:
“A telemedicina complementa as consultas presenciais. A Dr. Mep quebra barreiras geográficas para democratizar o acesso a serviços veterinários para os tutores e oferecer renda extra e trabalho flexível para os profissionais”
O funcionamento da plataforma é bem simples. O tutor se cadastra no site da Dr. Mep e insere os dados de identificação do animal (espécie, raça, sexo, idade e nome). O mesmo prontuário será usado em todas as futuras consultas. Depois, ele ou ela escolhe se deseja o serviço de um clínico geral ou um especialista — há 60 opções, como dermatologia, geriatria e oftalmologia.
Caso o pet precise de pronto atendimento, há médicos plantonistas que atendem em até seis minutos. Em todos os casos, a sala de atendimento é similar à do Google Meet, com chat e botão para envio de anexos. Devido a uma exigência do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), a consulta é gravada.
Por sua vez, veterinários que desejam integrar a rede da pet tech fazem uma inscrição no site e passam por uma entrevista. É verificado, por exemplo, se há queixas de mau atendimento, maus tratos e processos na CFMV. Aprovado, o médico escolhe os dias e horários que deseja trabalhar.
Embora a Dr. Mep tenha sido criada com foco no consumidor final (os tutores), hoje o negócio opera no formato B2B. Cerca de 90% das receitas vêm de empresas de seguro saúde e convênios médicos, sejam veterinários ou de humanos que incluem serviços para pets. Nesses casos, o atendimento é feito via plataforma e veterinários da Dr. Mep.
Segundo Nathalia, a CEO da empresa:
“Os demais 10% do faturamento são de clínicas e hospitais que utilizam a tecnologia da startup, mas com atendimento de seus próprios profissionais”
A empresa gera receita a cobrar uma taxa de 30% sobre o valor das consultas. Embora o profissional pode escolher o valor conforme seu nível de experiência e qualificação, a plataforma determina preços mínimos: 50 reais em clínica geral e 110 reais em especialidades. Consulta de pronto atendimento tem preço único de 80 reais.
As queixas mais comuns relatadas pelos tutores são animais com problemas de pele, vômito, nódulos e dificuldade para andar. Há também casos curiosos. Uma vez, um tutor estava muito preocupado, pois seu gato não comia há dias. Porém, não era caso de doença, e sim devido à chegada de um novo animal na casa — o gato estava estressado, com medo de perder o seu território.
Assim como se deu conosco, humanos, as medidas de distanciamento social da pandemia também afetaram a rotina dos animais. Médicos veterinários passaram a fazer atendimento online e a comunicação via Whatsapp se tornou padrão.
No entanto, ao voltar a rotina de consultas, exames e cirurgias, responder mensagens de tutores ansiosos passou a demandar muito tempo dos profissionais, incluindo a médica veterinária Ana Gabriela, que é natural de Salvador. Ela afirma:
“A comunicação existia e era frequente, mas cobrar pelos atendimentos via mensagens ainda era considerado socialmente inadequado”
Em 2021, Ana Gabriela conheceu, por meio de uma amiga em comum, a executiva Alaíde Barbosa, CEO da Capri Venture Builder, unidade de inovação e investimentos da Anilhas Capri, empresa de produtos e serviços de identificação de animais silvestres.
Na mesma época, a CFMV estava prestes a regulamentar a telemedicina veterinária. Para criar a Dr. Mep, Ana se juntou à paulista Nathalia, que já havia trabalhado em startups de mobilidade e serviços de alimentação, e à soteropolitana Lara, com experiência em marketing.
Com o time formado, a Capri Venture ajudou a Dr. Mep no planejamento estratégico, marketing, administração e na construção de uma rede de contatos. A própria Alaíde se tornou investidora-anjo do negócio. Em junho de 2022, quando a resolução da CFMV foi publicada, a Dr. Mep foi lançada comercialmente.
