Do mundo do artesanato para o ecossistema empreendedor: como ela criou um aplicativo que ajuda artesãs a precificar seus trabalhos

Fabielle Bacelar - 4 fev 2022
Fabielle Bacelar, fundadora do Apreço, no reality show Batalha das Startups (foto: Guilherme Santi).
Fabielle Bacelar - 4 fev 2022
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Mãos suando, coração acelerado, cabeça erguida. Foi assim que subi pela primeira vez no ringue do Batalha das Startups, reality show sobre empreendedorismo. Eu tinha uma única certeza na cabeça: “Já perdi!”. O meu oponente já tinha faturado 10 milhões de reais — enquanto minha empresa não tinha alcançado nem 37 mil…

Esse pensamento fixo de “derrota antecipada”, de “não tenho nada a perder porque já perdi”, me fez ficar tranquila na hora de responder a sabatina dos jurados, durante aquela rodada.

E, para a minha surpresa, eu ganhei! Lembro nitidamente do diretor dizer: “Vamos ter que gravar a cena de novo. Fabi, vê se comemora, você ganhou!”. Eu respondi com os olhos ainda arregalados: “É que estou em choque”. Todos no set riram!

Depois dessa primeira batalha, uma frase começou a ecoar na minha mente: “Até onde uma artesã pode chegar?”. Era assim que eu me via, como apenas uma artesã

A formação em Administração não havia me preparado para o mundo das startups e dos investimentos milionários… Porém, de alguma forma, eu estava sim preparada para a próxima batalha — e para a final, quando venci e conquistei 2 milhões de reais de premiação em aceleração e mídias. 

COMECEI A EMPREENDER COM DINHEIRO EMPRESTADO, PRODUZINDO PANOS DE PRATO 

Tudo começou com 73 reais que nem eram meus. Em 2012, uma amiga me chamou para produzir 32 panos de prato artesanais com ela e disse que, após vender, a gente abateria o valor (que ela investiu) e dividiríamos o lucro das vendas.

Esses 32 panos foram transformados em 717 reais de lucro, o que rendeu pouco mais de 358 reais para cada uma de nós. 

Com esse dinheiro, fiz o primeiro investimento no meu ateliê e comecei a empreender em casa

As pessoas às vezes pensam que trabalhar em casa é maravilhoso, mas é preciso muita disciplina e autocontrole para separar mentalmente o tempo de trabalho e o tempo de descanso. 

Assumir todas as funções em um mesmo espaço físico acaba sendo um grande desafio. Muitas vezes tive que trabalhar até de madrugada para não perder o prazo de uma encomenda porque alguém apareceu sem avisar e bagunçou minha agenda. 

O PRÓXIMO PASSO FOI DIVULGAR MEU TRABALHO EM UM CANAL NO YOUTUBE

Depois de três anos no mundo do artesanato, o Adriano, meu marido, me deu a ideia de montar um canal no YouTube para divulgar a loja online de tecidos que tínhamos na época.

Gravamos, com um celular de segunda categoria, um vídeo ensinando a fazer as peças que eu produzia. Na época, não tínhamos tripé, então o vídeo está todo tremido… Mas o conteúdo em si é bom, então decidi deixar no canal.

Muitas artesãs acham que quem passa da marca de 100 mil inscritos no YouTube nasceu pronta. Meus vídeos antigos provam que não é bem assim… Todo começo tem dificuldades, mas é o movimento que faz as coisas acontecerem. Eu podia ter esperado até comprar um tripé ou um microfone — mas não esperei

Até hoje, quando assisto àquele vídeo, eu vejo quantos erros ele tem… Mas esses erros fazem parte da jornada. Sinto que precisamos valorizá-los também. 

“QUANTO VALE MEU PRODUTO?”. ESSA PERGUNTA ME FEZ REFLETIR E AJUDAR ARTESÃS A PRECIFICAREM SUAS CRIAÇÕES

Continuei ensinando a produzir minhas peças e por isso fui criticada por outras artesãs: “Assim, você só vai criar mais concorrência pra nós”, elas diziam. Ou: “Não tem medo de perder suas clientes?”.

Eu sempre respondia que não, que existe público para todas e que, provavelmente, aquela pessoa que estava aprendendo comigo teria contato com pessoas que jamais seriam minhas clientes, porque não tenho condições de produzir para todo mundo.

No meio desse processo, comecei a receber comentários nos vídeos me pedindo para dar o preço sugerido das peças que ensinava.

No início, eu até passei alguns preços, mas sempre ficava com o coração apertado por saber que as pessoas poderiam levar prejuízo se vendessem pelo mesmo valor que eu. Como eu conseguia comprar tecidos e acessórios direto da fábrica, meu custo com material acabava sendo a metade do valor que a maioria pagava

A partir dessa percepção, decidi ensinar as pessoas a precificar. Comecei ensinando na calculadora, depois criei uma planilha no Excel. Com o tempo, percebi que seria mais prático fazer algo usando celular. 

COM AJUDA DE UM AMIGO, HOJE SÓCIO, DESENVOLVI UM APLICATIVO DE PRECIFICAÇÃO DE ARTESANATO. MAS LOGO SURGIU UM DILEMA…

Foi aí que a ideia do aplicativo surgiu. Um amigo, Victor Glaber, que hoje é meu sócio, estava se formando programação de jogos e perguntei se ele não sabia programar um app.

Depois de alguma insistência minha, ele topou transformar a planilha em um aplicativo simples. E assim, no final de 2018, surgiu o ArtWorth, criado em português e inglês.

