Diagnosticada com câncer de mama, ela sentiu o chão se abrir sob os pés. Mas decidiu encarar a doença e ajudar outras mulheres

Gisele Gengo - 21 out 2022
Gisele Gengo, idealizadora do Projeto Projeto Superação.
Gisele Gengo - 21 out 2022
COMPARTILHE

Minha jornada como profissional do desenvolvimento humano teve início nas artes. Sempre fui apaixonada por tudo que faz a vida ter sentido, que toca nossos sentimento e alma com criatividade, beleza e paixão, construindo plasticidade para ampliar a consciência e provocar transformações.

Em 1994, quando entrei para a faculdade de Artes Plásticas, meu sonho era ser escultora. Amava buscar em estruturas sólidas as mais incríveis formas escondidas.

Naquela época, as matérias que eu trabalhava eram a madeira, a pedra, o gesso e o aço. Ferramentas como talhadeira, serra e torno eram guiados pela sensibilidade e respeito a personalidade de cada material e traziam à vida a arte em sua forma mais pura. O amor.

Hoje, permaneço fiel à minha profissão de esculpir. No entanto, troquei a madeira, a pedra, o gesso e o aço por matéria humana

Minhas ferramentas são o coaching e a psicologia positiva. Com elas, trabalho as mais surpreendentes esculturas, talhando blocos do subconsciente para encontrar lá dentro as mais diversas formas de consciência.

E quando encontradas, se expandem em ressignificações emocionais e cognitivas, resultando na mais engajadora das obras de arte: o “florescimento humano”.

Mas é importante dizer que, para chegar até aqui, o caminho percorrido não foi por uma estrada reta, nem fácil de guiar.

EU QUERIA COLOCAR EM PRÁTICA O QUE APRENDI NA FACULDADE DE ARTES, MAS ACABEI COMANDANDO UMA EMPRESA DE TRANSPORTES

Quando terminei a faculdade em 1998, trabalhava com restauração de obras de arte e fazia alguns bicos em montagem de exposições.

Estava bem, feliz por atuar na área e conhecer pessoas do meio. Foi quando meu irmão engravidou a namorada e meu pai me chamou para uma conversa.

Ele me disse assim: “Filha, quero montar uma empresa com você e com seu irmão. Ele vai se casar e precisa de estabilidade, você é a pessoa que vai dar estrutura a essa empresa”.

Na época, não entendi muito bem o que ele queria dizer, mas perguntei: “Pai, vamos montar uma empresa de artes?”. Ele sorriu e respondeu: “Não. Será uma empresa de transportes pesado. Mas não se preocupe, você está conseguindo se sobressair até em artes plásticas, vai se dar bem com transportes”.

Confesso que não entendi se aquele comentário era uma crítica ou um elogio, mas aceitei o desafio. 

Em janeiro de 2008, nasceu a Magile Transportes, com quatro caminhões Munck, e com ela a minha estreia como empresária do setor

No meu primeiro dia de trabalho, totalmente perdida (não conhecia nada de administração), recebi do meu mentor e pai as três mais importantes lições de empreendedorismo de toda a minha vida:

1) Tenha respeito com todos os recursos que envolvem uma empresa: o tempo, o dinheiro e as pessoas;
2)
O seu dinheiro no banco tem que crescer sempre;
3) As suas receitas precisam ser maiores que suas despesas.

Naquele dia ele me ensinou o mais importante conceito da gestão de gente e cultura, a liderança respeitosa e consciente. Ele me ensinou também dois conceitos administrativos: o PNL e a ampliação de mercado para gerar aumento de receita e gestão financeira sustentável e próspera.

TIVE QUE APRENDER A GERENCIAR PESSOAS E INICIAR MINHA JORNADA DE AUTOCONHECIMENTO QUANDO DESCOBRI QUE MEU PAI ESTAVA DOENTE

Passamos por muitos perrengues empreendendo. Precisei estudar, fiz MBA em Gestão Comercial e Controladoria, crescemos absurdamente e me vi com um desafio enorme: aprender a administrar gente.

Naquela época, recebi um apelido muito carinhoso do meu irmão e sócio: “Margaret Thatcher dos transportes”.

