“Criar um filho é praticamente um laboratório diário de inovação e desenvolvimento pessoal e profissional”

Michelle Levy Terni - 11 out 2023
Michelle Levy Terni, CEO da consultoria Filhos no Currículo.
Michelle Levy Terni - 11 out 2023
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Quantas vezes você já ouviu (ou pensou): “Não vou contratar uma mulher porque ela deve engravidar em breve e vai ser um B.O. aqui na empresa”.

Esse é um pensamento que ainda passa pela cabeça de muitas lideranças, mas poucas têm a coragem de assumir.

Infelizmente tal crença tem um impacto avassalador na participação das mulheres no mercado de trabalho. Como consequência, elas passam a ser menos contratadas e mais demitidas

Segundo dados da FGV, a probabilidade de emprego para elas no mercado de trabalho aumenta gradualmente até o momento de tirarem uma licença-maternidade, e decai depois…

O estudo aponta que cerca de 50% das mulheres perdem o emprego após a licença-maternidade, e que a maior parte das saídas do mercado de trabalho se dá sem justa causa e por iniciativa do empregador. 

POR QUE A IGUALDADE DE LICENÇA É UMA AÇÃO AFIRMATIVA QUE AJUDA A ELIMINAR VIESES NO MERCADO DE TRABALHO

Agora imagine um mundo onde todas as pessoas com filhos tivessem que sair de licença pelo mesmo período de tempo. Será que você escutaria frases como essa acima?

Provavelmente não, pois o ônus e o bônus da chegada dos filhos passaria a ser de todas as figuras parentais, independentemente do gênero. 

Esta medida por si só já seria um divisor de águas na carreira da mulher — que, por sua vez, deixaria de ser o alvo principal dos conflitos.

A igualdade das licenças é uma ação afirmativa que visa eliminar os vieses ainda existentes no mercado de trabalho quanto à contratação de mulheres

Se hoje as empresas não contratam mulheres por medo de elas engravidarem, saírem de licença e deixarem o time na mão, com essa mudança estratégica conseguiriam acelerar a representatividade feminina em todas as posições. 

Na vanguarda deste movimento, existem empresas que apostam num modelo de “licença-parental”, ou seja, oferecendo até seis meses para todos seus colaboradores, independente do gênero.

Desde quando fundamos em 2018 a Filhos no Currículo, consultoria que ajuda as empresas a construírem um ambiente de bem-estar parental, somos convidadas a avaliar a efetividade de políticas como esta e, algumas vezes, para diagnosticar o porquê dos homens pais não usufruírem de um período de licença estendida oferecido pelo empregador. 

Nisso, comecei a me questionar o quanto as lideranças dessas organizações se sentem representadas por tais políticas e apoiam as ações que visam equidade de gênero. Seria uma vontade genuína desses líderes? Percebi que a resposta era: não.

COMO AUXILIAR AS LIDERANÇAS A DESCONSTRUIR A IDEIA DE QUE FUNCIONÁRIOS COM FILHOS ATRAPALHAM A PRODUTIVIDADE DA EMPRESA

O ponto é que dói de verdade para a liderança ter a sua equipe “desfalcada” por meses.

É um sentimento legítimo, que precisa ser ouvido para então ser cuidado e ressignificado.

Este é exatamente o meu trabalho aqui na Filhos no Currículo: auxiliar lideranças, suas equipes, e os times de Diversidade e Inclusão e Recursos Humanos a desconstruir a ideia de que filhos atrapalham a carreira dos seus pais

Um case prático de empresa que tomou a dianteira no oferecimento de um modelo de licença-familiar é a Diageo. Engajamento interno, vendas e até reputação aumentaram, fazendo com que a empresa fosse reconhecida em diversas premiações internacionais.

A Diageo foi inclusive convidada pela ONU (WEPs) como case para ilustrar um de seus sete princípios fundamentais: tratar mulheres e homens de forma justa no trabalho, respeitar e apoiar os Direitos Humanos e a não discriminação. 

Se engana, no entanto, quem pensa que lançar uma política parental é uma ação suficiente por si só.

A mudança bem-sucedida exige um planejamento orquestrado por uma equipe multidisciplinar, com engajamento da alta liderança e revisão de políticas acessórias que serão indiretamente impactadas pela mudança

Assim, como em qualquer transformação cultural, essa mudança leva tempo para ser assimilada e se o processo não for cuidado, corre o risco de não sair do papel. 

JÁ HÁ UMA PROPOSTA NA CÂMARA QUE BUSCA APROVAR UMA REGULAMENTAÇÃO DA LICENÇA-PATERNIDADE

Apesar do grande passo, o oferecimento da licença-parental unificada ainda é um movimento tímido que não contempla a grande maioria da população brasileira.

Na intenção de mudar este cenário nasceu a “Coalizão Licença Paternidade”, criada a partir de um Grupo de Trabalho liderado na Câmara pela deputada Tabata Amaral.

A coalizão, que é liderada pela sociedade civil, tem trabalhado incansavelmente para promover a igualdade de licenças parentais no Brasil, e conta com mais de 25 integrantes e 15 instituições, incluindo a Filhos no Currículo. 

O principal objetivo deste grupo é a aprovação de uma regulamentação da licença-paternidade, algo que vem sendo demandado pela sociedade civil há 35 anos

Na última semana de setembro o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria de votos para reconhecer que o Congresso Nacional está sendo omisso ao não regulamentar a licença-paternidade. Este é um marco importante para a equidade de gênero e a conciliação entre carreira e parentalidade no Brasil. 

A LICENÇA PARENTAL É UMA CHANCE DE ELIMINAR ESTEREÓTIPOS E DESIGUALDADES — E UM DIREITO BÁSICO DAS CRIANÇAS

A licença parental é uma medida catalisadora de inovação para o mercado de trabalho.

Para a sociedade, contribui na eliminação dos estereótipos de gênero, redução da desigualdade salarial entre homens e mulheres e aumento da representatividade feminina em cargos de liderança.

Para a criança, representa um direito básico e fundamental: o de ser cuidada, nutrida e protegida, com seu pleno desenvolvimento assegurado.

Para você, pai ou mãe que está lendo este artigo, saiba que as licenças estendidas representam uma oportunidade única de construção de vínculos afetivos familiares e podem virar uma potência no seu currículo

Criar um filho é praticamente um laboratório diário de inovação e desenvolvimento pessoal e profissional. Quando você ocupa um papel protagonista nos cuidados parentais, você se torna também um CEO no seu núcleo familiar.

Segundo estudo feito durante a pandemia, 98% dos pais e mães afirmam que desenvolveram alguma habilidade (soft skill) profissional a partir do contato com os filhos – com destaque para paciência, tolerância, priorização, empatia, criatividade e liderança. 

Se você é líder em uma empresa, não desperdice a oportunidade de levantar este debate internamente e começar a movimentar essa pauta. E se você é pai ou mãe, saiba que não está sozinho e que nossa luta é para que todos possam assumir com orgulho seus filhos no currículo.

Escolhemos ter “filhos E carreira”, e não “filhos OU carreira”. 

 

Michelle Levy Terni é CEO da consultoria Filhos no Currículo e conselheira do Instituto Serendipidade. Ela é Top Voice Linkedin 2022 para temas de equidade de gênero e tem como missão reprogramar o mercado de trabalho para que nenhuma pessoa tenha que escolher entre filhos ou carreira, ajudando as organizações a construírem um ambiente de bem-estar parental com seu trabalho.

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