Assim como pão caseiro e jogar beach tennis, fazer kombucha em casa foi uma das modas que ganharam adeptos na pandemia. Esse chá fermentado, com gosto meio avinagrado, virou um passatempo difundido entre aqueles que queriam (ou precisavam) se aventurar na cozinha durante o isolamento social.
Isso porque a kombucha é feita a partir de um tipo de bolacha chamado SCOBY (sigla em inglês para “cultura simbiótica de bactérias e leveduras”), uma mistura de açúcar, chá e resquícios de uma produção anterior. Os microrganismos do SCOBY se alimentam do açúcar, produzindo gás carbônico – é a fermentação em andamento.
Dessa forma, a kombucha se disseminou como um produto quase sempre caseiro, produzido de maneira artesanal por pessoas que descobriram nesse chá milenar chinês um novo hobby. Mas, em pouco tempo, a profissionalização do setor ganhou espaço.
Vinícius Mazurek, 28, é um expoente desse setor em ascensão. Em 2017, ele fazia kombucha em casa por conta do trabalho de conclusão de curso na faculdade. Hoje, Vinicius e o irmão, Leonardo, 26, comandam a Pod Kombucha, uma fabricante com sede em Itajaí (SC) que fatura cerca de 4 milhões de reais por ano.
Vinícius conheceu o mundo das kombuchas antes mesmo de estudar engenharia, por influência da mãe, quando vivia com a família no interior do Rio Grande do Sul.
Arlete Mazurek “sempre foi muito próxima dessas coisas holísticas, diferentes”, lembra Leonardo. “Essa é justamente uma das plataformas de conhecimento, pessoas da família, do bairro, que começam a fazer em casa”.
Outra mulher teve papel essencial nessa história. Esposa de Vinicius, Eliete Testoni escolheu a kombucha como tema de seu projeto de conclusão de curso de engenharia química na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Vinícius tomou gosto de vez pela bebida e não largou mais. Leonardo brinca:
“No início a gente estranhava, depois começamos a dizer: ‘Pô, pior que isso é bom!’
Formado, Vinicius trocou Florianópolis por Itajaí, no litoral norte catarinense, para trabalhar na BRF. Nas horas vagas, fazia kombucha na cozinha de casa e vendia para amigos, a turma do crossfit e conhecidos em geral.
Quando o coronavírus virou o mundo de pernas para o ar, em 2020, veio o salto. Enquanto muitos estavam descobrindo os prazeres e benefícios dos chás gaseificados, Vinícius já somava alguns anos de experiência. Além disso, passou a ter, ao seu lado, o olhar para os negócios de Leonardo.
Graduado em administração pela mesma UFSC, Leonardo na época trabalhava no Bradesco. Começou então a pegar uma sacolinha de kombucha e levar para Floripa, passando de loja em loja para apresentar o produto.
Assim, eles ganharam clientes nas duas cidades, mas tudo era ainda muito caseiro, com a produção centrada em uma cozinha junto da casa de Vinícius.
Não tardou para investirem em um espaço maior, uma câmara maior e um carro para as entregas. Ao todo, eles calculam que o investimento inicial foi de cerca de 150 mil reais. Largaram também os empregos e passaram a se dedicar 100% à empresa, fundada em 2019 e batizada de Pod. Leonardo afirma:
“A partir disso as coisas começaram a girar um pouco mais. Ele, engenheiro químico, a cabeça da produção, do desenvolvimento, do produto. Eu entrei olhando para a operação comercial, o marketing, o crescimento da marca, da receita”
A Pod contratou seus primeiros funcionários, uma tia entrou para ajudar na produção e, ainda em 2020, conseguiram o registro no Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).
A empresa rapidamente se enquadrou no Padrão de Identidade e Qualidade (PIQ) da Kombucha, que havia sido estabelecido em 2019. Então, legalmente, a bebida feita pelos irmãos podia ser vendida como kombucha.
É um feito importante em um setor jovem, em que parâmetros e padrões de produção e comercialização ainda estão se definindo. “Fomos uma das primeiras, tinha pouquíssimas assim no Brasil”, diz Leonardo.
Entre as especificações do PIQ da Kombucha, consta: “No rótulo da kombucha fica proibido o uso de expressões tais como: artesanal, caseira, familiar, bebida viva, bebida probiótica, bebida milenar, elixir, elixir da vida, energizante, revigorante, especial, premium, dentre outras que atribuam características de qualidades superlativas e propriedades funcionais não aprovadas em legislação específica.”
Essa padronização, reconhece Leonardo, é importante para o desenvolvimento do mercado.
“Deu uma boa profissionalizada. Tem que ter critérios de produção, de espaço, de higienização, testes de qualidade…”
Como a Pod já vinha nesse processo, saiu na frente da concorrência, e isso acabou abrindo uma nova oportunidade para a empresa: a terceirização.
“A gente nem esperava isso”, admite Leonardo, ao contar como eles foram procurados por produtores que não tinham registro no Mapa e queriam usar a estrutura e o conhecimento da Pod para entrar no mercado. Os irmãos perceberam que havia uma demanda e uma potencial situação de ganha-ganha.
Para aqueles fora da regulamentação, pode ser um caminho mais curto para chegar às prateleiras. Para quem não tem nem marca, apenas uma ideia na cabeça, a Pod oferece uma vertical de serviços, com pesquisa, desenvolvimento e produção.
