A oferta de crédito para pequenos produtores rurais já avançou no país, mas ainda está aquém do esperado e enfrenta uma série de gargalos.
Entre as dificuldades há o excesso de burocracia e de garantias exigidas, a demora na liberação dos recursos e a falta de informação. É o que diz uma pesquisa da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), realizada junto com agricultores.
Foi para mudar essa realidade e trazer uma alternativa adaptada às necessidades dos pequenos produtores que nasceu a Culte, startup maranhense que oferece empréstimo, serviços bancários e cria um marketplace que facilita a comercialização da produção rural.
A fintech com foco no agro põe ao alcance dos seus clientes recursos como conta digital, pagamento de cartão de crédito por link e lojas online voltadas para os agricultores (hoje, são mais de 2 500 dentro desse ecossistema).
Por uma mensalidade de 30 reais, o usuário da Culte tem acesso a uma conta digital através da plataforma, onde também pode gerar links de pagamento que dispensam o uso de maquininhas de cartão de crédito.
Ao criar sua loja no marketplace, o cliente pode divulgá-la em suas redes sociais, fazer as vendas pelo sistema e gerenciar tudo que comercializa, acompanhando as principais cotações de commodities.
Nesse mesmo ambiente, o agricultor pode ainda realizar um pedido de financiamento, com valores que variam de 1 mil a 20 mil reais. Desde novembro de 2020, segundo os sócios, a Culte recebeu mais de 15 milhões de reais em solicitações de empréstimo – sendo que 70% desses agricultores nunca tinham tido acesso a crédito.
É gente como Cezita Coelho, 58, de Roraima. Em 2021, ela fez um financiamento com a Culte para aumentar a produtividade de sua plantação de milho e obter capital de giro. “Fiz melhorias na minha propriedade e ainda tenho mais planos”, conta.
Dono de um apiário em Itapetininga (SP), Gabriel Vieira, 31, encontrou a Culte quando procurava oportunidades de financiamento na internet. Ele conseguiu empréstimo para comprar maquinário. “Na área da apicultura, sempre preciso investir em equipamentos para a produção de caixa.”
Quem está à frente da Culte é o casal Bianca Ticiana, 42, CFO, e Claudio Rugeri, 43, CEO da empresa. Ela, uma maranhense formada em publicidade; ele, administrador de empresas natural do Rio Grande do Sul.
Os dois vivem hoje na Inglaterra, de onde pilotam remotamente um time de dez funcionários (das áreas de tecnologia, marketing e comercial) que se divide entre São Luís e São Paulo. Sobre o sucesso do negócio, Bianca afirma:
“A gente não imaginou que iria dar tão certo, que a aceitação seria tão grande… Muita gente achava que esses pequenos produtores não acessavam a internet. Foi uma revelação”
O casal se conheceu em 2000, quando Claudio foi trabalhar como diretor de um hospital em Santa Luzia do Paruá, no interior do Maranhão. Juntos, adquiriram uma fazenda no estado e começaram a plantar arroz.
Com o tempo, foram percebendo a dificuldade dos vizinhos de comercializar seus produtos; muitas vezes, a falta de documentos emperrava a vida desses pequenos agricultores.
“O Maranhão é uma terra muito rica, mas muito pobre de recursos, de educação, de tudo”, diz Bianca. “Então, na época, a gente já começou a fazer o que faz hoje na Culte, só que num modelo off.”
O que seria esse “modelo off”? Significa que, em sociedade com alguns amigos, eles começaram a ajudar esses pequenos produtores locais. Levavam, por exemplo, um trator para fazer um açude, onde seriam criados peixes. Depois disso, recebiam uma parte do lucro.
