Estamos atualmente no epicentro da transição energética mais marcante e ágil da história global, uma metamorfose vital impulsionada pelas metas estabelecidas pela Organização das Nações Unidas (ONU) e a era digital. Em contraste com as transições energéticas anteriores – como a mudança da madeira para o carvão durante a Revolução Industrial e, posteriormente, do carvão para o petróleo no século XX –, a era digital está acelerando e potencializando as mudanças e oportunidades do progresso energético.
Hoje, o setor de energia se destaca como o maior emissor global de gases de efeito estufa por conta da geração a partir de combustíveis fósseis e carvão, embora seja importante ressaltar que a realidade brasileira é singular, dada a nossa benéfica combinação de ecossistema climático e extensão latitudinal. Essa condição nos destaca como protagonistas na geração de energia renovável, conferindo-nos, portanto, uma responsabilidade crucial na promoção da descarbonização global.
Paradoxalmente, as empresas do sistema elétrico nacional enfrentam um grande desafio. A geração de energia renovável – majoritariamente dependente de operações a céu aberto – exige a exploração de recursos como vento, água e sol. Essa exposição direta aos elementos meteorológicos coloca essas operações sob constante ameaça de eventos climáticos extremos, comprometendo não apenas a operacionalidade, mas também a eficiência e a capacidade de planejar investimentos de longo prazo.
Por exemplo, o acesso a informações sobre o clima de médio e longo prazo são essenciais para ajudar a prever o regime de chuvas, seu impacto nos reservatórios e quanto eles poderão contribuir para o SIN (Sistema Interligado Nacional) dentro da matriz energética nacional, em que 70% da energia gerada são provenientes de hidrelétricas.
Nesse sentido, é imprescindível considerar os objetivos ambientais, a saúde e manutenção dos negócios ao abordar a agenda climática, visto que o clima representa tanto um desafio quanto uma solução, uma dualidade que as empresas privadas já estão encarando para garantir a sustentabilidade de seus empreendimentos.
A matriz elétrica nacional impulsionada pelo potencial hídrico ganhou reforço de outras fontes renováveis ao longo dos últimos anos. Desde 2012 a geração de energia eólica no Brasil cresceu de maneira expressiva, já ocupando 13,4% da capacidade instalada, conforme dados da ABEEólica. Além disso, a geração solar também cresceu significativamente representando mais de 15% da matriz elétrica, segundo a ABSOLAR.
O clima e seu comportamento interferem na disponibilidade de geração das fontes renováveis e impactam, por consequência, o preço de referência da energia no mercado, conhecido como PLD (Preço de Liquidação das Diferenças), que oscila principalmente por conta dos níveis dos reservatórios e despacho das hidrelétricas. Desta maneira, há um desafio para as comercializadoras de energia, que devem contar com o apoio da ciência meteorológica para ajudar com insights que irão estabelecer as bases para negociações de energia no mercado de curto prazo ou para contratos futuros.
Com a abertura cada vez mais ampla do Mercado Livre de Energia e a previsão de atingir até os consumidores residenciais da baixa tensão em alguns anos, o papel das comercializadoras ganha mais relevância, e uma operação eficiente é primordial e, ao mesmo tempo, desafiadora.
Contudo, esse crescimento acelerado das fontes renováveis impõe um desafio considerável ao setor de transmissão de energia, que encerrou o ano de 2022 com aproximadamente 180 mil quilômetros de linhas de transmissão. Para dar conta da crescente geração renovável e dos desafios de produção do hidrogênio verde, estima-se que até 2027 serão necessários mais de 215 mil km de linhas de transmissão em operação, exigindo estratégias e investimentos contínuos em pesquisas climatológicas.
Para efeito de análise, as condições meteorológicas adversas e as queimadas, foram responsáveis por quase metade das perturbações no segmento de transmissão do Sistema Interligado Nacional (SIN) em 2022. No mesmo período, 47% das interrupções no segmento de distribuição foram causadas por eventos climáticos, totalizando 7,91 horas de interrupção das mais de 16,7 horas totais, segundo dados da ANEEL. O risco de falta de energia devido a problemas climáticos está em constante ascensão, uma vez que, apesar da robustez mantida nas linhas de distribuição e transmissão, eventos meteorológicos extremos estão se intensificando e se tornando mais frequentes. Essa disparidade ganha proporções desequilibradas em relação aos projetos de infraestrutura concebidos anos ou mesmo décadas atrás.
Para assegurar a eficiência da transição energética e atender às metas da ONU é crucial integrar de maneira estratégica a saúde e manutenção dos negócios a céu aberto, protegendo esses investimentos por meio de planejamento antecipado e monitoramento de dados meteorológicos.
Empresas privadas de meteorologia, como a Climatempo, estão investindo milhões de reais anualmente para desenvolver tecnologias de monitoramento de riscos climáticos e previsão de cenários climáticos. Além disso, eventos de conscientização e capacitação sobre mudanças climáticas como o Primeiro Encontro Nacional de Mudanças Climáticas para o Setor de Energia (I EMSE), realizado pela Climatempo, são cruciais para nivelar o conhecimento das empresas com os desafios tangíveis que continuaremos enfrentando em relação aos riscos climáticos e ao planejamento de investimentos.
**Vitor Hassan é head da vertical de energia da Climatempo, empresa de consultoria meteorológica e previsão do tempo do Brasil e da América Latina.
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