Aí começou minha jornada pelo autoconhecimento. O que eu não imaginava é que ali também se iniciaria a minha jornada no entendimento de uma doença que passaria a fazer parte da minha vida daí em diante: o câncer

Meu pai foi diagnosticado com a doença. Embora eu já tivesse sido apresentada ao câncer aos 7 anos, quando meus avós paterno e materno receberam o diagnóstico e se mudaram para nossas casas, somente aos 34, mãe de gêmeos e profissional madura,  fui entender a seguinte frase: “O câncer não adoece apenas o paciente e sim toda a família junta”.

Naquela época, o hospital fazia tanto parte da minha família que meus filhos, com 6 anos, achavam que aquele local era a nova casa do vovô Othello. 

COM A MORTE DO MEU PAI, INTENSIFIQUEI MINHA JORNADA NO DESENVOLVIMENTO HUMANO

O câncer é uma doença sensível. Junto com ela vem a certeza que temos desde o dia de nosso nascimento: a morte.

Por esse motivo, somos obrigados a deixar a vergonha de lado e expor as nossas vulnerabilidades. Fato que nos aproxima e possibilita a formação de memórias afetivas realmente significativas em nossas vidas.

Quando meu pai ainda consciente recebeu a notícia que seu corpo estava “bugando” e entrando em falência de órgãos e, por isso, ele seria sedado, entendeu que aquele era o momento de se despedir dos amores da sua vida .

Me lembro dele dizendo: “Eu amo vocês, me desculpem por tudo que fiz, se fiz foi por amor. Sabem de uma coisa, vou encontrar com pessoas que amo e que há muito tempo não encontro. Como eu quero abraçar minha mãe novamente”. 

Essa é a última lembrança que tenho dele e a carrego como uma joia preciosa para me lembrar como é importante pedir para segurar a mão de alguém quando estamos inseguros com o desconhecido. E sempre tem alguém querido por perto — nesse e em todos os mundos

Com a morte do meu pai, minha jornada no desenvolvimento humano se intensificou. Me tornei coach, me especializei em psicologia positiva e, além da empresa de transportes, abri outra de desenvolvimento humano.

Por meio desse empreendimento, iniciei uma parceria com a Sociedade Brasileira de Coaching, casa que me acolheu como trainer e facilitadora nos treinamentos de PPC (Personal e Professional Coaching), para a formação de coaches para o mercado.

Minha carreira se consolidou nessa área e minha experiência como empresária me abriu as portas para trabalhos em grandes empresas. 

EM 2015, PERDI MEU SOBRINHO PARA O CÂNCER. COM ELE, APRENDI QUE SEMPRE É TEMPO DE REALIZAR UM SONHO

Até que, em 2015, mais uma vez o câncer deu as caras na minha família. Dessa vez, em sua forma mais cruel. Meu sobrinho, com apenas 14 anos, foi diagnosticado com o terrível osteosarcoma.

A doença veio extremamente agressiva. A descoberta já apontava um tratamento paliativo. Foram encontrados sete pontos de metástases espalhados pelo seu corpo

Mais uma vez, a família estava unida. Mais uma vez, os hospitais faziam parte da minha rotina — e, junto, a angústia de não conseguir fazer nada além do tudo que é estar presente.

Presente para qualquer coisa, mesmo que só ficar quietinha ao lado, caso precisem de algo.

Como aprendi com o Vini, mesmo em seus momentos de maior dor, ele sempre tinha o amor em seus lábios, tratava a todos com respeito e carinho. Dizia eu te amo. Agradecia. 

Amante do cinema, dos chocolates e de moças bonitas, Vini se encantou por uma das profissionais de sua equipe, a Dra. Ana Cristina Mendonça, médica especial e responsável pela construção de uma das mais belas memórias afetivas da minha família. 

Em um momento, em que a saúde do meu sobrinho já estava super delicada, fui visitá-lo no hospital. Ele me disse que estava melhor e que talvez pudesse sair no fim de semana para assistir à pré-estreia do filme “Jogos Vorazes”

Quando deixei o quarto, encontrei a Dra. Ana, que me contou que não daria tempo do Vini assistir ao filme, pois ele estava entrando em falência de órgãos. Mas que ela havia entrado em contato com uma amiga na Paris Filmes de Los Angeles e ela iria enviar o link para a distribuidora e que o GRAACC iria levar o Vini, os pais, a irmã e alguns enfermeiros para assistir ao longa.

Nosso pequeno anjo chegou à Paris Filmes sorrindo, mas não deu tempo de ele assistir ao filme, pois dormiu por efeito da sedação. Essa foi a última memória afetiva que temos com o Vini.

