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“Desistir não é uma opção”: como a falência dos meus pais me ensinou que salvar o mundo começa em casa

Raphael Koyama - 15 ago 2025
Raphael Koyama (na ponta à dir.), CEO do grupo MTG Foods, e a família.
Raphael Koyama - 15 ago 2025
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Sempre achei que fosse seguir um caminho bem diferente da minha família. 

Me formei em engenharia civil, trabalhei seis anos em uma construtora em Londrina, e em 2018 decidi empreender: abri a Ecofood, uma startup de impacto que vendia excedentes de restaurantes por preços acessíveis, evitando desperdício e revertendo parte da receita para doações via ONG. 

Eu era esse jovem idealista, cheio de vontade de fazer a diferença no mundo.

Durante anos, nunca me imaginei trabalhando com meus pais. E nem eles contavam com isso, especialmente quando eu e minha irmã estávamos focados em nossas formações. O Matsuri, aberto desde 2003, sempre foi um negócio tradicional da nossa família, mas eu não me via ali. 

Só que o cenário mudou de um jeito que ninguém esperava durante a pandemia e a crise chegou como um chamado que não dava pra ignorar. O restaurante começou a enfrentar dificuldades financeiras e minha reação foi imediata: me envolver para ajudar. Não hesitei. Eu sabia que precisava estar presente

Meus pais, Emiko e Cláudio, sempre foram incansáveis: ótimos de cozinha, atendimento, tudo. Mas a gestão financeira era uma pedra no caminho. Quando em 2020 o mundo parou, os três restaurantes da família fecharam as portas. 

O sonho de anos, daquilo que fez a minha família crescer, prosperar, enfim, o que eu tinha em mente como o alicerce do que nos representava, estava por ruir.

COM MEDO, PENSEI EM DESISTIR, MAS MINHA ME ENSINOU UMA LIÇÃO QUE NUNCA VOU ESQUECER

O delivery, que antes representava só 10% do faturamento, não era suficiente para sustentar o negócio. 

Meu pai entrou em um processo emocional muito difícil, e a dívida acumulada chegou perto dos 5 milhões de reais. Era uma situação extremamente delicada, com um peso enorme para toda a família

Foi aí que a vida me puxou pela gola da camisa. Aquele velho desejo de “salvar o mundo” ganhou outra forma, e eu percebi que, antes de tentar mudar o planeta, eu precisava olhar pra quem estava ao meu lado. 

Minha família, os funcionários que trabalharam anos com a gente, a estrutura que meus pais construíram com tanto suor: era ali que eu tinha que agir. 

Confesso que minha primeira reação foi o medo: com 24 anos, eu nem sabia se veria 1 milhão de reais na conta, como lidar com uma dívida cinco vezes maior? 

Então vendemos tudo. Carros, apartamento, o que fosse. Como engenheiro, eu era tido pelos familiares como o cara dos números, mas na prática a situação poderia ser bem diferente. 

Reestruturamos tudo e eu mergulhei na gestão. Foquei em números, finanças, estratégia, e meus pais seguiram com o que sabiam fazer de melhor: produto e atendimento. 

Mas teve um momento que nunca vou esquecer. Eu tinha feito todas as projeções de caixa, e percebi que, somando todas as contas – físicas e jurídicas – a gente só teria 10 mil reais no mês seguinte. 

Liguei pra minha antiga construtora, perguntei se ainda dava tempo de voltar. 

Pensei em me mudar para Maringá, levar meus pais juntos comigo, começar tudo do zero. Só que quando contei isso pra minha mãe, ela me disse: “Homem não vira as costas pro problema. Desistir não é uma opção”

Essa frase virou nosso lema. Está nas caixinhas do delivery, nas paredes das lojas. Faz parte do nosso dia a dia.

LEVAMOS QUASE DOIS ANOS PARA APRENDER A TRABALHAR EM FAMÍLIA E A SEPARAR O LADO PESSOAL E O PROFISSIONAL

Assumir o restaurante foi uma escola. A gente não teve tempo pra ter certeza, apagávamos um incêndio por dia, as decisões vinham com pouca informação, mas a gente seguiu. 

