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De gerações distintas, elas se uniram para usar a inteligência artificial contra a burocracia nas transações imobiliárias

Marília Marasciulo - 8 abr 2025
Letícia Parreira (à esq.) e Clarissa Vieira, fundadoras da Quill (crédito: Hugo Machado).
Marília Marasciulo - 8 abr 2025
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Comprar ou vender um imóvel no Brasil pode ser um processo longo e burocrático. A análise documental necessária para viabilizar uma transação imobiliária envolve dezenas de certidões, verificações e aprovações que costumam ser feitas manualmente, o que demanda tempo e aumenta o risco de erros. 

A Quill quer mudar esse cenário. Fundada em 2024 por duas empreendedoras de gerações diferentes – a paulistana Clarissa Vieira, hoje com 50 anos, e a mineira Letícia Parreira, 26 –, a startup usa inteligência artificial para automatizar o fechamento das transações imobiliárias. Letícia contextualiza:

“É o momento quando já houve o aceite comercial: já encontrei, já negociei, agora é o momento de fechar a compra… Mas antes disso tem toda a diligência imobiliária, que envolve coletar e analisar um monte de documentos”

Entre esses documentos estão certidões jurídicas — trabalhistas, criminais e cíveis. A ideia da Quill é que toda a documentação (hoje coletada em diferentes sites) seja reunida pela ferramenta, que tem também uma IA que avalia tudo e dá nota para aquela transação. “Assim é possível tomar uma decisão mais assertiva e rápida.”

Com formações e experiências distintas, Clarissa e Letícia encontraram um ponto de convergência no mercado imobiliário. CEO da Quill, Clarissa afirma:

“De um lado, tem uma pessoa com mais experiência, mas que tinha capotado legal. De outro, uma pessoa no início da jornada empreendedora, mas que também veio de capotes e desilusões do mundo startupeiro. Essa diferença de visão geracional se complementa muito”

Voltada para o mercado B2B, a ferramenta da startup serve para “N transações”, segundo Letícia. A estimativa, diz, é que, no Brasil, 540 bilhões de reais são movimentados anualmente apenas em financiamentos. 

Hoje, a Quill tem entre os clientes escritórios de advocacia, instituições financeiras e imobiliárias, e funciona com dois modelos de precificação: por assinatura e por consulta. A startup espera alcançar o breakeven ainda em 2025 – e acaba de captar 2,5 milhões de reais em um aporte liderado pelo Sororitê Ventures.

EM SUA PRIMEIRA EXPERIÊNCIA COMO EMPREENDEDORA, CLARISSA VIU “O FOGUETE SE ESPATIFAR” E TEVE DE ENCARAR UM BURNOUT

Estatística de formação, Clarissa fez carreira no mercado financeiro, especializando-se em tecnologia e análise de dados. “Naquela época, ou a gente trabalhava em banco, ou seguia a carreira acadêmica”, resume. 

Apesar do sucesso no mundo corporativo — seu último cargo foi de diretora de data e analytics para financial services na Ernst Young —, sentia que faltava algo. 

“Trabalhar em consultoria é árduo, você está sempre devendo, seu tempo não é o seu tempo… Tinha semanas que eu trabalhava 90, 100 horas, é um negócio louco”

Ainda assim, Clarissa reconhece que não se sentia provocada o suficiente para empreender. “Quando você está no mundo corporativo, você acaba ‘levada’. São como algemas de ouro, é duro falar: vou abrir mão do bônus para empreender…”

Em 2017, o momento chegou. Após não fechar uma prospecção na qual trabalhou por mais de um ano e receber um convite para se mudar para o Chile, Clarissa decidiu que era hora de sair. Conversou com um amigo da área de venture capital, que a apresentou para outra pessoa que estava empreendendo no mercado imobiliário e a convidou para participar.

O negócio explorava a tese do “instant buyer”, que surgiu nos Estados Unidos entre 2011 e 2013 e era baseada no conceito de “flipagem” — pessoas que compram imóveis para reformar e revender. Mas isso dependia muito da precificação dos imóveis. 

“A ideia era que, se você tivesse o preço justo, em até 48 horas receberia uma oferta firme”, diz Clarissa. Com tecnologias como big data e machine learning, definir qual era o preço justo se tornou possível e automatizável. Coincidentemente, ela estava vivendo esse problema: 

“Eu tinha um apartamento que precisava vender, já tinha feito site, cartão, tudo. Os corretores falavam que tinha que baixar o preço, mas sem muita convicção. Então, quando fui convidada para entrar no negócio, perguntei ‘onde eu assino?’, porque se eu estava vivendo isso, mais gente também deveria estar” 

Em 2018, Clarissa assinou o contrato de participação como CTO da empresa. “Chegamos a séries A, pivotamos, tivemos 100 pessoas na equipe. Tudo o que você pode imaginar aconteceu..”, diz. 