O app logo ganhou o coração das artesãs. E vimos também que havia várias influenciadoras falando dele em seus canais do YouTube. Mas em pouco tempo percebemos um erro: ArtWorth era um nome que nosso público, não familiarizado com o inglês, tinha dificuldade em pronunciar

Ficamos o ano de 2019 todo pensando se a gente mudava ou não o nome. Enquanto isso, o app atingiu a marca de 10 mil downloads. 

CRIAMOS UMA VERSÃO PAGA DO APP, QUE GANHOU UM NOVO NOME: APREÇO

No fim daquele ano, decidimos criar uma versão paga. Resolvemos, também, rebatizar o app. Mas qual deveria ser o novo nome?

Lembro que nos reunimos na sala da minha casa, abrimos um rolo de papel sobre a mesa, definimos todo o caminho de funcionalidades que iríamos inserir no app e em qual ordem elas seriam desenvolvidas… Mas terminamos aquela reunião sem um nome em mente.

Quando fui arquivar os e-mails na pasta do Gmail que tinha criado para os assuntos relacionados ao app, falei com o meu sócio: “Tem hora que o nome está na nossa cara e não vemos né?”.

Ele não teve nem tempo de responder e continuei: “Estou afirmando, o nome tá na minha cara”. Então, mostrei para ele como havia cadastrado a pasta: “App Preço”

Nesse momento, entendemos que o nome seria Apreço. Depois de tanta dificuldade para soletrar o nome anterior, decidimos que nossa criação teria apenas um P para facilitar a vida, a nossa e a das usuárias. 

NA PANDEMIA, VIMOS QUE ERA PRECISO CORRER COM O LANÇAMENTO. E A ADESÃO AO APP PROVOU QUE ESTÁVAMOS CERTOS

A ideia era lançar a versão premium em março de 2020. Mas, como todos sabem, foi bem naquele mês que tivemos a primeira quarentena, com a chegada da Covid-19 ao Brasil.

Com o coronavírus à solta, decidimos adiar a data do lançamento. Mas, o desemprego começou a aumentar e muitas pessoas passaram a produzir máscaras, fazer delivery de comida, entre outras coisas para ganhar dinheiro.

Então, percebemos que nossa ferramenta era a solução para essas novas empreendedoras que precisavam se virar para ter uma fonte de renda neste momento de crise

E, em maio de 2020, finalmente fizemos o lançamento do Apreço PRO, oferecendo funcionalidades para microempreendedores, como controle de matéria-prima e estoque, montagem de orçamento e cartão virtual.

Tivemos 70 assinaturas assim que abrimos as vendas. Ficamos muito felizes com o resultado e com o feedback das novas assinantes, que passaram a nos dar sugestões de melhoria para a parte paga.

QUANDO CAIU A FICHA DE QUE ÉRAMOS UMA STARTUP

Daí para frente, começamos a ter novas assinaturas constantemente e, conversando com um amigo sobre o aplicativo, ele nos falou sobre a Batalha das Startups e nos disse para fazer a inscrição.

Achei estranho. Falei que não éramos uma startup, mas ele disse que era para eu pesquisar melhor o que significava esse termo.

Cinco meses depois, como já contei, estávamos inscritos no reality. Para a minha surpresa, fomos aprovados e vencemos! Foi assim que eu caí de paraquedas no mundo das startups.

Hoje, o Apreço já alcançou a marca de 100 mil downloads e 40 mil usuários ativos (97% são mulheres), incluindo 750 assinantes

Uma conquista que, lá atrás, durante a gravação dos meus vídeos no YouTube e mesmo enquanto participava do reality show, eu jamais poderia sequer imaginar!

MUITO MAIS DO QUE NÚMEROS, O QUE NOS MOVE É O IMPACTO GERADO NA VIDA DAS PESSOAS

O que me motiva todos os dias a focar e buscar o crescimento do nosso negócio são as histórias que recebo. A primeira foi da Ariane, que faz costura criativa e acessórios femininos artesanais em tecido. Ela viu uma live minha e me localizou pelo WhatsApp.

Na mensagem, ela disse que se viu numa situação muito difícil, de chorar porque não tinha 30 reais para comprar uma lata de leite para sua filha, mesmo trabalhando das 8 horas da manhã às 10 da noite.

O problema não era a falta de vendas e sim o desconhecimento da precificação. Depois de descobrir e baixar o Apreço, ela contou que percebeu que nunca tinha colocado o valor de seu salário nas peças que produzia.

Depois da mudança de mentalidade e do entendimento de precificação, em três meses, além de obter lucro, o marido dela decidiu sair do emprego para trabalharem juntos

Em 18 meses, eles conseguiram construir uma casa, comprar um carro e uma moto. No final da mensagem, ela disse: “Eu não sei quantas vidas você vai mudar, mas eu quero te dizer que a minha vida, do meu marido e da minha filha você mudou para melhor”.

Nem preciso dizer que terminei de ler a mensagem chorando, mostrei para meu marido e enviei a história para o meu sócio na mesma hora.

Naquele momento entendemos nosso propósito e tudo o que fazemos ganhou um sentido ainda maior. Assim como a Ariane, recebemos depoimentos lindos que contam a transformação que o Apreço causou, mas, claro, o primeiro relato a gente nunca esquece!

 

Fabielle Bacelar, 34, é artesã desde 2010. Especialista em precificação e administradora por formação, é fundadora do Apreço.

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