Depois de trabalhar com o manejo de peixes ornamentais da região amazônica em uma empresa localizada em São Paulo, o carioca Rudã Fernandes Brandão Santos (hoje com 36 anos), formado em engenharia de pesca, quis explorar o universo de outros animais marinhos: os corais.
Presentes em colônias e recifes – e ameaçados pelas mudanças climáticas –, os corais são imprescindíveis para a vida marinha porque, entre outras funções, servem como uma espécie de berçário para cerca de 25% dos peixes no mundo todo. Sem eles, toda a cadeia da pesca corre risco.
Para ajudar na preservação dessas criaturas fundamentais para o ecossistema marinho, Rudã fundou, em 2022, a Biofábrica de Corais, uma startup que associa atividades de turismo à conservação e à restauração de corais.
ATÉ 90% DOS CORAIS PODEM SER EXTINTOS NOS PRÓXIMOS 25 ANOS
A ameaça à sobrevivência dos corais infelizmente é muito palpável. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas estima que, até 2050, 90% dos corais podem ser extintos, por conta de um fenômeno chamado branqueamento.
Rudã explica que o aquecimento global eleva a temperatura da água do mar e expulsa uma espécie de alga presente no interior das células dos tecidos dos corais chamada zooxantela, que possui a função dupla de alimentá-los e ser uma capa protetora:
“Sem a zooxantela, o coral fica com fome e exposto ao sol. Em lugares com muito sedimento, ele ainda tem de lutar para tirar a lama de cima dele, é uma situação desesperadora. Se este evento for prolongado demais, o coral morre”
Para fazer frente a esse perigo, Rudã se debruçou sobre o tema durante o mestrado e o doutorado, realizados em Pernambuco. Foi nesse período que ele começou a formatar o que seria a Biofábrica de Corais.
O início do negócio foi garantido por meio de verba destinada vinda de um edital da Fundação do Grupo Boticário, além de um aporte financeiro da WWF direcionado para fomentar o turismo azul, que compreende atividades turísticas náuticas.
“Tinha vontade de empreender, mas não tinha coragem – esses parceiros iniciais me deram essa coragem”, afirma Rudã. Ele tirou o CNPJ em 2021, mas a primeira operação comercial só se deu no ano seguinte. “Em 2022, lançamos o programa de adoção de corais e de turismo regenerativo. Em 2023, começamos o nosso processo de escalar.”
ATIVIDADES DE TURISMO, A ADOÇÃO DE CORAIS E PROJETOS COM GOVERNOS E EMPRESAS GARANTEM O ORÇAMENTO DA BIOFÁBRICA
A Biofábrica possui diferentes linhas de atuação, todas com o intuito de recuperar e preservar o ecossistema de recifes dentro do ambiente marinho. Os clientes variam entre governos, instituições de fomento à pesquisa, como a FACEPE (Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco), iniciativa privada e sociedade civil.
No ano passado, a startup foi contemplada pelo programa Desafio.Gov do governo de Pernambuco, que patrocina projetos inovadores de micro e pequenas empresas com soluções para desafios identificados pelos órgãos públicos.
Para o público geral, a Biofábrica oferece a possibilidade de adotar um coral, remotamente, de forma simbólica, acompanhando sua jornada de restauração, além de adquirir suvenires como camisetas, bonés e garrafas da empresa. A adoção já foi feita por mais de 900 “tutores.”
O turismo regenerativo, em Porto de Galinhas, é outro serviço oferecido pela Biofábrica. Os turistas têm a oportunidade de conhecer cada etapa da recuperação dos corais. Na primeira etapa, eles participam de uma aula teórica e na sequência embarcam em uma jangada para mergulhar até as “fazendinhas” de corais em alto mar.
Cercadas por estruturas metálicas, as fazendinhas são os espaços onde se concentram os corais em recuperação. Além de Porto de Galinhas, a Biofábrica mantém esses centros em outros dois destinos turísticos relevantes, Tamandaré e Maragogi. Por fim, a experiência é concluída com o plantio do coral feito pelo próprio turista. Mais de 200 pessoas já tiveram essa vivência.
“Nossa ideia é montar um centro de referência em turismo regenerativo. Quando conseguirmos escalar as experiências de turismo e tivermos pelo menos uma operação por dia, teremos capacidade de plantar 18 mil corais por ano. Olha que interessante!”
A atuação voltada à educação ambiental é outra frente de trabalho da Biofábrica, que desenvolve palestras, cursos e eventos em escolas e redes hoteleiras com o intuito de disseminar a importância da cultura oceânica. Os resorts Samoa e Summerville, em Pernambuco, são parceiros da empresa.
Os corais são restaurados a partir dos fragmentos colhidos no mar (a quebra pode ocorrer por ação de lanchas e embarcações ou mesmo pelo impacto das ondas).
Esses pedaços dão origem a mudinhas que são plantadas em uma base criada em impressora 3D, chamada de berço, depois eles são transportados para as fazendinhas em alto mar. Esta etapa pode durar de três meses a um ano, a depender da espécie. Quando os corais estão maiores, passam para a segunda fase, chamada “recria”, em que ficam por mais um ano até crescerem mais e estarem aptos a voltar para a natureza.
No ano passado, afirma Rudã, a Biofábrica chegou a ter 200 colônias, cada uma com 24 corais e prontas para a recria. Porém, infelizmente elas não resistiram ao efeito do embranquecimento e cerca de 80% delas morreram. Antes disso, até 2023, mais de 5 mil corais foram manejados.
Rudã acredita que, quanto mais intensas as atividades humanas, mais extremas serão as reações da natureza. Daí a relevância do papel da Biofábrica de despertar uma conscientização sobre a importância dos corais:
“As mudanças climáticas são muito palpáveis: eu mergulho e vejo o que está acontecendo. Acho que nós não estamos prontos para lidar com esses impactos, por isso o processo de educação ambiental é primordial – você só consegue sensibilizar quem tem informação”
Ao todo, a Biofábrica tem 19 colaboradores, que se dividem entre as praias de Porto de Galinhas, Tamandaré e Maragogi, além do escritório, em Recife, onde operam os setores administrativo e de comunicação.
Ultimamente, Rudã vinha se dedicando sobretudo às funções comerciais. A partir de agora, ele diz que voltará a ter uma atuação mais técnica, porque vai precisar treinar a equipe para lidar com os processos de pós-branqueamento.
Para o CEO e fundador da Biofábrica dos Corais, lidar com os desafios do empreendedorismo – aos quais se somam os impactos da emergência climática, que afetam diretamente a saúde do negócio – exige resiliência e sensibilidade.
“Olho para as notícias boas, os acertos da regeneração dos corais buscando padrões do que significa para serem reproduzidos com sucesso. Tento imitar a natureza, entender o que ela está me dizendo em sua sutileza.”
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