Costuras de vida, parte 4 – Rudolf Steiner e a Antroposofia, mais Satish Kumar

Andréa Fortes - 21 jun 2017Andréa Fortes, fundadora da Sarau, escreve sobre as quatro teorias que transformaram sua vida. Este artigo é parte da série intitulada "Costuras de Vida".
Andréa Fortes, fundadora da Sarau, escreve sobre as quatro teorias que transformaram sua vida. Este artigo é parte da série intitulada "Costuras de Vida" (ilustração Alessandra Lago).
Andréa Fortes - 21 jun 2017
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Para começar esta conversa de um jeito ainda mais globalizado, cito uma frase do filósofo francês Jean Bartoli, amigo e inspirador, que diz que o mundo está precisando de um “resgate daquilo que é essencial”. Concordo com ele e acho que os nomes citados acima sabem bem disto.

Foi Rudolf Steiner quem trouxe ao mundo os conceitos de Antroposofia, na etimologia, “sabedoria sobre o ser humano”. Deixou um legado, cuidadosamente documentado após sua morte, com contribuições na Pedagogia, Medicina, na Agricultura Biodinâmica, Arquitetura, Economia, Artes, Farmacologia, Ciências Políticas, entre outros. Sua obra está compilada em mais de 300 volumes. No começo do século passado, ele falava sobre ciclos, histórias e biografias humanas.

Foi Steiner quem fundou a Escola Waldorf, hoje mundialmente difundida

Foi ele que nos trouxe o conceito de setênios. Nos desenvolvemos, como seres humanos, em ciclos de sete anos. A crise dos sete anos de um casal não é fruto de imaginação. Nos reinventamos, sim, em setênios. Entender e respeitar os ciclos (primavera, verão, outono, inverno, dia, noite) é entender e respeitar a própria vida. O Steiner tornou-se mais presente na minha vida nos últimos anos.

Não tive dúvidas de que colocaria minha filha numa Escola Waldorf, mesmo tendo consciência de que nenhuma filosofia educacional é perfeita, ainda mais uma vindo da Alemanha e aplicada no Brasil, quase um século depois. Marco, pai da minha Carolina, concordou. Nunca divergimos sobre este tema. Fui criada numa fazenda até os cinco anos e, depois, toda a minha infância, de uma forma totalmente antroposófica. Só que, na época, eu não sabia que tinha nome. Precisei ir para o Schumacher College, adulta, para relembrar conceitos tão fundamentais adormecidos com a minha criança interna.

Steiner morreu em 1925 e, em seguida, a Antroposofia já teve seus primeiros representantes no Brasil, ainda que muito teóricos. Foi na década de 1930. A expressão realmente prática surgiu na primeira escola Waldorf em São Paulo, em 1956. Desde então, cresce e se amplia. A Medicina Antroposófica começa a ganhar espaço e, ao lado da Homeopatia e de outras possibilidades de cura, também amplia olhares e vivências. A mesma médica que me apresentou com profundidade as teorias de Constelação Sistêmica do também alemão Bert Hellinger, doutora Sônia Fornazari, é minha médica antroposófica. Numa consulta, olha a biografia do paciente como um todo. Não fica no sintoma, no corpo. Em Porto Alegre, tenho um médico antroposófico, o dr. Paulo Volkmann, que é referência no assunto. Vai duas vezes por ano para a Alemanha trazer novidades.

Ano passado, numa visita a amigos no interior de São Paulo, estive com outro alemão, o Josef David Yaari, que vem trazendo olhares da biografia através dos nonênios (três ciclos de três), e não mais setênios. Com isto, o “auge” da curva de uma vida seria aos 54, e não mais 42 anos. Ganhamos tempo, felizmente. Há uma importante médica que hoje vive em Florianópolis, a doutora Gudrun Burkhard, que trabalha bem o conceito de Biografia Humana. E existem muitos centros de estudos do tema espalhados pelo Brasil.

