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Conheça o Civi-co, um coworking pensado para ajudar a criar um Brasil mais justo

Bruno Leuzinger - 25 maio 2018
Ricardo Podval, do Civi-co: "Civismo é pertencimento. Precisamos resgatar o que nos pertence como cidadãos"
Bruno Leuzinger - 25 maio 2018
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Em 2010, quando Ricardo Podval trocou São Paulo por Xangai, o Brasil surfava a onda da bonança e da alta das commodities. Era um tempo de euforia e esperança, com pré-sal, Copa e Olimpíadas no horizonte. O futuro parecia, enfim, estar a nosso alcance: palpável, dourado, glorioso, uma Jules Rimet definitiva, à prova de vacilos.

Esse Brasilzão otimista, de obras faraônicas, atraía a admiração do mundo. E também a cobiça. Podval era business developer de uma fabricante de bens de capital – e viu-se sob o risco de perder a clientela para concorrentes chineses, que valiam-se do custo de produção mais vantajoso. A saída era contra-atacar.

“Desenhei um projeto para levar a produção para a Ásia, com o diferencial de que as fábricas daqui trabalhariam com o aftersales. Fizemos uma joint venture com duas empresas chinesas, vendíamos para ambas e para os projetos no Brasil. Depois começamos a vender para Chile, México, Peru, fechamos com distribuidores de Omã, Abu Dhabi… Saímos do zero para duzentos milhões de dólares anuais.”

Sete anos – e sete gols da Alemanha – mais tarde, o país que Podval reencontrou em 2017 era outro: ressaqueado moralmente, encalacrado na maior crise política e econômica de sua história. O Brasil pós-Lava-Jato estava rachado entre “coxinhas” e “mortadelas”, preso num torvelinho sombrio de impeachment, áudios gravados e vazados, delações premiadas, bate-bocas no STF, desemprego galopante.

Uma bagunça só, daquelas que dão vontade de enfiar a cabeça no travesseiro. E o plano de Podval, no retorno ao Brasil, era reposicionar sua vida, curtir a família, tirar um sabático. Até o dia do almoço com sua amiga Patrícia Villela Marino, presidente do Humanitas 360 e vice do Instituto PDR.

“Ela me falou da ideia de ter um lugar que reunisse outras organizações de impacto social, com uma convergência entre elas, formando uma comunidade. Por que não um espaço para empreendedorismo cívico-social? Para discutir projetos inclusivos, tudo aquilo que a República não vai te entregar? E aquilo fez todo sentido pra mim.”

A partir daquele almoço epifânico, Podval cancelou o sabático e entrou como sócio e investidor de Patrícia. E assim começava a nascer o Civi-co, o primeiro coworking do país com foco em negócios de impacto cívico-social. Inaugurado em novembro de 2017, em Pinheiros, na Zona Oeste de São Paulo, o espaço já conta com 46 startups e ONGs residentes (antecipamos a inauguração aqui no Draft, em outubro).

“Nosso propósito, resumindo, é tornar o Brasil mais justo. Não dá pra olhar só para o lucro. Estamos entre as dez maiores economias do mundo, mas também entre os países mais desiguais. Isso pode ser mudado. As pessoas querem mudança.”

Em sua jornada na Ásia, Podval pôde conhecer os efeitos da Nova Economia no ecossistema local de inovação. “Na China, hoje, parece que em cada cidade, em cada província, existe um ‘Vale do Silício’ talvez maior até do que o californiano, com mais investimentos, novas formas de trabalho, modelos de escritórios extremamente modernos… Há uma nova visão de empreendedorismo.”

Crise à parte, e ainda que com menos intensidade, esse Zeitgeist já vinha soprando por aqui, é claro. O que não impediu que alguns amigos arregalassem os olhos ao ouvir Podval e Patrícia contando sobre os planos para o Civi-co: vocês são loucos, estão investindo um caminhão de dinheiro num projeto de impacto social no meio da maior crise financeira, política e social desse país… Isso não vai parar de pé nunca!

Para colocar, sim, o Civi-co de pé, começaram com um projeto de design thinking, que teve apoio do Grupo Tellus, e o desenvolvimento do plano de negócios. Mas por que “Cívi-co”? “Civismo é pertencimento”, diz Podval. “Precisamos buscar nossos direitos cívicos, resgatar aquilo que nos pertence como cidadãos. Precisamos discutir política – e políticas. Precisamos entender que o Brasil é nosso.”

O projeto estava ‘pronto’, desenhado, mas faltava o espaço. Encaixar o Civi-co em um prédio de escritórios convencional não faria o menor sentido. Mas onde, então? Podval brinca que a lista de Cassiana [sua esposa, gerente de projetos do Civi-co e arquiteta responsável pela infra-estrutura do espaço] tinha uns “três mil imóveis”:

“Mesmo sendo uma época de certa forma propícia, com o mercado imobiliário em baixa, foi muito difícil encontrar o imóvel correto, com o tamanho necessário, que coubesse no budget e fosse perto de metrô, restaurantes, estacionamento…”, diz Podval. Deu trabalho, mas por fim acharam: uma antiga loja de móveis num trecho aconchegante da Rua Doutor Virgílio de Carvalho Pinto, em Pinheiros.