Porém, quatro anos, uma pandemia e uma série de divergências societárias depois, ela entendeu que, ao contrário do que apregoam sabichões do empreendedorismo de palco, “foguete dá ré – e não só dá ré como espatifa”. 

Clarissa encerrou 2022 com um burnout. Meses depois, deixou a empresa e ingressou no programa de aceleração da Antler, fundo global baseado em Singapura que investe em startups desde a fase de formação das equipes. 

Foi lá que ela conheceu Letícia. E um novo caminho despontou no horizonte.

LETÍCIA PENSAVA EM IMPACTAR O MUNDO POR MEIO DA POLÍTICA, ATÉ ENTENDER QUE O EMPREENDEDORISMO PODERIA SER UM CAMINHO

Formada em administração pelo Babson College (em Massachusetts, na Costa Leste dos Estados Unidos) com uma bolsa integral financiada por Marcel Telles, cofundador da Ambev e sócio do fundo global 3G Capital, Letícia diz que sempre quis exercer impacto no mundo. 

“Na época, quando pensava em impacto, pensava em política”, afirma. Ela conta que sonhava em se tornar a primeira mulher secretária-geral da ONU e chegou a ser deputada jovem em um projeto do estado de São Paulo. 

Mas foi com um projeto que visava erradicar a diferença salarial entre homens e mulheres que ela “colocou o dedinho do pé nesse oceano que é empreender”. Trocou a política por negócios e mudou o roteiro para o Babson College, conhecido pelo currículo em empreendedorismo.

Ao voltar para o Brasil, Letícia entrou na startup mexicana Valoreo, que atuava na América Latina na área de M&A e acabava de chegar ao país. “Foi um achado, quase uma experiência pré-seed, pois eu fui a quinta funcionária no Brasil”, diz. “A empresa chegou a crescer de cinco funcionários para 35 em menos de um ano.” 

Em 2022, o foguete deu ré. “Um belo dia, o time inteiro passou por layoff, e eu não vi isso chegando. Resolvi fazer do limão uma limonada e pivotar para produto”, diz.

Paralelamente, “como pessoa física”, Letícia se envolveu com leilões imobiliários. 

“Eu vivia imersa, estudava juridiquês para saber se estava comprando abacaxi ou banana, e sentia a dor de fazer a análise do leilão e ter segurança de entrar. Pensava: ‘Não é possível não ter como automatizar esse negócio…’ Como não achei nenhuma ferramenta, decidi que iria criar uma, nem que fosse para mim”

E foi com essa tese que entrou no programa de aceleração da Antler.

SALTO DE CONFIANÇA: NO PROGRAMA DE ACELERAÇÃO, AS DUAS DERAM MATCH, VIRARAM SÓCIAS E COMEÇARAM A TIRAR A QUILL DO PAPEL

O principal objetivo do programa — definido por Letícia como “uma mistura de Tinder com Big Brother Brasil” — era ajudar os empreendedores a encontrar um cofundador. E Clarissa e Letícia deram match. 

“Eu estava olhando para a cadeia vertical de leilão e ela, para a horizontal de precificação. Tínhamos um ponto de intersecção que era a análise do imóvel”, diz Letícia. Clarissa completa: “Meu objetivo era sair com um pitch deck, organizar minhas ideias. Mas quando conheci a Letícia falei: por que não?”. 

Na metade de 2023, elas oficialmente se tornaram sócias no que chamam de um “salto de confiança das duas”. Passado o período de validação da tese e construção dos MVPs, concluíram que estava na hora de buscar captação. Letícia explica:

“Os investidores queriam clientes, os clientes queriam produto, mas para desenvolver produto precisamos de time, e não tínhamos dinheiro para bancar um time. Era preciso sair dessa ratoeira”

Encontraram apoio no Sororitê, fundo voltado para startups em estágio inicial fundadas ou cofundadas por mulheres. Parte do aporte recebido foi usado para contratar quatro pessoas em tempo integral em tecnologia e três em meio período, uma pessoa em produto, e duas em operações. 

Agora, a próxima etapa é encontrar um produto robusto e desenvolver tudo o que imaginaram para a Quill. 

“Quando falamos de dados no mercado imobiliário, tem muita coisa que dá para fazer”, afirma Letícia. “É um mercado gigantesco, mas é muito carente, tem várias dores paralelas – e podemos ir pensando nisso no longo prazo.”

 

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