Criamos o Matsuri To Go, um novo modelo pensado 100% para delivery e retirada, com menos custos fixos e mais foco em experiência. Trouxemos a Maria Clara, minha esposa, como nossa sócia, que criou o Mok The Poke. 

Também teve a chegada da Maria Fernanda na sociedade, que agregou muito para o nosso negócio cuidando da direção da nossa cozinha central, fortalecendo o que hoje é o grupo MTG Foods.

Trabalhar com a família não é simples e nem é algo que se resolve com uma dica rápida ou uma fórmula mágica. É um processo que exige tempo, maturidade e disposição para aprender com o outro 

No nosso caso, foram quase dois anos até conseguirmos entender nossos papéis, estabelecer limites e evitar misturar as relações pessoais com as profissionais. Isso valeu para a relação com meus pais, e também com a minha esposa, que entrou como sócia em 2022. 

Claro que houve momentos difíceis, conversas atravessadas e reuniões em que a gente parava para se perguntar: “Se fosse outra pessoa aqui, eu falaria desse jeito?”

Esse é um dos desafios, claro que a intimidade pode atrapalhar. Mas também existe um bônus muito valioso: o privilégio de conviver, todos os dias, com as pessoas que você mais ama

Quando a gente para pra pensar na vida adulta, percebe o quanto o tempo junto com pai, mãe, companheira ou companheiro vai ficando escasso. Trabalhar com eles é, de certa forma, resgatar esse tempo e viver uma história comum – que talvez não fosse possível de outro jeito.

ÀS VEZES, TENTAMOS “COLOCAR DEUS NUMA CAIXA”, LIMITANDO O FUTURO AO QUE SOMOS CAPAZES DE IMAGINAR

Agora, perto do Dia dos Pais, fazer uma reflexão como esta me trouxe à mente bons momentos, que tenho certeza que fazem parte da vida de todos nós que estamos envolvidos no crescimento do nosso negócio.

Hoje, a MTG Foods atende mais de 60 mil clientes por mês com três marcas próprias e presença em cinco estados. Mas meu sonho não é ser o maior grupo de comida japonesa do Brasil. É ser o melhor. Em atendimento, qualidade, padrão, experiência, cultura. Se isso nos levar a sermos os maiores, tudo bem. Mas o foco é outro.

O que essa travessia me ensinou, mais do que tudo, é que a gente não deve limitar os caminhos pelos quais a vida pode nos surpreender 

Eu jamais imaginei que estaria onde estou agora. Se me perguntassem há seis ou sete anos, eu teria falado em startup, impacto social, escala global. Não teria citado restaurante. 

Por muito tempo, nosso foco foi crescer em tamanho, mas o que nos trouxe até aqui foi a qualidade dos nossos produtos, o atendimento e a padronização, e não o número de lojas. Esse aprendizado me mostrou que, quando a gente foca só em ser o maior, pode acabar deixando de lado o que realmente importa: a qualidade e a experiência do cliente. 

E isso me fez refletir muito sobre o futuro. Depois de cinco anos enfrentando crises e desafios, estamos em um lugar melhor do que jamais imaginei. Às vezes, tentamos colocar Deus numa caixa, limitando o que pode acontecer na nossa vida apenas ao que somos capazes de imaginar. Mas se a gente faz a nossa parte, trabalha com dedicação e intenção, não deve haver limites para onde a vida ou Deus pode nos levar

No entanto, se for para resumir o que aprendi nessa trajetória, eu diria que salvar o mundo pode começar dentro de casa. E que, às vezes, o maior impacto que você pode gerar é evitar que quem você ama desmorone

Desistir não era uma opção. E ainda não é.

 

Raphael Koyama, 29, é engenheiro civil e CEO do grupo MTG Foods, que nasceu da reinvenção do restaurante da família durante a pandemia e hoje é a maior rede de delivery e take away de comida japonesa do Sul do Brasil.

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