“O empreendedor sangue nos olhos é resiliente, sabe flexibilizar metas e não perde o foco”

Antonio Valerio Netto - 10 mar 2017Autor do livro "Empreendedor sangue nos olhos", Antonio Valerio Netto diz que empreender não é algo racional.
Autor do livro "Empreendedor sangue nos olhos", Antonio Valerio Netto diz que empreender não é algo racional.
Antonio Valerio Netto - 10 mar 2017
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por Antonio Valerio Netto

Na minha adolescência, eu pratiquei por alguns anos o Karatê estilo Goju-Ryu. Quando fui participar do meu primeiro campeonato de Kata (combinações de movimentos de ataque e defesa previamente estabelecidos com o objetivo de desenvolver a coordenação motora, agilidade e proporcionar ao praticante o aprendizado mais aprofundado da arte e experiência de luta), meu Sensei me alertou para ter postura e atitude para transmitir segurança e equilíbrio durante a prática.

Ele me dizia: “Valerio, quero ver sangue nos olhos”. Isso significava demonstrar concentração, vigor nos golpes e precisão nos movimentos. Mostrar envolvimento no que está fazendo controlar o medo e a ansiedade.

Foi a essência desse momento que busquei traduzir quando cunhei pela primeira vez, há uns 10 anos atrás, o termo “empreendedor sangue nos olhos” em um diálogo com estudantes, que tinham me procurado para conversar sobre o desejo de abrir uma empresa. O que eu queria dizer com sangue nos olhos?

Ter resiliência acima da média, jogo de cintura para flexibilizar metas a curto e médio prazo e não se dispersar diante de um objetivo

Um empreendedor sem essas características dá a impressão que não sabe direito o que quer e aonde quer chegar. Toda semana, ele muda seus objetivos ou desiste de etapas. Confunde flexibilidade com falta de critério e planeja muito na teoria, mas na hora da execução falta fôlego e concentração. Sempre está envolvido em muitas atividades diferentes e assume muitos papéis.

Além disso, ele acaba justificando a falta de resultados devido a condições externas. A culpa sempre está no mercado, nos clientes, na falta de dinheiro etc. Os resultados, mesmo que negativos, acabam não sendo inputs para um replanejamento. Tentou uma ou duas vezes, e desistiu!

Há algumas semanas, em uma conversa entre amigos, me perguntaram como eu identifico um empreendedor sangue nos olhos. Não é fácil, pois se trata de uma atitude pessoal contínua, de observar o comportamento da pessoa em diferentes momentos. Um dia, a pessoa pode transmitir toda essa energia de que falei, mas alguns meses depois a poeira já baixou. É o chamado “fogo de palha”.

Por isso, não é uma conversa, uma atitude isolada ou passageira, ou uma tentativa de criar uma startup. É uma situação mental e física permanente. Faz parte de como o empreendedor se vê no mundo e que tipo de legado ele quer deixar para a sociedade como um todo. Ele não quer somente fazer um negócio dar certo ou ganhar dinheiro de forma isolada. Muitas vezes, ele quer implementar uma visão disruptiva de um processo estagnado. É assim que ele encontra na inovação uma forma de colocar em prática todo este seu desejo de sair da zona de conforto.

Ser um empreendedor é uma decisão pessoal, que não depende de um momento emblemático no qual é possível afirmar: “De hoje em diante vou ser um empreendedor”.

Não é algo racional e muito menos planejado. Trata-se de um sentimento permanente dentro de si, como uma voz da sua própria consciência, levando-o na direção certa

Ter sangue nos olhos, contudo, pode acarretar situações de risco tanto de cunho pessoal quanto profissional. Não é raro ver empreendedores negligenciando outros aspectos da sua rotina diária e diminuindo os laços com a sua família e amigos. Portanto, é fundamental que não haja uma obsessão com relação aos seus objetivos.

Sua mente precisa encontrar formas de construir uma rotina sadia e ser estimulada com indicadores de resultados que possam ser alcançados

Ao longo dessa caminhada, muitas pessoas vão acabar se afastando, seja por não compreenderem o processo mental pelo qual você está passando ou por falta de interesse em apoiar a meta que você traçou. Essas perdas emocionais e sociais impactam mais que as financeiras, porque como você trabalha tentando fazer com que as pessoas acreditem no seu negócio, perder o apoio de pessoas próximas e importantes acaba criando uma instabilidade emocional. Por isto, o processo de resiliência é fundamental para fortalecer a sua crença.

Mas é possível treinar uma pessoa para o empreendedorismo sangue nos olhos? Em parte. Quanto mais cedo você expõe um jovem a disciplinas ligadas ao tema, maiores são as suas chances de sucesso. A postura empreendedora propriamente dita, no entanto, só surge ao longo dos anos, a partir de discussões com professores e colegas de classe.

O meu objetivo quando publiquei o livro Empreendedor sangue nos olhos foi estimular essa transferência de conhecimento. Nele, eu falo dos meus projetos aprovados para os programas de fomento à pesquisa de cunho federal e também estadual, abordo formas de captação de dinheiro e os impactos dos programas para startups. A leitura pode ser óbvia demais para os seniores, complexa demais para os iniciantes, longo demais para os superficiais… Mas também pode ser suficiente para muitos.

Eu acredito que o empreendedor deva pesar sempre os prós de seguir diferentes caminhos.

Tomar decisões apenas no feeling não é eficaz no médio e longo prazo

Você deve acreditar em si mesmo, mas não esquecer de que planejar cada passo é importante para não cometer erros. Como meu sensei sempre falava nas aulas: “O treinamento diário é essencial para que o nosso reflexo se torne instinto”.

 

Antonio Valerio Netto, 41 anos, é doutor em computação pela USP. Possui MBA em Marketing pela FUNDACE (FEA-RP/USP). Em 2003, fundou a Cientistas, empresa focada no desenvolvimento de sistemas computacionais para as áreas de Energia & Utilities e Segurança. Em 2007, fundou a XBot, empresa de robótica móvel para as áreas de educação e entretenimento. É o atual diretor de tecnologia do CIESP. É avaliador ad-hoc do CNPq, FACEPE, FAPESB e Assessor Científico do Fundo Mackenzie. Possui mais de 80 publicações nas áreas de computação, engenharia, empreendedorismo e inovação. Coordenou em torno de 15 projetos tecnológicos financiados pela FINEP, CNPq, FAPESP e empresas privadas nos últimos anos.

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