Bianca lembra que aquelas iniciativas, mesmo incipientes, deixavam um impacto profundo:
“Com tão pouco, a gente via que essas pessoas tinham um crescimento, conseguiam mudar um pouquinho de patamar, dar uma vida melhor para a família, colocar o filho para estudar…”
Claudio e Bianca seguiram nesse esquema por uns cinco anos, até que a sociedade com os amigos se desfez. O casal, então, fundou outro negócio de distribuição de produtos de limpeza – mas nunca esqueceu a força que prestavam aos agricultores. “A gente viu que poderia fazer a diferença na vida não de uma pessoa, mas de várias famílias.”
Com o passar do tempo, eles começaram a pensar em modelos de negócio envolvendo tecnologia que permitissem escalar a oferta de oportunidades a pequenos agricultores de todo o país. Até que, em 2018, tiveram uma sacada: criar uma criptomoeda que pudesse potencializar o trabalho e a vida desses produtores rurais.
A criptomoeda ficaria para depois (spoiler: ela foi lançada em setembro de 2021). Antes, seria preciso botar de pé um ecossistema atendesse esses produtores com soluções financeiras.
Com a ajuda de um advogado do escritório Pinheiro Neto, o casal começou a tirar o projeto do papel. Foram seis meses ajustando detalhes e o portfólio de soluções da startup.
Para entender melhor as necessidades e dificuldades dos produtores, os empreendedores foram a campo conversar com alguns deles. Explicar a proposta da Culte nem sempre foi simples:
“No começo, tinha pessoas que me perguntavam como a gente ia garantir a devolução do dinheiro delas. Elas não entendiam que não era a gente que pedia o dinheiro, mas sim quem emprestava”
Enquanto isso, a tecnologia trazia seus próprios desafios. Uma equipe foi contratada e encarregada de bolar o sistema, incluindo a conta digital e o marketplace onde a futura criptomoeda poderia ser usada.
No total, o investimento inicial na startup foi de 1 milhão de reais, entre recursos próprios e aportes de familiares.
Em 2020, a startup passou por processos de aceleração do InovAtiva Brasil e do LIFT (Laboratório de Inovações Financeiras e Tecnológicas).
A opção de microfinanciamento foi lançada em novembro daquele ano, com o foco todo no online. Segundo Bianca:
“Foram maravilhosas essas experiências de aceleração, porque a gente conseguiu dentro delas produzir esse módulo de microfinanciamento”
Hoje, a Culte continua participando de dois programas de aceleração, um oferecido pelo Sebrae e outro pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).
Em setembro de 2021, a Culte lançou finalmente a sua criptomoeda, a Cultecoin, para ser usada na compra e venda de produtos de agricultores familiares. Bianca conta:
“A gente quis, primeiro, entender qual era a dor desses produtores, trazê-los inicialmente para dentro de casa – para, daí sim, lançar nossa criptomoeda”
Inicialmente, foram colocados à venda 21 milhões de tokens, ao preço de US$ 0,05 cada. Já no primeiro dia, segundo os empreendedores, foram vendidos 2 milhões de tokens, totalizando 100 mil dólares. Em um mês, foram mais de 5 milhões de unidades vendidas.
A ideia é lançar, em até cinco anos, um total 210 milhões de tokens. Quem compra essas moedas digitais ganha acesso a áreas exclusivas e condições “diferenciadas” do marketplace da Culte.
Hoje, a venda de tokens complementa a receita da startup, composta principalmente através da cobrança de juros pelos financiamentos e de taxas pela intermediação de operações realizadas na plataforma.
Durante a pandemia, a Culte criou um mapa de oportunidades no qual é possível visualizar detalhes de cooperativas e produtores de acordo com a região pesquisada.
A Covid-19 também atrapalhou as vindas dos empreendedores ao Brasil, que antes se davam num ritmo mensal. Por outro lado, estar na Inglaterra deve facilitar os planos futuros de internacionalizar o negócio.
Bianca vê os obstáculos com naturalidade. Sobretudo considerando o fato de a Culte estar desbravando um mercado novo.
“A Culte é o nosso projeto de vida, então nada me abalou nem vai abalar. Quando a gente se abala, para e percebe que dá para resolver o problema de uma forma ou de outra.”
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