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“Criar o impossível é, diariamente, uma tarefa coletiva”

Guilhermina Abreu - 10 jan 2025 Guilhermina Abreu - 10 jan 2025
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Para mim, ser diferente é normal. Afinal, como filha de pais surdos e sendo ouvinte, posso dizer que minha infância não foi exatamente tradicional. 

Minhas primeiras palavras foram em Libras. Utilizando a Língua Brasileira de Sinais, falei que estava com fome. Mal sabia eu que alguns anos mais tarde isso seria tão emblemático, como uma verdadeira fome de mudança e transformação

É interessante lembrar que, quando o telefone tocava em casa, eu e meus irmãos, ainda crianças, precisávamos resolver quaisquer questões de adulto. Como uma CODA (Child of Deaf Adults), eu fui, junto com meus irmãos, uma criança intérprete — e para interpretar problemas é preciso, antes de tudo, entendê-los. 

Talvez tenha nascido ali o entendimento de que a juventude faz parte das soluções do mundo e a educação está no centro disso.

UM EXEMPLO PRA MIM, MEU PAI RECUPEROU O ATRASO ESCOLAR E CONSEGUIU TRANSFORMAR SUA VIDA E A DE OUTRAS PESSOAS SURDAS

Na verdade, a percepção da importância da educação como agente transformador é uma herança. 

Meu pai só pisou na escola depois dos 10 anos de idade. Ele vivia na roça com meu avô, que acreditava que, devido à surdez, seu filho não poderia frequentar uma instituição de ensino

Mas meu pai não só recuperou seu atraso escolar como, aos 18 anos, se tornou bolsista na Gallaudet University, em Washington, nos Estados Unidos. 

Hoje, Antônio Campos de Abreu fala diversas línguas de sinais, é fundador e presidente da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), grupo que ajudou na luta pela Libras no Brasil e é responsável por promover mais qualidade de vida para os surdos. 

A educação transformou a vida dele e isso foi fundamental para transformar a vida de outros surdos

Não há dúvidas de que isso por si só já é uma inspiração para mim: alguém que não tinha perspectiva de futuro e, de repente, tem acesso a conhecimento, conquista o mundo e, sem receio de parecer piegas, foi capaz de transformar o cenário brasileiro para surdos. 

É a prova viva que podemos criar o impossível a partir da educação.

JUNTO COM OUTROS ALUNOS PARTICIPANTES DE UM PROJETO SOCIAL, CRIEI O EMBAIXADORES DA EDUCAÇÃO

E foi também uma oportunidade educacional que mudou minha própria história. Estudei a maior parte da minha vida em escolas públicas e vi a falta de democratização da educação de qualidade. 

Em 2011, consegui uma bolsa de estudos para participar de um projeto social em Minas Gerais, o NEJ (Núcleo de Empreendedorismo Juvenil) voltado para alunos de escolas públicas, uma parceria com PlugMinas e Sebrae. 

Era totalmente diferente do que vivi na escola pública, um método desafiador. Era a educação que eu precisava e onde foi plantada uma semente que casava as ideias de empreendedorismo e ensino

Eu e mais dez alunos do projeto queríamos compartilhar com outros jovens o conhecimento que adquirimos. Nosso desejo era fazer com que mais estudantes do ensino público tivessem oportunidades. 

E se houvesse um jeito de mais alunos terem oportunidades únicas que mudassem suas vidas? E se os jovens fossem ouvidos e pudessem transformar suas realidades e comunidades? Ter ideias que pudessem ser colocadas em prática e, por que não, mudar o mundo?

Foi com essa inquietação que nós — como egressos, sem recursos, em uma praça, sob o comando de 11 jovens de 18 anos com muita vontade de fazer a diferença — criamos o Embaixadores da Educação

Em 2013, o projeto virou coletivo. E em 2017, o coletivo virou uma instituição formalizada com foco em educação disruptiva e transformadora. 

Hoje, já impactamos mais de 200 mil alunos de escolas públicas no país.

A GENTE CONTAVA MOEDAS PARA PEGAR O ÔNIBUS PARA AS REUNIÕES – ATÉ SURGIR A OPORTUNIDADE DE UMA ACELERAÇÃO INTERNACIONAL

Para chegar até aqui, foram muitos “nãos”. No começo, ninguém topava nada, até que uma escola resolveu aceitar o programa onde pudemos implementar uma educação empreendedora, divertida e envolvente. 

A premissa é simples: desenvolver projetos a partir de problemas que o estudante vive em seu dia a dia. Enquanto o aluno transforma a escola dele, ele muda também a comunidade, o entorno, sua realidade e de muitas outras pessoas.

Quando em 2017, fomos convidados a concorrer a uma aceleração internacional, vimos ali mais uma oportunidade. Além de inscrever a iniciativa, era necessário ter uma sede e que as lideranças falassem inglês. 

Veja bem, nossos encontros aconteciam na Praça da Liberdade ou na Praça do Papa, em Belo Horizonte (MG), cidade onde a Embaixadores da Educação nasceu. A gente literalmente contava moedas para pegar o ônibus para nos reunirmos

Do dia para a noite, conseguimos parceria com um coworking para chamar de sede. Também entramos em uma plataforma para aprendermos inglês. 