Benchmarks também foram alvo de uma busca intensa. Podval calcula que ele e Patrícia visitaram mais de 130 coworkings no Brasil, Estados Unidos e Inglaterra. Apuravam preço, horário de funcionamento, visitavam salas, avaliavam o tamanho, os tipos de cadeira, iluminação, se tinha cafeteria, lanchonete, auditório, rooftop…

Toda essa pesquisa de campo serviu para gerar insights valiosos, que refinaram o desenho do projeto. Visitar, porém, não bastava: era preciso realizar test-drives.

“Nos inscrevemos em trinta coworkings. Em alguns nós tínhamos um desk rotativo, em outros um desk fixo, em outros uma salinha… E aí você nota algumas coisas: por exemplo, em alguns coworkings eu estava sentado lá há uns 15 dias e nunca ninguém me convidou para tomar um café… Por mais que o modelo funcional seja o mesmo, há uma diferença. Coworking é real state: você aluga o espaço, trabalha, e os caras estão preocupados se você paga o aluguel. O Civi-co é uma comunidade.”

A generosidade do ecossistema é exemplificada no apoio que Podval recebeu de duas pessoas que em tese seriam seus concorrentes. “Uma foi o Flavio Pripas, do Cubo, que mesmo com uma agenda supercomplicada sempre nos atendia e tirava as nossas dúvidas. Outra foi a Fernanda Caloi, do Google Campus, que tinha sido estagiária da Cassiana, e também sempre nos apoiava quando precisávamos de alguma ajuda, informação ou benchmark. Aí você vê que não é competição.”

Foram 11 meses de obras; do predinho original ficou só a carcaça. “Começamos com oito organizações, hoje são 46. Tem sido um aprendizado diário.” A lista engloba pessoas jurídicas como Agenda Edu, Feira Preta, Hype60+, Pipe Social, Quintessa, Rededots, Walk4Good, Transparência Brasil, Observatório do Terceiro Setor, além das citadas Tellus, Humanitas 360, Instituto PDR e muitas outras.

Como funciona o processo de seleção? Entre os critérios estão o impacto gerado, a sustentabilidade do negócio e o plano de escalabilidade do projeto. Antes de mais nada, Podval tem duas regras: recebe todo mundo e nunca “dá preço” por telefone. Faz questão de apresentar o espaço e conhecer o empreendedor pessoalmente.

“Analisamos o perfil, o negócio em que está inserido – e aí não entro no mérito se é com fins lucrativos ou não, valem os dois. O interessante do Civi-co é ser um lugar onde o 2.5 [empresas que buscam lucro com impacto social] e o terceiro setor estão juntos, se comunicam, trocam experiências. Isso é muito rico.”

Podval cita um estudo da Fundação Dom Cabral, Causas da mortalidade das startups brasileiras, que indica que 50% das empresas nascentes do país fecham em até quatro anos. As chances de sobrevivência, porém, triplicam se a startup está instalada numa aceleradora ou incubadora, por exemplo.

Esse ambiente propício a conexões é uma das vantagens do Civi-co. A cada mês, desde a inauguração, cerca de duas mil pessoas circulam pelo espaço, incluindo empresários, investidores e políticos interessados em discutir projetos de impacto e políticas públicas. Há sempre algum evento rolando no auditório ou no rooftop, o que ajuda a impulsionar o coworking – e as organizações residentes, por tabela.

“Realizamos um trabalho muito tailor-made, sob medida, com cada empresa e organização para entender qual é o público-alvo, qual é o business, que links podemos fazer com o mercado… Temos parceria com um grande escritório de advocacia que faz um trabalho que cabe no bolso das startups. Temos também uma parceira de PR que ajuda a desenvolver e trazer visibilidade às organizações.”

Fazer “caber no bolso” é uma preocupação constante. Daí o projeto Adote Uma Startup, onde empresas que de outra forma não teriam condições de arcar com a mensalidade são apadrinhadas por empresas maiores, ou pelo próprio Civi-co. É o caso da Hype60+, consultoria de marketing com foco no mercado de longevidade.

Com ou sem fins lucrativos, não dá para gerar impacto sem dinheiro, lembra Podval. Ele usa sua bagagem do mundo de business para ajudar as organizações residentes a alcançar resultados.

“Meu ano sabático virou um ano de domingo-a-domingo”, diz, com bom humor. “Levanto às seis e meia da manhã, fico aqui até dez, onze, meia-noite. Faz parte. Mas acordo todo dia muito feliz. Esse é o principal: ver que valeu a pena.”

 

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