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“É antiético usar uma tecnologia que polui tanto o planeta, considerando que há alternativas acessíveis aos combustíveis fósseis”

Aline Scherer - 2 set 2024
Marga Hoek, fundadora e CEO do Business For Good.
Aline Scherer - 2 set 2024
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A holandesa Marga Hoek aprendeu na prática como tornar os negócios mais sustentáveis através da inovação, gerar lucro e impacto socioambiental positivo quando ainda era CEO de uma empresa de construção civil.

Ela se sentiu tão bem com esse despertar que a partir de então fundou uma associação de empreendedores (Sustainable Business Association) na Holanda, presidiu uma associação de cientistas (Sustainable Science Association), se tornou conselheira de diversas empresas, fundou o think tank Business for Good e publicou três livros.

O mais recente deles, Tech for Good: Imagine Solving the World’s Greatest Challenges (Tecnologia para o Bem: Imagine Resolver os Maiores Desafios do Mundo, na tradução literal, publicado em 2023, ainda sem versão em português), foi eleito um dos dez melhores novos livros de gestão.

Nele, a autora descreve oito grupos de tecnologias: Inteligência Artificial (IA), impressão 3D, realidades virtual e aumentada, novos materiais, Internet das Coisas (IoT), robótica, drones e tecnologias de energia renovável. E explica que ao combinar o uso de algumas delas é possível encontrar grandes soluções.

Por exemplo: com o aquecimento dos oceanos, metade dos recifes de corais do planeta morreu, provocando perda de biodiversidade e redução de peixes, o que afeta a segurança alimentar de comunidades costeiras e o turismo, além de aumentar o risco de erosão do solo e instabilidade das encostas.

“Se não conseguirmos mudar até 2050, eles terão desaparecido em 90%. Temos tecnologia para imprimir recifes de corais em 3D, em vez de esperar que cresçam apenas dois centímetros por ano”, afirmou Marga, em sua palestra, na segunda quinzena de agosto, no IT Forum Praia do Forte, evento sediado na Bahia que há 20 anos reúne CIOs, líderes de TI e especialistas do setor, e que em 2024 elegeu o tema “Revolução Verde”.

A autora difunde também uma revolução mais colorida: no seu premiado livro The Trillion Dollar Shift: Achieving the Sustainable Development Goals (A Mudança de Trilhões de Dólares: Alcançando os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, em tradução literal, publicado em 2018), ela aborda como atender a Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU), gera oportunidades de negócio e pode transformar a economia global. “Sustentabilidade não é mais sobre fazer menos mal. É sobre fazer mais bem.”

Em entrevista ao Draft, Marga Hoek revela sua expectativa de que os próximos eventos globais que ocorrerão no Brasil — especialmente a reunião da cúpula do G20 (em 18 e 19 de novembro, no Rio de Janeiro) e a COP 30, Conferência das Partes sobre Mudança do Clima (em novembro de 2025, em Belém, no Pará) — ajudem a tangibilizar o potencial brasileiro em inovação sustentável. Leia a seguir:

 

Como você começou a trabalhar com sustentabilidade e inovação?
Comecei a realmente pensar e agir sobre sustentabilidade quando eu era uma líder empresarial. Fui CEO, primeiro de uma empresa de médio porte e depois da maior divisão de uma empresa listada no setor de construção.

Naquela época, senti que era moralmente importante não criar um edifício e depois gerar tanto desperdício no local de construção, utilizar muita energia, recursos. Mas o que também me impulsionou foi o senso de negócio.

Percebi que, ao inovar radicalmente na sustentabilidade dos nossos produtos, nas casas que construíamos, na tecnologia que implantávamos, isso se tornava um diferencial competitivo, era realmente bom para os resultados financeiros e criava contratos melhores com os clientes

Por exemplo, tínhamos casas sustentáveis que eram energeticamente positivas e assim percebi que fazer o bem, tanto do lado ecológico quanto do lado social, também é bom para os negócios. Quando percebi isso, encontrei meu propósito. Pensei: esta será minha missão.

Porque antes disso, eu pensava “todas essas pessoas da sustentabilidade estão pregando todo tipo de coisa de uma maneira desagradável, não é o meu estilo, sou uma pessoa de negócios”.

Mas assim que consegui encontrar sinergia entre sustentabilidade e criar negócios melhores, pensei: “isso é o que eu quero fazer”.

