Frutas e hortaliças: por que o Brasil ainda consome tão pouco?

Bruno Leuzinger - 19 out 2015
A Organização Mundial da Saúde recomenda o consumo de 400 gramas de frutas e hortaliças por dia (Imagem: Sérgio Zacchi)
Bruno Leuzinger - 19 out 2015
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Yes, nós temos bananas / Bananas pra dar e vender / Banana, menina, tem vitamina / Banana engorda e faz crescer… Já nos anos 1930, a marchinha difundia os benefícios da fruta e anunciava para o mundo a ideia de um país alegre e fértil, o paraíso da abundância tropical. E sim, nós temos bananas. E laranjas, melões, abacaxis… O Brasil é o terceiro maior produtor mundial de frutas do planeta, atrás apenas de China e Índia, com um volume anual de cerca de 40 milhões de toneladas. Mas esses números escondem um incômodo paradoxo: o brasileiro consome pouca fruta. Não só fruta, aliás – hortaliças em geral.

Menos de 25% da população brasileira ingere a quantidade diária (400 gramas) de frutas e hortaliças recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Os dados são da pesquisa Vigitel 2014 (Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico), divulgada em abril deste ano pelo Ministério da Saúde e que entrevistou 41 mil pessoas maiores de 18 anos entre fevereiro e dezembro de 2014, em todas as capitais. Em média, o consumo brasileiro fica entre 90 e 100 gramas diárias. Isso representa um perigo silencioso à nossa saúde. Segundo a OMS, 1,7 milhão de pessoas morre por ano de males associados a uma dieta pobre em frutas e hortaliças, como doenças cardiovasculares, diabetes, obesidade e até alguns tipos de câncer.

Marketing genérico

Frutas e hortaliças fornecem vitaminas e minerais, têm antioxidantes e alto teor de fibras, que auxiliam no trato intestinal e aumentam a sensação de saciedade. São hipocalóricas, ou seja, são alimentos de baixas calorias, e também ajudam a hidratar o corpo (com exceção dos tubérculos e raízes, todas as hortaliças são majoritariamente compostas de água). Se fazem tão bem, por que comemos tão pouco? “Acredito que há uma conjunção de fatores”, diz Renata Pozelli, editora econômica de hortaliças da revista Hortifruti Brasil, editada pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA). “Sobretudo, trata-se de uma questão de hábito e uma questão de renda.”

A respeito do primeiro aspecto, Renata aponta a falta de campanhas de marketing genérico, que promovem a categoria como um todo e não uma marca em particular. Nos Estados Unidos, esse tipo de ação é mais usual – o caso mais notório é o da campanha Got Milk?, que incentiva o consumo de leite. “Aqui, os produtores não se enxergam nessa posição de promotores do consumo de frutas e hortaliças e acabam deixando na mão do varejo, que tem muitos outros produtos para comercializar.” Assim, na hora de seduzir o consumidor, os hortifrutis precisam enfrentar a “concorrência desleal” dos alimentos industrializados, que têm por trás investimentos milionários em marketing e publicidade.

A questão da renda é outro problema. A pesquisa Vigitel e outras antes dela detectam uma relação positiva entre o nível de renda e o consumo de frutas e hortaliças: quem ganha mais consome mais. Hortifrutis são perecíveis, o que é uma desvantagem clara na hora de escoar a produção, encarecendo o preço final – e prejudicando sobretudo o consumidor de baixa renda. “De modo geral, a produção de hortaliças é pulverizada pelo país, mas a de frutas se concentra em pólos produtores que precisam abastecer o Brasil todo”, diz Renata. A distribuição, por estradas muitas vezes precárias, leva tempo. No mundo ideal, a logística de estocagem e transporte seria feita do início ao fim em ambientes refrigerados (a chamada “cadeia do frio”), mas isso não ocorre. Assim, parte dos produtos estraga no caminho – e quem paga por isso é o consumidor.

Biofábrica de insetos

Às vezes, o fator que encarece o custo final pode estar no começo da cadeia produtiva. A laranja é a fruta mais produzida no Brasil, com quase 20 milhões de toneladas anuais. O país é autossuficiente e abastece o mercado mundial de suco. A produção se concentra no estado de São Paulo e no Triângulo Mineiro, que formam o chamado Cinturão Citrícola. Apesar de sua força, o setor não é imune a sobressaltos. A principal ameaça aos laranjais é o greening, uma doença que afeta a produtividade da fruta e é causada por bactérias transmitidas pelo psilídeo (inseto) Diaphorina citri.

Um estudo do Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) indica que 35 milhões de pés de laranja, ou 18% das plantas do parque citrícola, padece com o greening – um aumento de 160% desde 2012. Queda na produção é sinônimo invariável de subida nos preços. Para contra-atacar o problema na raiz, o Fundecitrus inaugurou, em março deste ano, um laboratório de controle biológico em Araraquara (SP). É o segundo centro do tipo no estado: o primeiro funciona há cerca de dois anos junto à Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), em Piracicaba.

Os dois laboratórios são biofábricas da Tamarixia radiata, nome de uma “vespinha” que parasita e elimina o psilídeo em seu estágio inicial de desenvolvimento. Nestes ambientes controlados, o inseto que transmite o greening é cultivado para dar origem a seu inimigo natural. “A produção dura de 26 a 30 dias”, diz Carolina Veiga, coordenadora do laboratório de Araraquara, onde a meta é produzir 100 mil parasitoides por mês – hoje, o número gira em torno de 40 mil. Do total de Tamarixias radiatas produzidas, 20% voltam para o laboratório para servir de matriz e 80% é liberada no campo, na proporção de 400 por hectare.