A resolução determina diferentes tipos de modalidades de telemedicina. As mais comuns são a teleconsulta, a padrão, em que médico e paciente não estão no mesmo ambiente; e a teleorientação, que visa à identificação e classificação de situações que, a critério do veterinário, indiquem a possibilidade da teleconsulta ou a necessidade de atendimento presencial, imediato ou agendado.
Outra modalidade bastante útil é a teleinterconsulta, exclusiva entre médicos-veterinários para troca de informações e opiniões. “Se dá quando um médico, muito experiente em determinada patologia, orienta um profissional na solução do caso de seu paciente”, diz Ana.
A telemedicina não é permitida para casos de urgência e emergência. São exemplos: ingestão de veneno de rato, tosse com sangue e dificuldade para urinar, que pode ser causada por obstrução uretral. Todos são casos potencialmente fatais.
O Brasil possui mais de 160,9 milhões de animais de companhia, de acordo com a Associação das Indústrias de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet). São cães, gatos, aves, répteis, peixes e pequenos mamíferos.
Em paralelo ao número absoluto de animais, houve também um crescimento na intimidade com os tutores. Se em décadas passadas lugar de cachorro era no quintal, hoje é comum tê-lo dentro de casa, e até em cima da cama.
Acontece que cerca de 40% desses novos membros da família não têm acesso regular à medicina veterinária, segundo Ana. Diferentemente da realidade de grandes metrópoles, muitas cidades do interior do país não contam com clínicas especializadas em animais.
Além disso, cerca de 25% da população de cães e gatos do Brasil vivem em situação de abandono. São 30,2 milhões de animais, de acordo com um estudo da unidade PetCare da fabricante de alimentos Mars. Nathalia afirma:
“A Dr. Mep se baseia no conceito de Saúde Única, uma estratégia que compreende a convergência humana, animal e ambiental para oferecer saúde e bem-estar”
Nesse sentido, a startup tem focado em duas novas táticas, que deverão ganhar tração a partir de 2025.
A primeira é criar parcerias com prefeituras para aumentar a capilaridade de atendimento de hospitais veterinários públicos, principalmente para a população de baixa renda. A cidade de São Paulo possui quatro desses hospitais, que registram mais de 110 mil atendimentos em 2023. Segundo Ana:
“Muitas doenças poderiam ser evitadas com simples medidas preventivas, como a vacinação e evitar que o animal fique solto na rua. Por exemplo, o Brasil ainda registra casos de raiva animal, doença erradicada em países do norte global”
A segunda tática tem sido convencer as empresas de que a saúde mental dos trabalhadores está relacionada à saúde do animal de estimação. Assim como uma mãe que tem um filho doente, uma tutora que tem em casa um animal adoecido também terá queda de produtividade.
Recentemente, a empresa firmou parceria com uma empresa de benefícios, que tem incluído os serviços da Dr. Mep nos pacotes que fornece para grandes empresas.
“São benefícios comuns em grandes empresas americanas, como SalesForce e Amazon”, diz Nathalia. “Acreditamos que essa conscientização aumentará no Brasil nos próximos anos.”
Para dar conta da demanda, a Dr. Mep tem 14 funcionários, que trabalham em formato remoto. Cerca de 90% do time é composto por mulheres e dividido em quatro áreas: time técnico de veterinárias, marketing, comercial e tecnologia.
Em reuniões presenciais, a equipe costuma se encontrar ou no coworking Cubo, em São Paulo, ou no Hub Salvador, na capital baiana.
Agora imersa no mundo da tecnologia, Ana Gabriela diz que, antes de empreender a startup, praticamente não conhecia o universo da nova economia.
Ao longo dessa jornada de aprendizado e muito trabalho, houve momentos em que se sentiu desmotivada, ao ser questionada por colegas veterinários. Tudo isso ficou para trás:
“Nunca duvide de seus sonhos. Hoje, digo com toda certeza que estou revolucionando a medicina veterinária brasileira”
O sonho parece mesmo promissor. Afinal, estamos falando de um mercado que movimenta quase 70 milhões de reais, cresce dois dígitos ao ano e gira em torno de paixões nacionais que abanam o rabo e ronronam deitados na nossa barriga.
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