Depois fui convidada pelo governo [holandês] para criar uma associação de empregadores com mais de 260 empresas, incluindo empresas listadas, como membros para formar grandes coalizões.

Uma empresa sozinha pode fazer muito. Mas se você combinar energia, construção civil e mobilidade, e criar soluções inovadoras em larga escala, pode fazer muito mais.

Como CEO da associação de empregadores, tive o privilégio de ter uma visão ampla, porque antes só via minha própria empresa e as empresas com as quais colaborava, passei a ver a “cozinha” de 260 empresas

Nesse período, também comecei a escrever porque fazia muito na imprensa todos os dias, era uma negociadora de acordos climáticos, de acordos de compras verdes. Publiquei meu primeiro livro, New Economy Business (2016), que ganhou o prêmio de Livro de Gestão do Ano.

E então as coisas aceleraram, fui cada vez mais convidada para ser palestrante ao redor do mundo.

Criei minha própria equipe de pesquisa nos Estados Unidos para pesquisar o que está acontecendo de inovações pelo mundo, e continuo escrevendo livros. Fundei minha própria empresa, Business for Good, com consultoria de palestras e conselhos.

Então, não sou uma consultora de longo prazo, mas tenho sessões de estratégia com executivos e conselhos não executivos. Faço palestras para realmente engajar as pessoas. Mas também conecto empreendedores com capital, ou invisto eu mesma, ou vejo como posso juntar empresas para que elas avancem mais rapidamente e em maior escala.

Quais tecnologias emergentes você acredita que têm ou estão tendo o maior impacto na mitigação das mudanças climáticas agora?
O que será mais impactante é como somos capazes de combinar essas tecnologias. Olhe para elas como blocos de Lego.

Por exemplo, um aplicativo de uma plataforma agrícola, que reduz o uso da água e aumenta a colheita com uso de inteligência artificial e sensores.

Energia solar é super importante, mas costumava ser caro, grande, importado a maior parte. Agora temos painéis solares finos como papel e até painéis solares impressos

Então, a combinação de novos materiais e IA e impressão 3D juntos trazem essa solução. A coisa mais poderosa é combinar as tecnologias.

Muitas empresas assinaram o Acordo de Paris em 2015, com metas e prazos a cumprir, e muitas empresas assumiram compromissos públicos de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa, mas a IA generativa despontou nesse meio tempo, e algumas empresas já admitem que não vão conseguir cumprir. Como equilibrar essa equação?
O mundo está cheio de desculpas, e o mundo realmente está cheio de oportunidades. Em outras palavras, você pode combinar energia renovável com tecnologias.

Na época em que Paul Polman era CEO da Unilever tivemos esse grupo de gigantes na sustentabilidade. E eles fizeram grandes promessas, mas não estavam lá para sofrer as consequências. Além disso, na época da promessa, eles não sabiam como alcançar a meta até certo ponto, isso é bom.

É algo que os pioneiros têm em comum: você estabelece uma meta e ainda não sabe como alcançá-la. Isso é bom, porque se esperarmos até saber, a meta será muito baixa — ou será tarde demais

A geração atual de CEOs e investidores retirou-se dessas altas ambições. Eles chamam de “mais realista”, também porque os CEOs não querem correr o risco de serem expulsos das empresas, porque temos muitos acionistas ativistas que, se você contar bobagens ou não cumprir os dividendos prometidos, eles o expulsam.

Então, ser CEO hoje em dia também tem um risco muito maior do que, digamos, há 10 anos.

Tenho conversado com muitas pessoas técnicas da área de sustentabilidade, e a maioria delas está pessimista, porque governos e empresas não estão realmente fazendo o que precisa no ritmo necessário na crise climática. E temos dados para provar isso. Por outro lado, falo com muitas pessoas de negócios, que parecem otimistas sobre como a tecnologia resolverá os problemas no futuro, ou mencionam casos muito pontuais do presente…
As soluções estão aí, mas têm muito pouca escala. Por isso fundei o Business for Good, para ajudar a conectar, para ampliar inovações que já existem.

Há inovações que capturam água do céu. Está disponível. Imagine em todas essas áreas de seca.. Eles dirão que é “muito caro”. Então o planeta não vale o suficiente para nós?

Muito caro são 15% do nosso PIB global que está sendo perdido por causa das mudanças climáticas em 2030, apenas em impacto direto, sem contar os impactos indiretos

O que é muito caro? Tempestades e secas que temos ao redor do globo que destroem colheitas, que matam vidas de pessoas, que fazem as pessoas deixarem suas casas, que inundam bairros.