Diz a doutora Gudrun: “Em cada homem há um menino que quer brincar, que quer amar, que quer falar e ser escutado. Se você souber fazê-lo acordar, seu amor desabrochará; se, ao contrário, você só o criticar, tudo irá paralisar”. E também: “Em cada mulher há uma menina que quer brincar, que quer chorar, que quer ser abraçada, que quer ser beijada. Deite-a em seu colo, afane seus cabelos, enxugue suas lágrimas, brinque, abrace e beije. E nela despertará a mulher que caminha junto lado a lado”.

Ainda não conheço a Antroposofia com a profundidade que gostaria, mas entendo que, em suas diferentes áreas, tem uma sabedoria imensa por trás, de respeitar ciclos.

Uma criança, segundo a Antroposofia, tem boa parte de sua formação até os três anos de idade. Depois, até os sete. É como se, depois dos sete primeiros anos, a alma estivesse formada. Diferentes autores, em diferentes áreas, falam sobre a mesma coisa. É como se todos fôssemos uma criança de sete anos que, com o passar dos anos, apenas ganhou corpo. Mas ela segue lá, viva, louca para ganhar colo e ser incluída (misturamos, aqui, o conceito do “resgate do artista”, da Julia Cameron, e as Constelações, do Bert Hellinger, com o conceito de pertencimento).

No fundo, todos buscamos um grande colo da grande mãe, que pode ser literalmente a nossa, ou outra ainda maior, Gaia

Não estudei em escola antroposófica, mas tive uma vivência muito próxima disto, na minha infância no interior do Rio Grande do Sul. Estimulados pela minha mãe, eu e meus irmãos fazíamos trabalhos manuais, estávamos muito próximos da terra, plantávamos e comíamos muito do que ia pra mesa. Quando fiz o “Art of Hosting”, em Porto Alegre, em 2011, fiquei sabendo da existência de uma escola no sul da Inglaterra, chamada Schumacher College. Desde então, passei a estudar o local e tive muitos amigos que foram.

Em 2015, finalmente chegou a hora de conhecer o tal lugar e viver suas possibilidades. Fui num setembro frio, numa turma de brasileiros, num programa chamado “Liderança para a transição.” Foi lá que “re-lembrei” conceitos de Gaia (terra, a deusa-mãe). Foi lá que revivi coisas da minha infância na fazenda. Numa das aulas, todas muito práticas, caminhamos um dia inteiro com professor Stephan Harding que, com uma régua em punho, nos mostrou, na prática, o quanto somos pequenos diante da imensidão dos Tempos da Humanidade. Os anos de industrialização, a sociedade na qual vivemos são milímetros de história de uma grande história maior.

O Schumacher (masculino porque é um college) foi fundado pelo Satish Kumar, um indiano de porte pequeno e sorriso largo. Satish tem mais de 80 anos e seu menino de sete segue muito vivo no seu corpo. O Satish mexeu comigo de um jeito bem forte. Esteve no Brasil algumas outras vezes e eu sempre o acompanho. Fala deste “resgate da essência” tão necessário. E fala de simplicidades da vida que perdemos pelo caminho.

Fico imaginando como seria um encontro do Steiner com o Satish. Como falariam sobre a crise do Brasil, sobre humanidades

De certa forma, eu acredito que eles se falem, de outro jeito. Porque, em essência, dizem do mesmo. Falam a partir da alma. Minha próxima formação será em Biografia. Retrospectiva Biográfica. Como boa contadora de histórias, vou começar escrevendo a minha, revivendo ciclos importantes e me preparando para os próximos. Sigo próxima do Satish e acredito cada vez mais no radical da palavra hum, que ele tanto gosta. Tem a ver com Humanidade, Humildade, Húmus e, por que não, Humor. Sigo também acreditando que estamos, na dor, muito próximos do resgate de algo essencial que perdemos pelo caminho e que esta nova crise de “ser humano” é necessária para uma verdadeira cura. Danke, Steiner. Namastê, Satish.

 

Andréa Fortes é fundadora da Sarau. Este artigo é parte da série de artigos intitulada “Costuras de Vida”, todos disponíveis abaixo:
COMO TUDO SE CONECTA
JULIA CAMERON e o Caminho do Artista
BERT HELLINGER e as Constelações
RUDOLF STEINER e a Antroposofia
KEN WILBER e a Teoria Integral

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