Meu sobrinho me ensinou que podemos realizar sonhos e ser felizes até no nosso último dia de vida. 

E foi justamente isso que marcou o início do meu trabalho com a medicina e a minha especialização prática em metodologias de humanização com equipes multidisciplinares na área da saúde.

Iniciei um projeto chamado Semear, em parceria com a Sociedade Brasileira de Coaching e o GRAACC, em que eu trabalhava por três meses as equipes multidisciplinares do hospital para que pudessem aplicar as metodologias com os pacientes e familiares de pacientes. 

EU JÁ ESTAVA “ACOSTUMADA” COM O CÂNCER… MESMO ASSIM, ENTREI EM PARAFUSO QUANDO RECEBI MEU DIAGNÓSTICO

Iniciamos o projeto em março de 2017 e, em agosto, em meio a um exame de rotina, fui diagnosticada com câncer de mama.

Ao receber a notícia, o chão se abriu debaixo dos meus pés. Esqueci quem eu era, esqueci que eu trabalhava com grandes oncologistas… Eu só pensava: “chegou a minha vez”

Essa doença me tirou pessoas amadas da vida. Foi muito difícil perdê-las. Como eu poderia, agora, perder todas as outras pessoas de uma vez só?

Naquele momento, me dei a sentença de morte e passei a viver como se fosse uma zumbi. Fazia tudo o que precisava fazer, sem pensar, sem sentir… só fazia.

Até que encontrei minha atual médica, a Dra. Fabiana Makdissi. Ela me recebeu em seu consultório. Me olhou nos olhos, sorriu e falou: “Meu amor, nós vamos cuidar de você”. 

Aquele sorriso me trouxe para a superfície novamente. Naquele momento, percebi que eu ainda estava viva. Percebi que não podia “me matar” antes da hora

Foi então que decidi que iria viver de forma plena e presente todos os dias. E que iria usar todas as técnicas e ferramentas da psicologia positiva em minha própria vida.

DECIDI CRIAR UMA METODOLOGIA PARA ACOLHER MULHERES EM QUALQUER ESTÁGIO DO TRATAMENTO DO CÂNCER DE MAMA

Aí surgiu, em 2018, a Metodologia Superação, que leva apoio emocional e psicológico a mulheres que passam pelo tratamento de câncer de mama, de forma estruturada e com base no coaching e na psicologia positiva.

Para superar os desafios de um tratamento de câncer, sendo ele inicial ou paliativo, é extremamente importante o suporte de relacionamentos de apoio

Infelizmente, nem todos os pacientes encontram esse apoio em suas famílias. Por isso, o Projeto Superação atua como um grupo de apoio emocional.

A cada sete meses, capacitamos duas turmas de aproximadamente sete mulheres que passam por uma formação para o uso pessoal de ferramentas da psicologia positiva pela Metodologia Superação e contam com 30 sessões de coaching individual, nas quais são trabalhados encontros com base na seguinte estrutura:

S – Ser Humano, sonhos e objetivos

U – União e engajamento

P- Previsibilidade e planejamento

E – Energia e emoções positivas

R – Relacionamentos

A – Autonomia para solução de problemas

R – Ressignificação emocional e cognitiva

O projeto visa reintegrar a mulher com câncer, em qualquer fase do tratamento, à vida social e profissional, equilibrando os pilares do bem-estar (físico, social, comunitário e carreira).

O PROJETO É GRATUITO. PARA MANTÊ-LO ESTOU CRIANDO UMA ONG, A ONCO SUPERAÇÃO

Durante o projeto, são medidas as escalas da psicologia positiva. E, pasmem: durante o tratamento de câncer e em tempos de pandemia, essas mulheres conseguiram aumentar significativamente sua satisfação com a vida, índices de esperança e realização pessoal.

O projeto é oferecido de forma gratuita para as mulheres e por enquanto é totalmente financiado por mim. Motivo pelo qual estamos fundando a ONG Onco Superação, que deve estar com seu CNPJ ativo ainda em outubro

Para saber mais sobre o Projeto Superação, acesse a página ou o nosso Instagram.

 

Gisele Gengo é master coach especialista em psicologia positiva e criadora do Portal Mentoring4you e do Projeto Superação. Especialista em humanização hospitalar, idealizadora do projeto de coaching no Hospital GRAACC e do Projeto Superação no A.C.Camargo Câncer Center, é coautora do livro Meu legado.com, publicado pela Literare Books International.

COMPARTILHE

Confira Também: