Ela tem sorte de dormir pouco – entre quatro e cinco horas por noite. Assim, sobra tempo para Andrea Mansano, 58, fazer tudo o que ama. Incluindo motocross, cantar na banda The Corporates e, claro, trabalhar muito.
Andrea já foi CEO de quatro empresas: VEX Corp, AlfaPeople, EF Education First e Emeritus. É também investidora em startups desde 2010 – já fez 14 investimentos, sendo 10 deles pela BR Angels –, é embaixadora do Mulheres ao Cubo, do Cubo Itaú desde 2020, e membra do conselho da ONG Vocação e da healthtech Sharecare.
Em sua rotina, hoje ela tem a coordenação de dois grupos de mulheres: E.V.A. – Economic Value Added Business Group – que reúne 400 executivas ao redor do propósito de apoiar suas carreiras e incitar todas as empresas a terem, pelo menos, uma mulher no C-Level; e Mulheres em Conselhos – que reúne 120 conselheiras e se propõe a ser uma vitrine para contratação de executivas como membras em conselhos.
Como se não bastasse, Andrea é, desde 2013, mantenedora do projeto social Pequenos Músicos da Liberdade, que oferece aulas de música, orquestra e coral para crianças em estado de vulnerabilidade social, na cidade de São Paulo.
Nascida em Joinville (SC), foi criada com base rígida, ancorada na religião. Depois de perder os pais biológicos (um engenheiro e uma socióloga), Andrea foi adotada por uma família de pessoas negras: “Gosto de dizer que minha mãe adotiva é também minha advogada!”
Difícil de acreditar que seja coincidência Andrea ter feito na EF um sucessor negro, Eduardo Santos. Porém, por sua história de vida – ela foi preterida a cargos de liderança por vários anos, apenas por ser mulher –, sua principal bandeira (mas não a única) é a equidade de gênero.
A seguir, você lê a conversa entre Andrea Mansano e o Draft.
Que idade você tinha quando você foi adotada?
Eu já era adulta.
Acho interessante as pessoas pensarem que a gente precisa de amor e paz só quando é criança e adolescente. Quando você perde seus pais, perde uma referência muito forte
A minha família é muito pequena – eu tive só uma filha – e o lado dos meus pais [biológicos] também é muito pequenininha, lá no sul do Brasil, então eu me senti muito sozinha.
Encurtando bem a história [sobre os pais adotivos], era uma família que eu conhecia há muito tempo e para a qual acabei entrando.
Falo que sou uma branquela no meio dos pretos. Vivo exatamente uma experiência muito interessante por conta de tudo que se fala hoje sobre inclusão e diversidade
Eu vivo e sinto o que é isso de uma maneira diferente.
Imagino que você vê a prática e o reflexo disso nas pessoas que você ama e com quem convive… o seu despertar veio muitos anos antes de quem olha para esse tema agora.
Sim. As pessoas dizem que o sentimento que os negros têm é vitimismo. Não é, porque só quando você sente em você é que sabe. Eu digo isso sempre pela minha experiência como mulher.
Estou no mercado há 41 anos. Comecei a trabalhar quando entrei na faculdade, aos 17. Eu vivi durante mais de 20 anos em um mundo totalmente masculino.
Então, quando ouço que é vitimismo, eu digo: “Você não sabe do que está falando. Você não sabe o que é viver num ambiente – qualquer que seja – em que você é a única… é diferente de todo o restante. É muito difícil!”
Vivi e batalhei muito durante mais de 20 anos da minha carreira em chão de fábrica de computador [na Compaq/Hewlett-Packard], onde eu via todos os homens subindo nas suas carreiras, mas eu não! Pra mim era muito claro que era machismo.
Como você se define hoje – executiva, investidora, ativista social, cantora ou pilota de motocross?
Sou um bom pacote de coisas de que eu gosto. Acho que a vida vale a pena quando você faz o que gosta.
Tenho muita sorte de trabalhar no que eu gosto… gosto muito de todos os meus projetos, então, eu sou feliz.
Eu não acho que haja uma definição – sou tudo.