O pessoal da Pyxera Global, que estava à frente da aceleração (três consultores — um da Rússia, um da França e um de Israel — vieram a Belo Horizonte para conduzir o processo), foi bem sincero quando disse que estava apostando na gente, pois ainda precisávamos nos estruturar. Mas eles viram a vontade de mudança e que estávamos dispostos a aprender mais e fortalecer nosso propósito.

A aposta deu certo. Hoje, somos uma organização sem fins lucrativos que impulsiona alunos de escolas públicas como realizadores, para serem a mudança que sonham ver e protagonistas de suas próprias histórias. 

VEMOS NA PRÁTICA COMO PESSOAS INSPIRADORAS DESPERTAM SONHOS E PERSPECTIVAS EM ALUNOS DE ENSINO MÉDIO DA REDE PÚBLICA

A mobilização chegou ao ponto de ter executivos nas maiores empresas do Brasil que são embaixadores da educação — como iFood, Sympla, Globo — que como pessoas físicas se envolvem nos projetos para construir pontes para tirar ideias do papel. 

Envolvemos marcas, governos, outras instituições e todo mundo que quer fazer parte dessa jornada, porque sabemos que criar o impossível é, diariamente, uma tarefa coletiva

Por meio do Embaixadores da Educação, criamos duas poderosas iniciativas, a “Empower” e o “Crie o Impossível”. 

A Empower é uma plataforma gratuita que possibilita que alunos identifiquem problemas e criem soluções. Ajudamos os jovens a desenvolver e realizar projetos. Vários deles são selecionados para programas de capacitação, bolsas de estudo para faculdade e até imersões no exterior.

Já o Crie o Impossível é uma iniciativa que nasceu para ser a aula mais inspiradora da vida do aluno e se tornou a maior aula aberta do Brasil. Reunimos empreendedores, celebridades e figuras públicas com histórias de superação que mostram que não importa de onde você veio, podemos chegar ao sucesso. 

Não à toa, nosso lema é “A palavra convence, mas o exemplo arrasta”. Vemos na prática como pessoas inspiradoras despertam sonhos e perspectivas em alunos de ensino médio da rede pública. Eles saem do evento com ideias — e com vontade de fazer acontecê-las

Na primeira edição, realizada no Estádio do Mineirão, esperávamos ter a presença de 100 pessoas e acabamos com 4 mil jovens. Na época, os participantes concorreram a 300 bolsas para a escola do Sebrae, além de vagas em faculdades e intercâmbio no Canadá. 

Atualmente, a cada evento, são pelo menos 10 mil alunos de escolas públicas presentes no estádio da vez — e a aula também é retransmitida ao vivo para milhares de escolas do país.

MOBILIZAMOS PESSOAS, EMPRESAS E CLUBES DE FUTEBOL PARA REDUZIR A DEFASAGEM DOS ESTUDANTES AFETADOS PELAS ENCHENTES NO SUL

Em 2024, na 5ª edição do Crie o Impossível, direcionamos nossos esforços em prol da educação do Rio Grande do Sul. 

Em 2022 já havíamos realizado o Crie o Impossível em Porto Alegre, a ideia era fazer o evento em outra região. Mas quando fui às escolas gaúchas e vi o tanto que as enchentes de maio de 2024 destruíram tudo… 

De início, o país inteiro se mobilizou. No entanto, quando as águas baixaram, quando de fato é necessária mais ajuda para recomeçar, o assunto saiu da mídia. O cenário no ensino público era de alunos atrasados no conteúdo, escolas sem estrutura para receber os estudantes e alto índice de evasão.

Sem recursos, reunimos os professores youtubers mais famosos do Brasil para repassar os conteúdos de maneira dinâmica e divertida. Também fizemos uma caravana presencial em 36 municípios gaúchos, preparando mais de 15 mil alunos das escolas mais afetadas

Conseguimos engajar novamente a população, times de futebol, empresas e diversas instituições — a ajuda chegou novamente! No fim de novembro, 10 mil alunos marcaram presença no Crie o Impossível que realizamos no estádio Beira-Rio. 

Foram muitos os depoimentos de jovens que queriam desistir e que saíram de lá com a certeza que irão superar. Não tenho dúvida que ali na plateia estavam futuros empreendedores, líderes e visionários de que ainda vamos escutar muito!

A gente acredita que onde há chance para a educação, há chance para o recomeço. E é extremamente valioso ver isso na prática. Continuo trabalhando para que a exceção se torne a regra.

 

Cofundadora e CEO da ONG Embaixadores da Educação, Guilhermina Abreu é idealizadora do Crie o Impossível, projeto que se tornou a maior aula aberta do país, voltado especialmente para alunos da escola pública. Entre outros reconhecimentos, ela figurou na lista Forbes Under 30 e recebeu o Prêmio Nacional de Educação Empreendedora da Endeavor. 

 

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