Trilhões e trilhões de dólares estão sendo perdidos atualmente que não estão incluídos nesses 15% por causa das mudanças climáticas que estão acontecendo agora. E estamos realmente tão pouco evoluídos que dizemos que essa questão é muito cara?

Devemos pensar em capital público e privado de uma maneira completamente diferente. Precisamos alocar todo o capital privado que existe.

Na COP26, 130 trilhões [de dólares] foram declarados como comprometidos pelo setor privado. Não ouvi nada sobre isso depois. Nem na COP27, nem na COP28. Duvido que ouvirei algo na COP29

Apenas 20% das empresas estão realmente comprometidas com o Acordo de Paris. Portanto, não se trata de ser muito caro. Trata-se de falta de uma visão holística, de visão do todo. Trata-se de falta de disposição e capacidade de redesenhar como financiamos as coisas no mundo.

Talvez falte ética? Por que tantas pessoas executivas estão adiando aplicar soluções para os problemas que geram tanto impacto negativo na sociedade, no planeta e nos negócios?
É um bom ponto. Vamos fazer uma comparação com o passado quando tínhamos escravidão.

As pessoas relutavam em libertar os escravos porque era um modo de negócios muito bom para eles. Mas em algum momento isso se tornou uma questão moral.

Assim que algo se torna moralmente inaceitável para um público maior as coisas mudam.

A ética em torno da energia fóssil deveria acontecer agora. A essa altura, você deveria saber que é antiético usar uma tecnologia que polui tanto o planeta, considerando que há alternativas acessíveis. Então, é antiético usar energia fóssil

Da mesma forma, é antiético ter um negócio que promove o desmatamento se existe o manejo florestal sustentável, e materiais alternativos, não precisamos derrubá-las.

Para mim, é antiético assim que você sabe o que está acontecendo, sabe das consequências, sabe das alternativas disponíveis. Aliás, deveria ser tratado como tal pelos governos e nossos sistemas tributários. E não é. Taxa-se o trabalho em vez dos recursos e da poluição.

Investe-se mais capital em subsídios para energia fóssil, que atingiu um recorde histórico no ano passado, do que realmente é necessário para a transição para energia renovável, para alcançar uma economia de carbono zero. Subsidiar energia fóssil também é algo antiético.

No empreendedorismo de impacto, muitas pessoas enfrentam o desafio de escalar suas empresas sem comprometer seus princípios. Quais conselhos você daria?
Isso acontece, por exemplo, com empresas que recebem capital de risco ou são compradas por grandes multinacionais. Elas entram no sistema corporativo e toda a empolgação acaba, são os números que contam.

Novas empresas sustentáveis devem ter um bom caso de negócios [justificativa ou argumento de negócio para realizar um projeto ou investimento]. Devem ser radical o suficiente em termos de inovação, de criar um impacto positivo e criar valor real.

Se você conseguir algum financiamento ou for comprada por uma empresa, também pense em qual parceiro estratégico deseja.

Estou frequentemente entre empreendedores e pessoas que trabalham com capital de risco corporativo, e multinacionais.

E sempre me surpreendo, apesar da minha admiração por esses empreendedores, como eles pensam pouco sobre de onde seu capital deve vir. Porque não é só dinheiro. É um parceiro estratégico

E dinheiro sozinho não é suficiente se você quer escala, é melhor estar com uma empresa que tem zilhões de clientes onde você pode levar seu produto. E onde a empresa precisa do seu produto para cumprir as promessas de sustentabilidade dela.

Quais os próximos movimentos que você recomenda para as empresas?
Precisamos agir de acordo com o que prometemos. Tenho grandes esperanças para a reunião de cúpula do G20 e a COP30. Ambos vão acontecer no Brasil e são uma grande oportunidade para o Brasil criar acordos reais, mas também a execução do que deve ser feito.

O Brasil tem uma cultura muito colaborativa. Devemos elevar o padrão ao nível do que pode ser esperado porque temos tecnologia

Temos todas essas metas, de curto e médio prazo, em torno de 1,5 e 2 graus. Enquanto isso, a tecnologia melhorou, evoluiu. Então, deveríamos elevar em vez de diminuir as metas. Alocar capital onde queremos estar em curto prazo, 2030.

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