Pelo lado da Pod, a vantagem é investir o tempo ocioso do maquinário na produção para outras marcas, ficando com parte do lucro e reduzindo os custos fixos de fabricação.
Assim, a kombucha virou negócio, virou carreira, mas a mentalidade de parceria, de trocar receita com o vizinho – essencial inclusive na essência bioquímica do produto, já que uma kombucha nasce da cultura de leveduras de outra –, de alguma forma se manteve na Pod.
Crescendo entre lojas de produtos naturais e restaurantes do litoral catarinense, a empresa começou a entrar em farmácias e redes de supermercados. O pequeno varejo era e continua sendo o carro-chefe, mas desde o começo a Pod investe também no e-commerce, que responde, em média, por 40% das vendas e serve como um canal de aceleração do varejo, segundo Leonardo.
“A gente manda para o Nordeste mais para conseguir atender, mas às vezes fica no prejuízo”
Isso porque a kombucha tem um gargalo de crescimento, que é o produto em si. A fermentação da kombucha é contínua, ou seja, ela continua rolando dentro da garrafa. É diferente da imensa maioria das cervejas, em que a fermentação é interrompida.
Por isso, a kombucha tradicional precisa estar sempre refrigerada. Fora da geladeira ela pode mudar de sabor, gerar gás em excesso e até explodir. Ou seja, para produtores e revendedores, isso cria um desafio de logística.
“É um fator limitante. Todas as marcas são muito locais”
As kombuchas refrigeradas da Pod estão disponíveis apenas nos três estados do Sul. Para contornar esse desafio logístico imposto pela própria bebida e virar uma marca nacional, os irmãos desenvolveram kombuchas sem açúcar residual, que se mantêm estáveis fora da geladeira. Essa linha, lançada no fim de 2022, se tornou a primeira kombucha sem açúcar em lata do país e pode ser enviada para lugares mais distantes. O preço da lata é 15 reais.
A partir de então, a Pod deixou de se posicionar como uma fabricante de kombuchas, mas como uma marca de bebidas funcionais. Na sequência, a empresa lançou shots funcionais para digestão (12 reais a unidade), energéticos e bebidas que prometem ajudar na qualidade do sono ou na concentração (15 reais a lata) – tudo com ingredientes naturais.
Para atender aos adeptos da tendência de redução no consumo de bebida alcoólica, também criaram uma linha de espumantes de kombucha sem álcool (79 reais a garrafa). Hoje, a empresa possui um clube de assinatura para clientes diretos e suas bebidas estão disponíveis em mais de 500 pontos de venda pelo Brasil.
Atentos ao mercado internacional e à vertiginosa demanda de um público que preza por um estilo de vida mais saudável e equilibrado, a aposta mais recente dos irmãos é o Poddi — o primeiro produto lançado fora da marca Pod.
Trata-se de um refrigerante sem conservantes, sem adição de açúcar e prebiótico, ou seja, contém fibras que serão digeridas pelas bactérias benéficas do nosso organismo (aquelas que vêm nos alimentos probióticos). Disponível nos sabores uva, cereja, limão e laranja, o Poddi custa R$ 14,90 a lata.
Leonardo conta que ele e Vinicius estão olhando para a própria geração – a Geração Z – ao lançar esse refrigerante, que anunciam como o primeiro do tipo no Brasil.
“Acredito que ele tenha potencial para ser maior até que a kombucha. É um mercado multibilionário nos Estados Unidos. A Coca-Cola acabou de lançar sua linha [Simply Pop, anunciada em fevereiro]. A Pepsi comprou uma marca [Poppy, adquirida em março] por quase 2 bilhões de dólares”
Nos EUA, enquanto as vendas de refrigerantes tradicionais vêm caindo nas últimas décadas, os prebióticos estão em uma curva ascendente: o setor, avaliado em 143,5 bilhões de dólares em 2024, deve crescer para 238,1 bilhões de dólares em 2033, segundo um estudo da consultoria Imarc.
Poddi: anunciado como primeiro refri prebiótico do Brasil, custa R$ 14,90 a lata.
No Brasil, também houve queda nas vendas de refrigerantes, segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas (Abir): em 2010, o consumo era de 88,9 litros por habitante ao ano. Em 2021, estava em 59,5 litros (uma média de uma lata de 350 ml a cada dois dias).
O mercado global de alimentos saudáveis e bem-estar segue em forte expansão, com um crescimento de 8,27% em 2024, segundo um levantamento da consultoria britânica Technavio. O Brasil já é o quarto maior mercado de kombuchas do planeta — um produto que movimentou 2,97 bilhões de dólares em 2024, segundo a Mordor Intelligence, com previsão de chegar a 4,65 bilhões de dólares até 2029.
Todo esse cenário ajudou a Pod crescer cerca de 120% ao ano, segundo Leonardo. A empresa hoje tem por volta de 30 funcionários e vai se mudar para um endereço três vezes maior, a fim de expandir a produção (tanto própria quanto a terceirizada).
“Hoje fazemos oito marcas, muitas de kombucha, mas também outras de fora, como hard seltzer [tipo de refri alcoólico] e café gelado. Nosso objetivo é crescer com nossas próprias marcas e também expandir o braço de terceirização em white label.”
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