A ideia de largar tudo e cair na estrada soa tentadora para muita gente. Mas num segundo momento bate aquela dúvida: será que viver assim, sem casa, não é muito perrengue, não?
Residente em Ubá (MG), polo moveleiro a quase 300 quilômetros de Belo Horizonte, o casal Ana Carolina Sartori e Glauber Chaves de Souza estava planejando sair num longo sabático, mas queriam encarar a viagem com mais conforto, levando a casa a reboque. Assim, decidiram construir o próprio motorhome, em 2020.
Glauber, que hoje tem 43 anos, lembra:
“O que queríamos desde o início era estar em um veículo em que a gente se sentisse em casa o tempo inteiro. Ou seja, que tivesse uma autonomia elétrica legal para usar uma air fryer, um microondas, bastante água e, claro, conforto e design legal”
Ele é engenheiro eletrônico; ela, médica. Mesmo sem nenhuma experiência no assunto, foram aprendendo na base da tentativa e erro. E assim que o veículo ficou pronto, os dois compartilharam o projeto nas redes sociais.
Ana, 34, conta que a reação surpreendeu:
“Quando a gente divulgou o vídeo, as pessoas adoraram e começaram a pedir encomendas [de motorhomes customizados]. Só que, na época, a gente tinha acabado de sair dos nossos empregos e já ia se meter em mais dor de cabeça? Não!”
O objetivo era despachar o motorhome para a Europa, onde o sabático começaria. Mas aí a pandemia de Covid-19 frustrou o sonho daquela jornada transatlântica, e Ana e Glauber optaram apenas por fazer pequenas viagens aqui mesmo pelo Brasil.
Com mais tempo à disposição, eles acabaram repensando a ideia de construir motorhomes sob demanda para outras pessoas. E em 2021, ainda durante a pandemia, o casal fundou a Up! Motorhome.
Em um motorhome, cada milímetro precisa ser aproveitado da melhor forma, possibilitando um bom uso do espaço. E a dupla sabia bem disso:
“O que as pessoas geralmente sentem ao entrar num motorhome convencional é a sensação de clausura, de abafamento”, diz Glauber. “A gente sabe que é um espaço pequeno, por isso investimos muito tempo em pensar num layout que trouxesse amplitude, com uma visão que chamamos 360 graus, o que inclui uma claraboia de ventilação no teto, e duas janelas, uma traseira e outra frontal.”
A empresa vende dois modelos de motorhomes, o Smart e o Evolution.
A empresa tem dois modelos de projetos de motorhomes disponíveis: o Up! Smart e o Up! Evolution. O primeiro, construído em uma van, tem 1,80 metro de largura por 1,90 metro de altura e 4,70 metros de comprimento. Comporta bem, segundo Glauber, um casal, mas dá para fazer adaptações para levar quatro pessoas.
Já o segundo modelo, montado dentro de um chassi, tem 2,10 metros de largura, 2,10 metros de altura e 5,10 de comprimento. Ele foi pensado para uma família, comportando seis pessoas.
“Tanto o Smart como o Evolution contam com autonomia elétrica de 72 horas. A gente trabalha com bateria de lítio, o que significa que as pessoas conseguem ficar de três a quatro dias sem precisar de uma tomada, às vezes muito mais porque temos carregamento através de painel solar e também através do alternador do veículo”
Os motorhomes, diz Ana, também têm autonomia hidráulica (no Smart, o tanque de água é de 250 litros; no Evolution, de 300) e ambos já vêm com isolamento térmico e o projeto interno completo, do mobiliário aos eletrodomésticos. “Também pensamos em bastante espaço para armazenamento, então as gavetas para roupas e outras coisas são bem grandes”, diz.
Os clientes podem optar por três layouts diferentes em cada modelo e personalizar cor de móveis e acabamentos. Como nenhuma descrição funciona melhor que um vídeo (como bem sabe o casal que ganhou clientes ao divulgar uma gravação nas redes), para os interessados vale dar uma espiada nesse tour por um motorhome.
A van mais indicada para o cliente comprar e levar para a empresa desenvolver o motorhome no modelo Smart é a Mercedes-Benz Sprinter 417 furgão extra-longo; o projeto custa em torno de 345 mil reais. Já para o Evolution, a indicação é da Mercedes-Benz Sprinter Truck, e o investimento para a adaptação parte de 460 mil. Vale lembrar que esses valores incluem apenas o serviço de adaptação. O preço dos veículos, que devem ser adquiridos pelos próprios clientes, varia entre 250 mil e 380 mil reais.
Todos os móveis dos motorhomes são planejados e confeccionados pela própria empresa.
Dá ainda para escolher itens opcionais, como lava e seca, ar-condicionado ou uma Alexa, o que vai aumentando gradualmente o custo final da entrega, que pode demorar, por sua vez, entre três e cinco meses. Desde a fundação da empresa, o casal já entregou 15 veículos.
Glauber afirma que a Up!Motorhome tem dois tipos de clientes:
“São pessoas que literalmente moram no motorhome, geralmente casais mais jovens, e outras que fazem viagens de fins de semana, feriados ou férias, incluindo aí muitas famílias. Mas independente do perfil, a gente projeta e constrói para que a pessoas possam viver em qualquer lugar do planeta”
E tem clientes realmente circulando em diferentes partes, diz Ana. “Tem motorhome nosso que já foi e voltou do Canadá, tem nos Estados Unidos, na Argentina, Chile, Uruguai. E uns dois ou três aqui no Brasil.”
Cama de casal de um motorhome da Up!
Apesar de menos veículos da empresa no país, Glauber afirma que esse mercado vem crescendo por aqui desde 2018. “Mas naquela época, o Brasil não tinha uma boa estrutura para receber os motorhomes. Foi por isso que a gente pensou em fazer algo que desse autonomia para as pessoas, para que não ficassem dependentes de campings. Hoje, isso já é diferente, existem vários locais para parar, abastecer o veículo de energia e água, além de fazer o descarte dos resíduos.”
Quando decidiram empreender, Ana e Glauber começaram do zero a empresa, sem funcionários. “Nos primeiros quatro meses, a gente trabalhava só os dois, das quatro horas da manhã até às onze da noite.”
Depois, o casal foi em busca de um time, mas encontrar gente habilitada para esse mercado não foi tão fácil. Hoje, a empresa conta com uma equipe de oito pessoas. Outro desafio é a matéria-prima, diz Ana:
“A gente tem amigos fabricantes de motorhomes em outras partes do mundo e eles dizem que admiram nosso trabalho porque sabem que aqui, como o mercado é menor, não é tão fácil achar material e fornecedores locais. Muitas vezes, como a gente não encontra o que precisava, acaba adaptando e criando soluções”
O bom, comenta a dupla, é que o próprio motorhome deles é um laboratório, onde testam o que funciona ou não antes de oferecer aos clientes. A meta para o final de 2026 é dobrar o número de entregas, com expectativa de faturar 5,5 milhões de reais.
Com tantos planos e trabalho pela frente, no momento está difícil tirar do papel aquele sabático. Mesmo assim, o casal garante que não deixa o motorhome parado na garagem.
“Hoje a gente faz bastante viagens nos fins de semana e feriados. E muitas não programadas, inesperadas. A gente só acorda e fala: hoje vamos andar 500 quilômetros. Saímos numa sexta-feira à noite, por exemplo, e voltamos no domingo. Mas muito em breve, a gente planeja fazer uma viagem pelo Atacama”, diz Glauber.
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