Desde quando você é pilota de motocross e vocalista da banda de rock The Corporates, formada por CEOs, que arrecada fundos para projetos sociais? Como e quando isso tudo começou?
Meu pai tinha uma moto e quando eu tinha 12 anos, resolvi pegar a moto dele escondida, enquanto ele dormia num sábado à tarde (risada)!
Aí, eu vi que dava conta de andar com a moto, então todo sábado à tarde, quando ele ia dormir, eu andava de moto
Um dia, ele acordou e viu que o motor da moto estava quente. Estranhou e tive de contar a verdade, mas aí já era tarde, porque eu já sabia pilotar a moto… ou achava que sabia!
E ele me deixou pilotar a moto. Imagina, naquela época não se usava capacete, não havia nenhum cuidado… Ele disse que eu podia andar por perto de casa, durante o dia.
Logo, comecei a andar de moto na cidade. Não tinha o tanto de motos que se tem hoje, a gente morava em Campinas. Óbvio que não deixava de ser perigoso, mas era muito mais tranquilo.
Mas eu nunca gostei muito de andar de moto na rua, eu sempre tive medo, porque vi muitos acidentes de amigos que caíram no asfalto e se machucaram muito.
Quando eu tinha uns 20 anos, conheci um grupo que fazia motocross e pensei que cair no meio do mato machucaria menos. Fui atrás disso e, de fato, uma das coisas que você aprende quando faz off-road é cair. E fui pra esse lado
Eu não ando de moto na rua, continuo tendo muito medo, mas eu gosto muito de andar no meio do mato.
Não faço competição; é pura diversão e é uma das maneiras que eu tenho de relaxar. No momento que você está ali, não consegue pensar em outra coisa. É muito gostoso.
E a banda?
A banda… na realidade, a música também tem uma importância muito grande na minha vida.
Eu nasci dentro de uma igreja evangélica, então desde pequenininha eu cantava no coral. Cantei em coral de criança, de adolescente, de adulto… canto em coral até hoje
A banda surgiu em um papo com os amigos: um tocava, eu cantava, aí saiu a The Corporates, e a gente se encontrou.
Combinamos de só nos apresentarmos com fins sociais. Por exemplo, uma empresa quer nos contratar pra festa de final de ano.
A gente pergunta se a empresa participa de algum projeto social; combinamos o cachê, que vai para esse projeto social específico ou para algum projeto social que a gente conheça bem
Essa é a nossa dinâmica, a gente não participa com nenhum outro propósito.
Você é fundadora e mantenedora do projeto social Pequenos Músicos da Liberdade, dentro da Igreja Batista da Liberdade, que orienta 120 crianças vulneráveis por meio da música, em São Paulo. O projeto continua ativo?
Sim, a Igreja Batista da Liberdade doa o espaço pra gente ter o projeto lá dentro. Tem crianças de cinco a 15 anos que aprendem música na teoria e na prática, tocam instrumentos e também fazem parte de um coral.
Essas crianças precisam estar matriculadas no ensino regular para poder participar do projeto, o que é uma maneira que a gente tem de mantê-las estudando.
O projeto para elas é muito bom, porque a igreja é um local onde elas se sentem protegidas. Ali elas têm aulas de quatro horas por dia, no período inverso ao escolar, e também o lanchinho
Também tentamos uma integração com as famílias, se possível, trazendo-as para perto. As mães ajudam a gente a cuidar das crianças, a fazer os lanchinhos.
Esse projeto tem mais mantenedores além de você?
Eu não gosto muito de falar sobre isso, porque acredito naquilo que a Bíblia diz [sobre caridade]: “O que a mão direita faz, a esquerda não deve saber”.
Quando alguém pergunta pra mim, eu fujo, sabe? Mas sou a única mantenedora há nove anos.
Tenho conversado com alguns amigos do mundo corporativo, porque chegou o momento de fazer o projeto crescer. E quero fazer o projeto crescer de várias maneiras…
A gente já tem vários instrumentos, uma estrutura boa, professores – por quem quero fazer mais, porque eles se doam muito, por muito pouco.
Você já cogitou empreender?
Eu nunca fui empreendedora. Sempre ganhei muito dinheiro para os outros. Todo mundo diz para eu montar o meu negócio.
Na realidade, faço isso de alguma maneira como investidora nas startups, apoio muitas e também sou mentora de executivos de algumas empresas, inclusive de pequenos negócios.
E acabo me sentindo um pouco responsável, porque quando você é mentora de um executivo dono de um negócio, entra no negócio da pessoa. Eu nunca tive vontade de montar o meu negócio.
Os investimentos-anjo, você faz através da BR Angels, desde 2019, certo? E as mentorias? Também são da mesma maneira?
Os investimentos eu faço uma parte através da BR Angels – foi assim que comecei a investir em startups – e outra parte faço independente. Já investi em 14 empresas, sendo dez pela BR Angels.
Me tornei investidora-anjo em 2010, quando me associei a meu irmão na Neolog Mobile, uma empresa da área de tecnologia e comunicação que divulga campanhas de marketing para o mercado B2B por meio de uma plataforma de tecnologia própria.
No caso das mentoria, são amigos que eu conheço do mercado que me pediram.
Eu tenho um mentor, o Eduardo Gouveia, e acho muito importante para qualquer executivo ter um mentor na sua carreira, porque a nossa vida é muito solitária, dependendo do nível que você chega
Acho importante mentorar outras pessoas também. No momento eu mentoro três pessoas.
O que mudou em você desde seu primeiro investimento-anjo? Já são 12 anos olhando empresas e tocando a vida executiva, ao mesmo tempo…
Participando do BR Angels – que é um investimento coletivo –, você faz parte de um grupo e ali as decisões são tomadas em grupo.
Então, ela ajuda muito você a conhecer melhor, amadurecer e você tem oportunidade de conhecer uma série de startups que provavelmente você não conheceria, se não fizesse parte desse grupo.
Semanalmente, a quantidade de startups que passam pelo screening é gigante. Como investidor, a gente é abordado de todas as maneiras que você pode imaginar, então é um modelo diferente.
Quando você investe sozinho, independente, é um risco totalmente seu. Você tem de, primeiro, ver o que você conhece bem. Qual é o mercado e tipo de negócio que você conhece? Tem de ser alguma coisa de que você goste também.
E você tem de ter apetite para arriscar.
Você já teve saída de algum desses investimentos?
Sim, de uma delas que fazia parte do BR Angels. Inclusive a CEO, Deborah Folloni, se tornou minha amiga pessoal.
Quando ela entrou no grupo de empresas investidas da BR Angels, como são poucas as mulheres fundadoras de startup – isso é uma coisa que eu também sempre fico de olho – na hora eu bati o olho na Deborah e pensei que queria conversar com ela
Nos demos superbem de cara. Eu a mentoro desde então. Ela vendeu a empresa dela, a Chiligum Creatives, no final de 2021 para a VidMob, nos EUA. Hoje, ela trabalha na VidMob.
É superlegal você ver a história da startup e o amadurecimento da pessoa como profissional.
Por que, em 2019, você fundou o E.V.A. – Economic Value Added Business Group? O que você faz ali dentro? Como atuam as membras?
Eu fui ao International Women’s Forum no México e, na época, eu trabalhava na EF. Alguns números me chocaram muito.
Eu sou – e fui a minha vida toda – feminista. Me impressionaram negativamente os números que vi, porque eu não sabia que, em termos globais, eles eram tão ruins.
Eu não sabia, por exemplo, que a quantidade de mulheres em C-level era tão pequena em 2019 – e continua sendo hoje! E a gente tem de continuar batalhando e trabalhando nisso
Fui com algumas amigas nesse evento, voltei e sugeri fazermos alguma coisa nesse sentido. Criei um grupo de mulheres com o objetivo principal de pressionar o mercado para que todas as empresas tenham, pelo menos, uma mulher no C-level.
Eu ouço muito assim:
– Aqui a maioria da liderança é mulher!
– ‘Tá, mas quantas mulheres você tem no C-level?
– Nenhuma…
(Nota: segundo o IBGE, apenas 37,4% dos cargos gerenciais existentes em 2019 eram ocupados por mulheres. Porém esse percentual não se refere à alta direção de empresas.)
Às vezes, a resposta nem vem. Quando sei que não tem, mando notinhas simpáticas para o CEO e peço para ele me apresentar uma mulher que ele tenha no C-level. Não vem resposta
Até que, um dia, leio na imprensa que a empresa contratou uma mulher e fico superfeliz. Não sei se foi consequência daquilo que eu fiz…
O grupo chama E.V.A., sigla do mercado financeiro para Valor Econômico Agregado, porque as mulheres de fato agregam muito valor ao que fazem.
A minha bandeira é a favor das mulheres, mas tudo que é diversidade é bem-vinda – e não por simplesmente ser uma política que hoje as empresas têm de ter. Não!
Em qualquer mesa de discussão sobre qualquer assunto, em que tiver pessoas diferentes, com mentalidades e origens diferentes, a conversa vai ser muito melhor, mais criativa, e você vai ter outras perspectivas. É aí que as empresas têm de ver o grande diferencial.
Esse grupo começou com oito mulheres batendo papo num happy hour e foi crescendo – e cresceu mais durante a pandemia, porque comecei a entrar em contato com as mulheres por vídeo
Hoje, somos mais de 400 mulheres com um único objetivo: fazer essa pressão no mercado.
Essa pressão é feita de forma não-combativa, mas tem alguma sequência de ações? Tem um playbook, algo estruturado ou depende de cada mulher?
Não temos nada estruturado, porque não sou uma pessoa que costuma fazer esse tipo de pressão [sobre outras mulheres]. Eu faço esse tipo de ação, comento com as amigas e, obviamente, sei que várias delas também fazem.
O simples fato de elas existirem e fazerem parte do grupo – e eu as menciono quando tenho alguma conversa – já enriquece bastante.
No começo, eu sempre pedia que uma mulher me apresentasse outra mulher C-level que ela conhecesse.
Hoje, se uma mulher entra no grupo, normalmente não me apresenta mais, porque eu acho que já cheguei no limite: sempre vem alguma mulher que eu já conheço.
Infelizmente, não apareceu mais nenhuma mulher nova no grupo, o que me deixa muito triste, porque se você for ver a quantidade de homens em C-level – não sei nem quantos tem.
O grupo Mulheres em Conselhos nasceu em agosto de 2022. Ele é derivado desse primeiro grupo, o E.V.A.?
Não. O que aconteceu foi que comecei a me interessar por conselhos. Faço parte de dois [a ONG Vocação e a healthtech Sharecare] e acabei de fazer o programa para conselheiros da Fundação Dom Cabral.
Novamente, vi que tem poucas mulheres em conselho e a situação é ainda pior do que as mulheres C-level. As mulheres que estão em conselhos são sempre as mesmas
Aí, eu e Sandra Comodaro formamos esse grupo… chamamos umas amigas conselheiras pra conversar a respeito.
Tivemos um primeiro encontro de quatro pessoas, eu, Sandra e mais duas amigas, e decidimos fazer uma reunião pra falar sobre isso, chamando mais oito conselheiras e criamos um grupo de WhatsApp.
De repente, eram 20 mulheres conselheiras… depois chegamos a 30. Aí eu conversei com um amigo da Fundação Dom Cabral, o Roberto Sagot, e perguntei se ele tinha um espaço, uma sala pra gente fazer uma reunião com 30 mulheres. Ele disse que sim.
O grupo foi crescendo e aquela reunião que seria para 30 mulheres se tornou um evento que aconteceu em outubro de 2022 para 115 mulheres, na Fundação Dom Cabral. Tivemos um palestrante e três mulheres num painel
Decidimos fazer isso em bases trimestrais. Nosso próximo evento vai ser no dia 8 de fevereiro, na FIA, e já teremos um número um pouco maior de mulheres.
Nós não estamos vinculadas a nenhuma entidade e gostamos de dizer que nesse grupo não carregamos nenhuma bandeira; somos um território neutro.
Senti que faltava isso… que a gente não tivesse vinculado a nenhuma instituição. E já tenho uma lista de mulheres na fila pra entrar no grupo que eu tenho de contatar. Todo dia consigo colocar mais duas ou três no grupo
Nesse evento de fevereiro, infelizmente não conseguiremos ter mais de 120 mulheres por conta do espaço disponível, mas no evento de maio provavelmente teremos 200, então estamos vendo uma parceria para fazer num espaço maior.
Nesse ínterim, tivemos uma reunião de trabalho com 20 mulheres lá no Travelex Bank, da Ana Tena, que faz parte do nosso grupo.
Um dos temas que saiu ali foi que nada funciona sem dinheiro. É muito bonito poder trabalhar assim, mas é muito difícil pra mim e Sandra nos dedicarmos a isso, porque temos tantas outras coisas na vida
Então, faremos uma próxima reunião de trabalho para amadurecer melhor o que vai ser esse modelo de pequena contribuição das mulheres para gente ter minimamente uma pessoa trabalhando para organizar o grupo, fazer os filtros… para a coisa ir pra frente.
Duas mulheres do grupo começaram recentemente a fazer a nossa parte de comunicação e outras duas farão o nosso painel de competências, porque queremos ser uma vitrine para contratação.
Queremos dizer ao mercado que temos 250 mulheres super competentes, em várias verticais, com diferentes conhecimentos.
De onde vem sua vocação para vendas? Isso tem a ver com sua personalidade ou com o seu ambiente familiar e formação?
Acho que tem várias coisas…
Eu era uma criança, uma menina muito feia… é verdade! Eu morava em Joinville e ouvi alguém falando: “Coitada, ela é tão feia”. Quando você tem 8 anos e ouve isso…
Eu ia pro colégio, olhava as minhas amigas – todas loirinhas, de olhos azuis, lindas – e olhava pra mim e dizia: “Realmente, eu sou feia. Então, preciso ter um diferencial. Meu diferencial vai ser o quê? Eu vou montar um networking”
Não tinha esse nome na época, mas comecei a fazer movimentos, agregar pessoas. Por exemplo, festinha de colégio, um evento… comecei a causar essas coisas. Cresci com isso.
Até hoje, gosto de falar que meu nome devia ter um pós-fixo: “tô indo” – Andrea Tô Indo, porque eu participo de quase tudo para o que sou convidada. E também porque eu durmo pouco – estou indo, porque não vai fazer falta pro meu sono.
Eu adorava imitar meu pai fazendo negócios. Vendi cartão de Natal com 12 anos; vendi ovos de Páscoa com 17 anos e comprei meu primeiro carro. Mesmo antes de trabalhar diretamente em vendas, estava sempre vendendo alguma coisa
Com o tempo, ao amadurecer dentro das empresas e do mundo corporativo, concluí que a gente está sempre vendendo, mesmo quando a gente não trabalha em vendas.
Você tem que vender internamente uma ideia, um projeto. Quando vai a um cliente, mesmo que não seja diretamente da área de vendas, está vendendo a sua imagem e a da sua empresa.
O tempo inteiro você vende – e isso me fascina. Digo que se eu acreditar no produto e na empresa, eu sou uma ótima vendedora
Nas quatro vezes que fui CEO, eu fui uma CEO-vendedora.
Você acredita que sua vocação e liderança em Vendas, área em que profissionais capazes são disputados, te ajudaram a superar bloqueios e desafios por ser mulher e isso te possibilitou subir na hierarquia corporativa para o C-level?
Eu acredito que sim. Na época, ouvi de uma diretora de RH da SAP uma coisa que eu sabia, mas não tinha consciência.
Sempre transitei muito bem em diferentes áreas, com diferentes pessoas. E trato todas as pessoas, independentemente da hierarquia, da mesma maneira, porque pra mim o ser humano tem o mesmo valor.
Você vai me ver falando com um bêbado na calçada – e dando atenção pra ele, porque pra ele estar ali naquele estado, existe um motivo – da mesma forma como falo com um CEO, com um par
Isso porque eu acho que a diferença entre mim e o cara que está lá na sarjeta é a oportunidade.
Essa maneira que tenho de tratar as pessoas foi um dos diferenciais, e essa habilidade é importante para quem é vendedor.
Muita gente pensa que o vendedor fala muito. Não. O vendedor deve ouvir muito… tem de ser um bom ouvinte, porque a maioria das pessoas precisa ser ouvida.
Na época em que você começou a ascender profissionalmente, não existia rede de apoio e o conceito de sororidade era incipiente. Como você se sustentava emocionalmente?
Foi muito difícil porque sofri todo o tipo de assédio e preconceito que você pode imaginar.
Eu olhava para os homens, nas empresas que eu trabalhava, com uma revolta gigante. Eu pensava: “Não é possível que esse cara foi promovido. Tenho certeza de que sou melhor que ele!”
Tinha certeza de que continuava nas posições rasas porque era mulher… eu conseguia no máximo ser gerente, porque chegou num ponto que se sentiram obrigados, não dava mais pra postergar!
Eu brigava muito. Nos meus primeiros anos, eu era topetuda, batia boca, batia de frente. Não tinha outro jeito, não tinha com quem conversar.
Imagine: se eu sofresse um assédio sexual na empresa, naquele tempo não tinha RH, havia departamento de pessoal; não tinha pra quem reclamar. Eu engolia, ia pra casa e, dependendo de para quem comentasse, ainda ouviria: “Mas o que você fez pra isso? Como você se comporta?”
Era assim mesmo que a gente ouvia… hoje a gente ainda ouve coisas como: “Estava de saia curta?” E isso não justifica!
Depois daquela infância, quando ouvi que eu era muito feia, cresci e me convenci de que eu sou muito bonita! Hoje, mesmo que alguém tente falar que eu sou feia, não acredito mais! Tive de trabalhar demais a autoestima
Também ouvi muito sobre mulheres que foram promovidas: “Certeza que ela está tendo caso com alguém!” Então, foram 20 anos muito, muito difíceis.
A minha carreira mudou quando eu fui trabalhar na SAP, quando fui pro mundo de software. Pra mim, a SAP foi um mundo totalmente diferente.
Foi como se abrisse uma cortina e eu visse algo que eu nunca tinha visto, porque ali tinha várias mulheres. E foi ali que eu tive pista, oportunidade para crescer – e ninguém me segurou
Em 12 anos de SAP, eu tive cinco promoções. Entrei como consultora e saí como diretora América Latina. E quando saí da SAP, eu queria ser CEO, porque sabia que estava pronta pra isso.
É curioso você comentar que foi na SAP, uma empresa de tecnologia – ambiente onde, em geral, as mulheres eram e são minoria – que você floresceu. Como foi chegar à área de tecnologia naquela época?
Foi por curiosidade, por gostar desse mundo, achá-lo fascinante.
E tem uma coisa que renderia uma outra conversa longa – eu acredito em mundos paralelos. Acho que existem tantos outros mundos que a gente não conhece… por isso tenho fascínio pelo computador.
Em 1999, decidi fazer uma pós-graduação em e-business porque eu acreditava no mundo e no mercado em vendas pela internet. Quando falei pros meus colegas, me chamaram de louca: “Você está apostando num curso, mas nem sabe o que vai acontecer!”
Era o começo da internet. Eu disse: “Gente, é óbvio que isso vai acontecer. É óbvio que tudo vai sair disso aqui [do físico] e vai pra internet. É outro mundo que vai acontecer. É o mundo que nos espera. Isso que a gente vive hoje aqui no físico vai, cada vez mais, diluir e a gente vai viver cada vez mais lá [no digital]”.
Eu não me arrependo de ter feito o curso; pra mim foi ótimo. De alguma forma fui uma visionária. E continuo acreditando em coisas que ainda não estão aqui, mas que tenho certeza que vão acontecer.
Esse meu fascínio por tecnologia está muito ligado ao meu pensamento de que algo é possível.
Quando entrei na SAP, em 1997, ela tinha acabado de chegar ao Brasil… fui da primeira leva. Aquilo era uma startup, era acreditar naquilo que começava. Ver o que ela se tornou e no que eu me tornei… como eu cresci junto
A tecnologia é o caminho pra tudo. Nada existe ou vai existir sem a tecnologia. E tem tantas coisas ainda que virão.