“Temos um programa chamado Zona de Alerta”, diz Carolina. “Por meio dele, monitoramos pomares comerciais com auxílio de uma ‘isca adesiva’ que captura insetos.” De acordo com a incidência do psilídeo nestas armadilhas, o parasitoide é liberado em áreas vizinhas que servem de foco da praga, como pomares de fundo de quintal, chácaras abandonadas e até praças e cemitérios. A simples introdução da Tamarixia radiata não vai erradicar o greening – mas pode ajudar bastante. “Entre predação e parasitismo, uma única vespinha pode eliminar até 500 ninfas de psilídeo”, afirma a bióloga do Fundecitrus.

Vendas no varejo

Fundada em 1989, a Hortifruti é a maior varejista de hortifrutigranjeiros do Brasil. Apesar do nome, a rede também trabalha com carnes e pescados, mas o segmento de FLV (Frutas, Legumes e Verduras) responde por 50% do faturamento, que em 2014 foi de R$ 960 milhões. Somadas, as 32 lojas (26 no estado do Rio de Janeiro, cinco em São Paulo e uma no Espírito Santo) recebem por ano quase 20 milhões de clientes, que adquirem ao todo mais de 190 mil toneladas de frutas, legumes e verduras. Parte do sucesso da rede pode ser atribuída às divertidas campanhas de marketing, que costumam fazer paródias de filmes e tratar os hortifrutis com status de ”celebridades”.

A mesma agência que desenvolveu as campanhas foi incumbida, em 2011, de dar forma gráfica ao projeto Ícones. “Esse projeto nasceu da demanda do cliente de conhecer as propriedades dos produtos”, afirma Fabio Hertel, diretor de comunicação e novos negócios da Rede Hortifruti. Exibidos junto à etiqueta de preço, os ícones indicam benefícios nutricionais dos alimentos. Outro projeto, mais recente, é o Janelas do Campo. “Percebemos que o nosso consumidor é muito urbano e o nosso produtor, muito rural. Queríamos aproximar essas duas pontas.” Com o celular, é possível fotografar um QR Code impresso em etiquetas disponíveis em alguns hortifrutis (como alface, banana, laranja e tomate) e ter acesso a uma plataforma com conteúdos de texto, foto e vídeo sobre aquele produtor.

Para além da comunicação, a rede desenvolve novos formatos de apresentar seus hortifrutis e cativar o consumidor. É o caso da Salata, um kit com bandeja, garfo, faca e salada pronta para consumo. O produto ganhou um prêmio de design de embalagem em Cannes, em 2008, e gerou um desdobramento: o Salata Express, um serviço disponível em todas as lojas no qual o cliente escolhe os ingredientes em uma vitrine e monta sua salada (vendida por quilo), que pode ser levada ou consumida no local. Hoje, o Salata Express é o segundo “item” mais vendido da rede – só perde para a banana-prata. “Os clientes adoram: é saudável, acessível e muito prático”, diz Fabio.

Contra o desperdício

Conveniência e praticidade são os atributos mais valorizados por 34% dos brasileiros na escolha dos alimentos, segundo pesquisa de 2010 sobre o perfil do consumo promovida pelo Ibope e pela Fiesp como parte do projeto Brasil Food Trends 2020. Para esse segmento, o dia a dia corrido acaba se sobrepondo aos cuidados com uma alimentação saudável, e as refeições congeladas ou semiprontas muitas vezes ganham espaço na mesa do jantar. Marca de sementes de hortaliças da Monsanto, a Seminis está presente no Brasil com 15 culturas e em torno de 130 variedades, procurando aliar a conveniência exigida pelos consumidores com outras características importantes para a produção.

“O tomate grape Cupido é um exemplo de hortaliça de tamanho pequeno, produzido em estufas, que alcança ótimo sabor e segue o propósito de redução de desperdício”, diz Fernando Guimarães, gerente de negócios de hortaliças da Seminis. Produzir alimentos que proporcionem perdas menores (ninguém gosta de ver as hortaliças estragando na geladeira) é uma preocupação que se repete em outros produtos, vide o tomate Compack, que apresenta maior tempo de prateleira, o pimentão block Magistral, sucesso no Nordeste e com metade do tamanho do pimentão convencional, e o melão gália DRG3228, saboroso e com frutos menores do que o melão amarelo.

Muitas vezes, um novo nicho pode estar esperando apenas um empurrãozinho para ganhar corpo. Cenouras finas, que antigamente seriam descartadas, hoje ganham nova vida na forma de cenouras baby – menores, com bordas arredondas e coloração intensa. Interessados em fabricar ou adquirir uma máquina de processamento de minicenouras podem acessar livremente informações no site da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que em 2001 adaptou o modelo existente nos EUA à tecnologia nacional. Saudáveis e crocantes, as minicenouras se tornaram opção aos salgadinhos de tira-gosto e aos biscoitos recheados nas lancheiras das crianças.

Seja qual for a idade, o importante é deixar as desculpas de lado e começar o dia com uma fruta e um copo de suco, sem abrir mão da salada fresquinha no almoço e/ou no jantar. Frutas e hortaliças são fontes de energia e saúde, indispensáveis para a nossa alimentação.

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