Você começou sua trajetória profissional como tradutora na J&J; depois se embrenhou na área de tecnologia, em hardware na HP e em software na SAP, onde galgou degraus. Saiu de lá e assumiu quatro postos de CEO, um na sequência do outro. É diferente chegar a uma empresa já na condição de executiva C-level?
Quando você chega lá em cima numa empresa e é apresentada como a nova CEO, é um grande desafio, uma grande responsabilidade, porque as pessoas estão te esperando com uma série de expectativas. E você tem de atender às expectativas do mercado e das pessoas.
Também existe um certo receio sobre quem está chegando, ao mesmo tempo que a gente também: “O que me espera?”, As pessoas não pensam nesse lado.
Eu não escondo a minha vulnerabilidade. Acho importante as pessoas verem que eu também tenho meus receios, as minhas dúvidas
Quando você compartilha isso, o grupo te vê como igual: “A gente está junto”. Sempre gosto de trabalhar dessa maneira. Essa é uma característica importante de um bom líder.
Você não é ninguém sozinho, isolado. Gosto de trazer gente muito boa para trabalhar comigo e, se posso, sempre contrato gente melhor que eu, porque aí está o grande segredo.
A mensagem é: a gente só é alguém quando está em conjunto. Então, nada melhor do que andar de mão dada na vida, sempre. E no mercado corporativo, ainda mais!
Aos 50 anos você deu uma chacoalhada, assumiu o desafio de migrar para o segmento de educação e foi para a EF, depois de três décadas atuando em tecnologia. Agora, passados quase oito anos, você volta para uma área que você tinha deixado. É um recomeço ou uma retomada?
Nenhum dos dois, porque eu nunca me afastei de tecnologia. Eu invisto em tecnologia, tenho contato com tecnologia e nas duas empresas de educação onde trabalhei – EF e Emeritus – tinha tecnologia muito forte.
Eu nunca abandonei – nem abandonaria – a tecnologia. Eu agreguei a educação e pra mim foi uma experiência muito boa. Nesses oito anos em educação, aprendi demais com o mercado
Acredito que o crescimento de qualquer nação só é feito com base na educação. O que eu vi nesses anos todos corroborou isso.
É uma continuação. Se fosse um gap, eu teria perdido muita coisa. Só que sempre acompanhei [o meio da tecnologia], principalmente com as startups.
Você disse antes que é feminista e sua bandeira é a favor das mulheres, mas fico com a impressão de que você é mais que isso…
Eu peço pro mercado sempre olhar para a diversidade. Sim, carrego a bandeira de defender as mulheres – eu sou mulher, eu sou feminista e conheço muitos homens feministas.
Mais do que nunca, as empresas melhor posicionadas no mercado são as que têm a pauta diversidade e inclusão muito forte e genuína.
Então, o meu apelo é para que isso seja realmente uma verdade, seja forte… e que a minha geração seja a última que tenha de brigar por esse tema, que tenha de brigar por inclusão, porque isso já é uma vergonha!
A gente teria de falar sobre outras coisas… a gente não deveria mais ter de falar sobre gênero, cor de pele ou condição física. A gente já tinha de estar tão além disso! Temos aí uma questão ambiental seríssima para resolver para as próximas gerações.
Falar sobre diversidade e inclusão parece, para mim, um atraso muito grande, mas ainda é necessário. Que esse seja um tema que, em breve, a gente não tenha mais que abordar, e que seja natural conviver com as diferenças.
“Todo profissional talentoso está sempre em transição de carreira”: movida por esse lema, Cristiane Mendes comanda a Chiefs Group, startup com uma base de 1 200 C-Levels prontos para atuar em projetos pontuais de grandes empresas.
Thaís Borges cresceu num ambiente de vulnerabilidade social, mas não deixou que sua origem definisse o seu destino. Ela conta como fez para crescer na carreira e se tornar mentora e investidora de negócios periféricos comandados por mulheres.
Natalia Martins encontrou no design de sobrancelhas um nicho lucrativo e o começo de uma nova vida. Na semana do Empreendedorismo Feminino, o Draft foi conferir de perto as lições da CEO da Natalia Beauty para um auditório lotado de mulheres.